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Mensagem para Fernando Gomes, presidente da FPF: “O que mais me custou foi perceber os seus silêncios (e de outros) quando o futebol português ardia”

13 jul 2024, 10:58
Fernando Gomes

Caro Fernando Gomes,

Afirmou em Dezembro do ano passado que o objectivo mínimo de Portugal para este Euro-2024 — a fechar com um Espanha-Inglaterra neste domingo, curiosamente as duas Seleções que representam as duas Ligas mais fortes da Europa — era atingir as meias-finais da competição.

Esse objectivo não foi conseguido no desempate por penáltis com a França e podia dizer-se que Portugal foi eliminado por centímetros e pela excessiva pontaria de João Félix.

Já vimos que não foi assim: foram centímetros, mas foram também horas desperdiçadas, porque Martínez quis ser mais gestor do que treinador e quando se quer “agradar a todos”, como aconteceu na campanha para a ‘operação-Alemanha’, acaba por  não se agradar praticamente a ninguém.

Portugal foi eliminado por centímetros mas também pelas indecisões e alguma falta de coragem de Roberto Martínez, o treinador que o Fernando escolheu para retirar o elefante da sala (Fernando Santos), após o estardalhaço que vimos acontecer no último Mundial do Qatar.

 

Caro Fernando Gomes,

Fica hoje clara a opção por Roberto Martínez — um homem que não parte um prato, mesmo que carregue nas mãos, em pilha, uma baixela completa.

Diz-se por aí, à boca pequena, que a “intocabilidade” de Cristiano Ronaldo não tem tanto a ver com critérios de natureza desportiva mas sobretudo com critérios comerciais, que interessam à FPF, à UEFA e à roda que faz girar toda a indústria do futebol, das Américas à Europa, sem esquecer o papel determinante que a Ásia passou a ter neste gigantesco negócio.

Vai concluir em Dezembro 13 anos de presidência na FPF e a sua discrição foi quase absoluta, com vantagens e desvantagens.

Conseguiu passar todo o Europeu sem dizer uma palavra, mesmo quando Roberto Martínez começou a acusar alguma erosão. E sobre o “tema Ronaldo”, mesmo percebendo que qualquer intervenção sua neste domínio poderia ser interpretada como uma ingerência no trabalho do selecionador, creio que tinha sido importante uma palavra reparadora, uma palavra esclarecedora, porque Cristiano Ronaldo fez por merecê-la e os portugueses também.

Talvez não estivesse em condições de pronunciar essa palavra, porque os seus 3 mandatos foram muito influenciados pela presença de Cristiano Ronaldo, com os efeitos positivos que isso teve para a FPF e para o seu crescimento e não fica fácil assumir essa espécie de compromisso.

Directa ou indirectamente, Cristiano Ronaldo fez entrar muitos milhões na FPF e o Fernando, em termos do prestígio e dos lugares que alcançou na UEFA e na FIFA, deve-lhe muitíssimo.

Como deve a Tiago Craveiro, a sua extensão, que fez a leitura certa do que estava a acontecer no âmbito das investigações em redor do futebol em Portugal, com custos reputacionais e entendeu ser o momento certo para aceitar ser conselheiro do presidente da UEFA, o esloveno Aleksander Ceferin.

O Fernando Gomes, desde que saiu da Liga, onde se manteve durante 1 ano e meio (Junho de 2010 a Dezembro de 2011) preferiu sempre ocupar posições onde pudesse exercer a sua influência. NA FPF, fê-lo de uma forma magistral. E não há duvida que a soube exercer, muito perto, até, da presidência da República e dos três governos com os quais lidou, e não há dúvida de que se mexeu sempre muito bem no arco político entre PSD (com Pedro Passos Coelho) e PS (com António Costa).

O facto de ser sido administrador do FC Porto com aproximações aos clubes de Lisboa facilitou-lhe o trabalho. Foi hábil, sem dúvida.

Facto relevante nos seus mandatos foi não ter tido qualquer hesitação em patrocinar, a parte da FPF, a videoarbitragem, para mim a grande aposta de matriz estrutural que protagonizou, para além da construção da Cidade do Futebol.

 

Caro Fernando Gomes,

Ainda não é tempo para balanços mas, entre as muitas coisas que fez bem, o que mais me custou como observador foi assistir ao seu silêncio em momentos em que o futebol português ardia, nas mãos de pirómanos ou de uma espécie de seita que fez fez tudo para comprometer a verdade desportiva durante longos anos. E isso é imperdoável. Mesmo para quem está dentro da ‘bolha’ e tem de a alimentar dentro do seu líquido amniótico.

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