Investigação TVI. Medina denunciado por ligação a fraude deve ser constituído arguido 

20 fev 2023, 20:05

O Ministério Público aponta para participação económica em negócio e abuso de poder, nos mandados de busca a que a TVI/CNN teve acesso, crimes cometidos no urbanismo da Câmara de Lisboa mas que também visam Joaquim Morão, histórico socialista que terá indicado as duas sociedades do amigo para colaborar com a fraude

Fernando Medina deverá ser constituído arguido por crimes de participação económica em negócio e abuso de poder, como consequência de ter sido denunciado por envolvimento no caso de viciação das regras da contratação pública do histórico do PJ Joaquim Morão para gerir obras públicas na Câmara de Lisboa, apurou a TVI/CNN Portugal. 

Medina, hoje ministro das Finanças, diz-se alheio aos crimes, que segundo ele foram cometidos à sua revelia, mas Joaquim Morão tem uma versão diferente. Alguns dos intervenientes do processo confirmaram à TVI/CNN Portugal terem sido interrogados nas últimas semanas, na qualidade de arguidos – e Fernando Medina foi denunciado, nomeadamente por Joaquim Morão, por ter solicitado a este último que procedesse da forma como procedeu, no apoio à fraude que conferiu ao processo de contratação pública uma aparência fictícia de legalidade.

De resto, o interlocutor com o histórico do PS era o então autarca de Lisboa, que desafiou Morão para gestão de obras públicas na capital. À PJ, Morão recusou que a sua contratação tivesse estado relacionada com qualquer esquema de corrupção autárquica, mas não existe, no processo da câmara a que a TVI/CNN Portugal teve acesso, qualquer documento sobre os serviços alegadamente prestados. 

Medina era, em 2015, presidente da Câmara de Lisboa. A intenção de contratar Morão foi assumida. Por lei, Medina podia tê-lo feito por ajuste direto, mas um parecer do tribunal de contas sugeria, em 2015, uma auscultação de mercado, com convites a três empresas. 

Havia, no entanto, que preservar a vontade do autarca e, como garantia de que no final ganhava Morão a consultoria de gestão de obras públicas em Lisboa, a auscultação ao mercado foi apenas simulada, e, portanto, fraudulenta. Fizeram-no de forma flagrante, com convites fictícios a duas sociedades de um amigo de Morão em Castelo Branco, que nunca tinham sequer tido qualquer atividade relacionada com obras públicas.

Uma delas, a Remir, tinha apenas celebrado na sua história um contrato público, no valor de 33 mil euros, precisamente com a mulher de Joaquim Morão enquanto gerente da Misericórdia de Idanha-a-Nova.

O Ministério Público aponta para participação económica em negócio e abuso de poder, nos mandados de busca a que a TVI/CNN teve acesso, crimes cometidos no urbanismo da Câmara de Lisboa mas que também visam Joaquim Morão, histórico socialista que terá indicado as duas sociedades do amigo para colaborar com a fraude.

Outra das pessoas interrogadas foi Helena Bicho, diretora municipal de projetos e obras. Formalmente, em todo o processo de contratação a que também tivemos acesso, foi ela quem sugeriu por escrito ao seu superior, o vereador do urbanismo Manuel Salgado, que fossem feitos convites àquelas três empresas. Mas, na prática, não terá sido assim, como Helena Bicho acabou por contar à unidade de combate à corrupção da PJ.

Habitualmente a sugestão com os nomes das empresas a convidar surge de baixo para cima, seguindo uma tramitação desde os engenheiros fiscais até à diretora de obra, que submete à vereação do urbanismo, mas neste caso foi ao contrário, com o nome das empresas a ser cozinhado do topo em direção às bases, que se limitaram a aceitar.

Helena bicho diz ter sido apanhada no processo só por inerência de funções, tendo-se limitado, desta vez, a assinar propostas que lhe foram impostas a nível superior, e rejeita responsabilidades naqueles convites.

Assim, a proposta para um “aconselhamento consistente” na gestão de obras públicas nasceu a 26 de maio de 2015, um mês depois de Joaquim Morão ter criado uma sociedade para o efeito, a JLD.

São também feitos convites à ANJR e à Remir, do empresário António Realinho, mas estas limitam-se, a 29 de maio, a declarar que receberam os convites, com uma caligrafia idêntica à utilizada na resposta da JLD.
 
A 22 de julho, é feita a adjudicação à JLD por 22.500 euros e, no início de março de 2016, surge no processo uma proposta de Helena Bicho para que num segundo contrato, que vigorasse até agosto de 2017, fossem convidadas as mesmas três empresas.

Mais uma vez, as outras duas não responderam e a JLD de Morão ganhou mais 73.788 euros, para um total de 96.288 euros, acrescidos de IVA. 

Além disto, os convites simulados às sociedades de António Realinho ocorreram quando este já estava acusado de crimes de burla pelos quais veio a ser condenado, tendo acabado por cumprir pena de prisão.
 
A decisão de Fernando Medina em contratar Morão incorreu noutras três ilegalidades, segundo o Ministério Público: não obteve a indispensável autorização do Governo por Morão estar aposentado; não reembolsou a Caixa Geral de Aposentações pelas importâncias indevidamente pagas; e contratou alguém que tinha um regime de exclusividade enquanto primeiro secretário executivo da comunidade intermunicipal da Beira Baixa.
  
A procuradora Tânia Agostinho, do DIAP de Lisboa, já constituiu vários arguidos no processo nas últimas semanas e resta-lhe agora chamar Fernando Medina, na mesma qualidade, depois de o agora ministro das Finanças ter sido denunciado por envolvimento no esquema de viciação das regras da contratação pública.

O ministro das Finanças, que não quis comentar o caso quando foi contactado pela TVI/CNN, emitiu agora um comunicado a garantir que não tem conhecimento de quaisquer alegações, considerando-as falsas.

"Não tenho conhecimento de quaisquer alegações que, a existirem, são totalmente falsas", afirmou.

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