O escândalo "Partygate" será a gota de água para Boris Johnson?

CNN , Análise de Luke McGee
18 jan 2022, 22:00
Boris Johnson. Foto: AP

Nunca é uma boa altura para um governo em funções ser consumido por um escândalo político tão grave que os seus líderes enfrentam apelos diários para se demitirem.

Mas enquanto o primeiro-ministro Boris Johnson está enredado numa crise devido à realização de inúmeras festas em Downing Street enquanto o resto do Reino Unido estava em confinamento - o que provocou a indignação nacional - o momento é particularmente traiçoeiro para o partido Conservador no poder.

Durante semanas, Johnson e os seus seguidores leais tentaram esperar que o escândalo passasse ao recusarem responder mesmo à mais simples questão relacionada com algumas festas, enquanto um fluxo constante de revelações vinha à tona quase diariamente.

Mas a notícia de uma festa em que cada um levava bebidas realizada no jardim de Downing Street, no auge do primeiro confinamento no Reino Unido, obrigou o primeiro-ministro a pedir desculpa e admitir que esteve presente no evento.

Na sexta-feira, o escândalo agravou-se quando foi revelado que se realizou uma festa em Downing Street na noite antes do funeral do Príncipe Filipe. É de notar que, na altura, devido às restrições da covid-19, a rainha teve de velar sozinha pelo seu marido na Capela de St. George, no Castelo de Windsor. O governo pediu desculpa à rainha, mas há outros perigos à espreita no horizonte.

Johnson e o governo têm mantido o argumento de que os comentários dos partidos devem ser reservados até ser realizada uma investigação por Sue Gray, uma funcionária pública superior que foi responsabilizada pela redação de um relatório sobre o que aconteceu ao certo.

Boris Johnson enfrentou questões difíceis dos representantes no Parlamento perante o aumento da indignação devido a uma festa “traga a sua própria bebida” realizada em Downing Street durante o auge do primeiro confinamento covid-19 no Reino Unido.

Apesar de o relatório não poder determinar se foi transgredida alguma lei, uma descrição factual detalhada do que aconteceu e das razões pode aumentar ainda mais a pressão para Johnson se demitir. Mas o âmbito da investigação pode ser limitado o suficiente para evitar factos inegáveis - e o relatório pode nem ser divulgado na íntegra - o que significa que Boris Johnson pode conseguir resistir ao escândalo independentemente daquilo que o relatório possa dizer, mesmo que isso provoque ainda mais fúria no seu partido e no seu eleitorado.

Apesar dos maus índices nas sondagens, da revolta pública contra Boris e o seu governo e da sensação crescente de que o primeiro-ministro pode tornar-se “tão tóxico que nos arraste a todos para o fundo”, como disse um conservador, é provável que, por agora, os seus maiores críticos no partido tenham de aguentar e continuar a apoiar um homem com quem estão ressentidos.

Um ministro do governo disse à CNN que “ele era uma vantagem eleitoral em 2019 porque personificava o Brexit. Mas se for determinado que ele já não representa uma vantagem eleitoral, eles (os deputados conservadores) podem decidir livrar-se dele.”

Dentro de poucos meses, haverá uma oportunidade perfeita para verificar a popularidade de Johnson, quando forem realizadas eleições locais em Inglaterra, Escócia e País de Gales, no dia 5 de maio.

É amplamente aceite no partido que retirar Johnson antes desta data seria extremamente perigoso, pois ninguém poderia ter a certeza de quais seriam as consequências.

“Se os conservadores tiverem a certeza de que querem retirar Johnson, devem ter também a certeza de que o substituem por alguém que consiga sinceramente relançar um partido que está no governo desde 2010”, disse Will Jennings, professor de Ciências Políticas na Universidade de Southampton. “Se forem completamente derrotados nas eleições locais, o que não está fora de questão e é bastante comum para o governo em funções, esse novo líder ficará imediatamente em desvantagem.”

Vários conservadores disseram à CNN que estão a considerar as férias grandes no verão como o momento potencial para se livrarem de Johnson, caso as eleições locais sejam realmente uma catástrofe para ele.

Segundo um ministro, “essa seria a opção mais limpa, pois a política para no verão.”

Uma  fonte do partido disse que qualquer líder novo precisaria de “tempo para explicar um projeto que teria de ser mais complexo do que 'Get Brexit Done' (ou Levar o Brexit a Cabo),” o slogan que ajudou Johnson a ganhar uma vitória avassaladora em 2019.

A justificação para isto é que a situação em 2019 era dominada por uma única questão. O Brexit era um bloqueio que tinha de ser levantado e o público estava frustrado e esgotado porque, três anos após a votação, o Reino Unido era incapaz de sair efetivamente da União Europeia.

Esse novo projeto, que não era uma tarefa fácil para um partido que está no poder desde 2010, teria de ser construído na íntegra e estar pronto a avançar antes de maio de 2024, a data prevista para as novas eleições gerais. E apesar de isso parecer ser muito tempo na política, dar seguimento a Boris Johnson, um homem que já era bastante famoso antes de assumir funções, será extremamente difícil mesmo para o político mais competente.

A dimensão dessa tarefa, combinada com a natureza singular da personalidade pública de Johnson, é o que faz com que substituí-lo, mesmo após resultados potencialmente desastrosos nas eleições locais, esteja longe de ser certo.

“É uma decisão muito complexa, e baseia-se mais no instinto do que em dados concretos”, disse Salma Shah, antiga consultora especial do Partido Conservador.

“Por um lado, é preciso considerar se vale a pena depor um PM em funções e trocá-lo por alguém novo sem provas dadas. Por outro lado, não fazer nada pode significar que vemos as esperanças eleitorais caírem no esquecimento”, acrescentou ela.

Foi revelada na sexta-feira a realização de uma festa em Downing Street na noite antes do funeral do Príncipe Filipe, quando a Rainha foi obrigada a ficar sozinha devido às restrições do coronavírus.

O argumento para manter Johnson assenta no facto de ele poder, apesar de tudo, ainda ser a melhor esperança do Partido Conservador para ganhar as próximas eleições gerais. Segundo um membro da equipa do partido que trabalhou em diversas campanhas eleitorais, “Não há ninguém com um plano concreto para o substituir. Só dizem ‘Eu faria melhor’.”

Outra fonte do partido, próxima de Boris Johnson, disse à CNN que, apesar do consenso geral de que ele estava “a fazer um péssimo trabalho”, substituí-lo pode criar uma confusão maior do que aquilo que merece.

“Ele não quer deixar de ser primeiro-ministro”, o que tornaria qualquer batalha muito conturbada e, fosse qual fosse o resultado, "provavelmente iria fazer o partido parecer desunido e caótico” ao público geral, disse. 

Em último lugar, as condições económicas para as próximas eleições não vão favorecer o Partido Conservador. Há a possibilidade de uma crise de custo de vida, serviços públicos inadequados, a recuperação de uma pandemia e dificuldades continuadas provocadas pelo Brexit.

Será difícil para qualquer conservador, especialmente para os que são economicamente mais prudentes que Johnson, gerir estes problemas, considerando que o partido está no poder há tanto tempo. E não é possível argumentar que, apesar de todas as suas falhas, Johnson - endiabrado como é e com grande sucesso nas campanhas - é a melhor opção para o partido se manter no poder. Se ele ganhar com uma pequena maioria nas próximas eleições gerais, a sua saída graciosa poderá ser negociada com o partido.

Os argumentos para a sua deposição são mais simples. Membros do Partido Conservador explicaram à CNN que estão fartos de que a sua lealdade previsível seja tomada como certa por um homem que se preocupa mais com manter o seu poder do que com o partido que lidera.

Eles também estão saturados dos erros voluntários que vêm de Downing Street. O "Partygate" é apenas o mais recente de uma série de escândalos, desde Boris Johnson a tentar salvar-se de um dos seus aliados políticos que infringiu as regras sobre lóbis, às questões sobre quem ia pagar a remodelação do apartamento de Johnson em Downing Street.

Como Shah indica: “Eles têm de ter em conta que a equipa Conservadora está desmoralizada com tudo isto. Se perderam a fé no PM, trabalhar para este governo e fazer campanha para ele ganhar as eleições será muito mais difícil do que em 2019.”

O Partido Conservador está a ver-se forçado a colocar a si mesmo questões muito difíceis num momento incrivelmente complicado. Johnson não é um político normal. É impossível dizer se estes escândalos lhe terão custado a sua sétima vida ou se, daqui a um ano, ainda estará no poder.

Seja como for, Boris Johnson, o seu governo e o seu partido têm pela frente uns meses de dor horríveis que provavelmente vão piorar antes de melhorarem. A dura realidade é que, seja o que for que o partido decida fazer, será uma batalha daqui até às próximas eleições gerais - que podem simplesmente perder.

Até lá, o partido tem de alguma maneira conseguir entusiasmo, energia e motivação para se preparar para várias batalhas políticas. Se não o fizer, é provável que uma nova era política chegue ao Reino Unido, quando o partido que supervisionou a austeridade, levou a cabo o Brexit e tentou mudar a face de toda uma nação for retirado de funções e substituído por algo bastante diferente.

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