Formados, em casa dos pais e sem perspetivas de carreira. A difícil transição dos jovens para o mercado de trabalho

12 dez 2021, 22:00
Jovens

Apostam na formação académica, mas muitos acabam por trabalhar em áreas completamente distintas. A instabilidade laboral e salarial e a parca oferta em algumas áreas amarram os jovens a casa dos pais, tornando cada vez mais utópica a ideia de serem financeiramente independentes

“Tirei 20 na tese de mestrado, estava esperançosa que conseguisse arranjar algo na minha área, principalmente na investigação, que era o que queria mesmo. Mas estou a trabalhar numa loja de roupa”.

Catarina Gomes, de 25 anos, é uma das muitas jovens portuguesas que sente dificuldade em transitar da vida académica para a vida laboral e um exemplo claro de que a velha ideia de que ter um ‘canudo’ (e até boas notas) é sinónimo de emprego já não faz assim tanto sentido nos dias de hoje.

Neste momento, temos claramente a geração mais qualificada de sempre, mas que encontra uma economia muito dominada por trabalhadores com baixos níveis de qualificação, o que cria uma fricção entre os trabalhadores de hoje em dia e as gerações mais novas que estão a ser formadas”, começa por explicar Pedro Freitas, doutorando em Economia e membro do Centro de Economia da Educação da Nova School of Business and Economics (Nova SBE).

Segundo os dados recentemente apresentados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) no retrato Os jovens em Portugal, hoje: Quem são, que hábitos têm, o que pensam e o que sentem, coordenado por Laura Sagnier e Alex Morell, 58% dos jovens que já terminaram os estudos, completaram formação no Ensino Superior. Destes, 19% fizeram a licenciatura, 13% apostaram no mestrado e apenas 1% fez o doutoramento. 

A aposta na formação académica é, para os jovens, um meio para atingir um fim: melhores salários. Mas a realidade está distante disso. 

Ser financeira independente é um dos requisitos para uma vida adulta, mas, mais do que o financeiramente independente, temos de olhar para o perfil dos salários. Há pouco tempo a Gulbenkian que olhava para o perfil salarial das gerações e o que vemos é que estão a ganhar o mesmo, à medida que as gerações passam. Expectamos que a geração seguinte viva melhor, mas a independência financeira não se dá”, refere Pedro Freitas.

Raquel Dias sentiu isso mesmo, dificuldade em transitar da precariedade para a estabilidade financeira. “O meu objetivo sempre foi acabar a licenciatura e trabalhar na área [direito] e, entretanto, fazer o mestrado enquanto estivesse a trabalhar. Acabou por não ser exatamente assim e foi aí que tive o primeiro choque com a realidade. Fazemos parte daquela geração à rasca”, lamenta a jovem de 26 anos.

Natural de Valongo, Raquel Dias diz que “há dificuldade em entrar no mercado de trabalho por falta de experiência” e que, na sua área, “só dois anos depois” é que encontrou a sua primeira oportunidade. “E foi um estágio”, atira.

Salários aquém das expectativas e até do conhecimento

 “A economia não se adaptou a um maior nível de qualificação necessária”, reconhece Pedro Freitas, que destaca que “quando as pessoas decidem estudar mais têm a expectativa de ter um salário maior, mas quando há mais oferta é expectável que o salário diminua, mas esperava-se que a economia tivesse virado para favorecer as pessoas com qualificações, em que estas qualificações seriam valorizadas”.

O salário é um dos calcanhares de Aquiles da juventude, seja ela formada academicamente ou não. Segundo os dados da FFMS, 30% dos jovens que estão atualmente a trabalhar recebem entre 601 a 767 euros líquidos mensais. Os que recebem entre 768 e 950 euros líquidos por mês são 19%. Já os que auferem entre 414 e 600 euros mensais são 14% e 9% recebem todos os meses menos de 413 euros.

Atingir o patamar dos mil euros limpos todos os meses é uma miragem para uma boa parte dos jovens trabalhadores até aos 35 anos: 14% recebem entre 951 e 1.158 euros, 5% entre 1.159 e 1.375 euros, 4% entre 1.376 e 1.642 euros e apenas 3% conseguem levar para casa mais do que 1.642 euros todos os meses. 

Raquel Dias, que agora trabalha na área dos Recursos Humanos, lembra o período turbulento de quando tentou ingressar no mercado de trabalho. “Comecei logo na área administrativa, nas exportações e no comércio internacional, foi o que surgiu, sempre em oportunidades precárias, uma empresa faliu, fiz substituições de licenças. Foram assim os meus primeiros anos”, recorda. "Dois anos depois surgiu uma oportunidade em direito, mas foi um estágio, foi uma situação precária e foi isso que me fez voltar a estudar, mas ouvia que tinha formação a mais, que ia exigir muito dinheiro e que a empresa não estava para isso”, continua.

A jovem de Valongo revela que o facto de falar várias línguas é uma mais-valia, mas reconhece também que ter mais formação é, muitas vezes, um entrave. Porém, não deixou de fazer o mestrado em gestão para conseguir ter bases e ferramentas para a área na qual trabalha.

Embora reconheça que os jovens que tentaram entrar no mercado de trabalho durante os tempos austeros da Troika tenham passado por dificuldades, Vítor Sérgio Ferreira, doutorado em Sociologia, com especialidade de Sociologia da Educação, Cultura e Comunicação, diz que o cenário hoje em dia não é muito diferente, quase como se se tivesse perpetuado, com ou sem medidas de austeridade à mistura.

Hoje temos uma crise diferente, mas que veio intensificar essas diferenças quer em entrada e manutenção no mercado de trabalho, mas sobretudo na manutenção. A força de trabalho juvenil é das mais facilmente descartável no mercado de trabalho, uma vez que tem contratos de trabalho precários, estão no início de vida ativa” e sem experiência, explica o sociólogo.

Quanto ao tipo de contrato de trabalho que têm, o inquérito da FFMS, que representou um universo de 2,2 milhões de jovens dos 15 aos 34 anos, 49% estão já efetivos, 24% têm um contrato a termo certo e 12% a termo incerto.

Dos jovens que estão atualmente a trabalhar, 24% têm profissões com formação superior, 19% trabalham na área do comércio e das vendas, 17% assumem funções administrativas e 15% estão na área de prestação de serviços, revela o estudo.

‘Presos’ a casa dos pais

Catarina Gomes ainda vive em casa dos pais. Depois de terminar o mestrado, candidatou-se para um projeto, o StartUP Voucher, e teve um ano de bolsa para esse projeto de empreendedorismo. “Tirando isso não tive nenhum trabalho na área”, volta a queixar-se.

No entanto, nem mesmo essa bolsa permitiu ser financeiramente independente e o facto de ter acontecido em plena pandemia em nada ajudou. “Comecei a trabalhar com esta bolsa em fevereiro de 2020 e a covid começou em março. Com o que estava a receber, eu podia ficar no Porto, conseguia estar estável, mas o valor não permitia ter logo uma vida tranquila, dava para ter um quarto, não para ter uma casa sozinha, muito menos numa grande cidade”, diz.

Desde este projeto até ao part-time que tem agora numa loja em Oliveira de Frades passaram seis meses. E sempre em casa dos pais.

Isto mexe bastante comigo porque não era nada disto que uma pessoa imagina quando está a terminar um curso”, lamenta Catarina Oliveira, que reside em Oliveira de Frades.

Segundo os dados apresentados pela FFMS, 57% dos jovens entre os 15 e os 34 anos vivem em casa dos pais ou de familiares, 29% com o(a) companheiro(a), 9% com outros (como residências universitárias, por exemplo) e apenas 5% vivem sozinhos.

No leque dos que ainda vivem debaixo do teto familiar, 58% confessam que a instabilidade económica é a principal razão, tal como acontece com Carolina Gomes e como aconteceu, outrora, com Raquel Dias, que teve de continuar em casa dos pais até conseguir alguma estabilidade financeira e contratual.

Temos neste momento um paradoxo, hoje há uma maior elasticidade para os cursos que os jovens querem seguir, mas depois há uma dependência em casa dos pais, mais do que contexto económico, há um contexto social e pessoal”, reconhece Pedro Freitas.

Dois anos depois de ter terminado o mestrado, Catarina Gomes tem, finalmente, um emprego na sua área em vista -  a convite da sua orientadora de tese -, mas é cautelosa na hora de falar dele. "Não vale a pena estar com aquela expectativa que depois pode não acontecer nada e isso é pior", diz. 

Embora hoje já esteja com um contrato de efetividade, Raquel sente-se ainda injustiçada. “Ainda hoje sinto que estou aquém do que poderia estar, até financeiramente falando, também por causa da questão fiscal, sobretudo um solteiro e sem filhos. Isto atrasou muito a minha vida, ter independência, comprar casa”, lamenta.

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