Grão-mestre do GOL: "Cada vez menos o mérito é determinante para as nomeações. Há outros grupos de interesse que circulam"

5 fev, 07:01
Fernando Cabecinha

Em entrevista à CNN Portugal, o líder do Grande Oriente Lusitano, a mais antiga obediência maçónica do país, admite incómodo com apoio de maçons a Gouveia e Melo, revela que o anterior primeiro-ministro resistia a nomear membros da maçonaria e adianta que quer atualizar os rituais que praticam nos templos

Em todos os últimos governos sempre houve maçons entre os ministros e secretários de Estado, nomeadamente aqui do Grande Oriente Lusitano. Esse tipo de ligação ao poder é importante para a maçonaria?

Não. Eles são nomeados como cidadãos, que têm a condição de maçons. Portanto, têm essa responsabilidade acrescida. Eles não são nomeados como maçons.

Mas muitos não vêm para a maçonaria a achar que é uma escada para o poder?

Há de tudo, mas por isso é que se desiludem, pois isto não é de todo uma escada para o poder.

A verdade é que quando chegam a um determinado tipo de cargo público muitos maçons têm tendência a afastar-se da maçonaria.

Há casos em que sim e há casos em que não. Depende sempre da liberdade individual. As pessoas escolhem livremente se querem dizer que são maçons ou não. Porque, acima de tudo, quem é nomeado é um cidadão, não é um maçom.

No passado, muitos maçons assumiram os seus ideais políticos, nomeadamente na Revolução Liberal e em outros momentos da História, como na época de Salazar. Porque é que não faz sentido hoje em dia os maçons assumirem o seu papel também na política?

Repito o que lhe disse; o cidadão é quem é nomeado, o cidadão é quem é eleito. Não maçons. Aliás, recentemente surgiu um movimento completamente anacrónico que não faz sentido.

Está a falar do apoio ao almirante Gouveia e Melo, dado por um grupo de maçons.

Sim. O senhor ainda não disse ainda sequer que era candidato...

Não será a maçonaria a tentar participar nas escolhas de poder do país?

Não. O que há é que alguns maçons, não pelos bons motivos, quiseram-se colocar na linha da frente de uma candidatura que nem sequer se sabe que existe. E além disso existe um Presidente da República que deve ser respeitado. E enquanto não entrarmos no processo de candidaturas eleitorais, não temos de estar a falar de há a, b ou c. A maçonaria não se mete nisso.

Falou agora no Presidente da República, todos os Presidentes da República costumam receber o Grande Oriente Lusitano.

Sim.

E o atual presidente Marcelo Rebelo de Sousa também o fez quando tomou posse?

Recebeu-me quando tomei posse na primeira vez. O Presidente da República sabe bem porque lhe dissemos que estamos disponíveis para ser úteis naquilo que ele entendesse que podíamos ser.

Qual é que é o papel da maçonaria hoje em dia?

É o mesmo desde há 222 anos, a defesa das liberdades, da igualdade de oportunidades, de direitos e de deveres e a fraternidade como a prática universal.

Mas o que é que o maçom tem de fazer para seguir esses princípios?

Tem de ter uma filosofia de vida que se coadune com a defesa das liberdades. Procurar estabelecer a igualdade entre cidadãos e ter um sentido de fraternidade ou de solidariedade. Aliás, António Arnaut dizia que fraternidade era solidariedade com amor e o que o maçom faz é procurar a união dos povos, a dignificação humana.

Porque é que ainda insistem em manter o secretismo à volta da maçonaria e dos maçons?

Essa é a questão que é colocada muitas vezes e às quais eu respondo sempre da mesma maneira: não há secretismo. E eu sou um exemplo nesse aspeto pois nunca me senti beneficiado ou prejudicado na minha atividade profissional pública e privada. Mas sei de pessoas que o sentem. Ainda num passado recente percebeu-se que a maçonaria não era bem vista pelos governantes da altura.

Está a falar de quem concretamente?

Do anterior primeiro-ministro. A maçonaria não era bem vista por ele e alguns maçons sentiram-se preteridos, pela sua condição. Segundo informações que me chegaram, se o “irmão” do partido que fosse conhecido como tal tinha mais dificuldades em ser nomeado fosse para aquilo que fosse.

O atual líder do PS não tem o mesmo comportamento em relação à maçonaria?

Que seja visível não.

Essa situação relativa ao primeiro-ministro anterior contraria uma tradição aqui do Grande Oriente Lusitano, na medida em que todos os governos socialistas sempre tiveram muitos ministros desta obediência.

Sim, já do tempo de Mário Soares.

Havia lojas com muitos ministros, como sucedeu por exemplo no Governo de António Guterres. A loja Convergência que foi batizada como “o gabinete” por ter tantos membros do Executivo. O que é que mudou para hoje o GOL não ter o mesmo peso na governação?

É fruto dos tempos, dos interesses e das simpatias. Sabemos que cada vez menos o mérito é determinante para as nomeações. Há outros grupos de interesse que circulam.

Que grupos são esses?

Interesses mais múltiplos do que antigamente. Além disso, há maçons no GOL que não querem que se saiba quem são.

Têm medo de assumir que são maçons?

Alguns têm medo de assumir. Mas digo-lhe com grande satisfação que cada vez menos há esse problema. Acabei de nomear agora cento e tal membros para o Grande Conselho Maçónico e a maioria deles assumiu o seu nome próprio e não o simbólico.

Qual a razão para alguns não se assumirem?

Porque a leitura da maçonaria, hoje em dia, percebida pela sociedade civil em geral, e na classe política em particular, não é muito abonatória dos nossos valores. Mas nós nunca fizemos mal a ninguém. Nós tivemos sempre uma luta pelas liberdades. A maçonaria iniciou-se no tempo da D. Maria I, na monarquia. Quando passou para a República, havia maçons republicanos e maçons monárquicos. E esta é a essência da maçonaria. Não age em bloco, não tem interesses definidos em bloco.

Ou seja, não é preciso ser maçom para se chegar ao poder, na sua opinião?

Claro que não.

Dentro dos templos ainda fazem rituais?

Juntamo-nos em rituais, sim. Neste momento estamos a tentar atualizá-los para que se tornem mais apelativos nos tempos que correm, mantendo a sua essência.

O que é um ritual maçónico?

O ritual ajuda-nos a interpretar os símbolos. Em alguns casos, as sessões são 80% sobre maçonaria pura e 20% para os maçons saberem como é que a aplicam na sociedade civil. Noutros casos há uma componente mais profana onde a simbologia se vai refletir.

E dentro das lojas fazem juramento. Porque é que o fazem?

Tem a ver com o compromisso.

Qual é a importância de ser maçom nos dias de hoje?

É uma questão individual. E é por isso que nós insistimos que não fazemos política. Obviamente que discutimos política, mas nunca partidária. Nunca discutimos questões de religião, como dizia o Henrique Monteiro, também não discutimos futebol. Ou seja, não discutimos nada que nos divida. O que procuramos é construir um grau de conhecimento e de aperfeiçoamento individual para depois melhor exercermos a nossa atividade, quer como maçom, quer como cidadão.

Costuma associar-se muito a maçonaria ao PS e ao PSD. Mas na maçonaria, nomeadamente no Gol, há maçons de várias quadrantes políticas?

Já foi assim em tempos. Quando entrei por aqui, há 33 anos, a esmagadora maioria eram elementos do Partido Socialista. Depois começaram a entrar significativamente elementos do PSD. Hoje temos pessoas do CDS e de outros partidos. Desde que sejam pessoas que trabalham no espectro democrático e têm como base e valores os princípios de liberdade, de igualdade e fraternidade.

Recentemente existiu uma polémica por causa de maçons do Chega. Há no GOL maçons do Chega?

Não acho que seja fácil entrar. Podem entrar, mas penso que não serão felizes aqui.

Há um partido que proíbe maçons, que é o Partido Comunista. Já alguém do PCP entrou no GOL?

Já.

E atualmente o GOL ainda tem elementos do PCP?

Tem sim.

Acha que o GOL está a perder a ligação que tinha ao poder? Em tempos, até o próprio António Arnaut apresentou aqui no GOL o projeto do SNS antes de ser aprovado pelo Governo.

António Arnaut trouxe ao GOL o projeto de lei do Serviço Nacional de Saúde, mas não foi aqui decidido. Foi decidido em Conselho de Ministros, onde havia maçons e não maçons. O que ele aqui fez foi juntar os seus “irmãos” para apresentar a proposta. Não foi aqui validada. Apresentou a ideia aqui, na sua qualidade de maçom e depois, como cidadão e ministro dos Assuntos Sociais, levou-a aos sítios próprios para ser decidida a lei de bases do SNS que tão maltratado anda.

Um dos temas que tem dividido os maçons do GOL é a entrada de mulheres. Acredita que as mulheres vão conseguir entrar nesta obediência?

O processo está em curso já desde o mandato anterior e está a seguir os preceitos constitucionais. No fim, o povo maçónico dirá de sua justiça e o que o povo maçónico decidir, o Grão-Mestre ratificará.

Quais são, neste momento, as prioridades do Grande Oriente Lusitano?

Uma reorganização interna que é necessária. Temos hoje 104 lojas.

A zona de Lisboa é a que tem mais lojas?

Sim, mas posso dizer com satisfação que já estamos espalhados pela região norte, centro, sul e até pelas ilhas. Em setembro, fui inaugurar um triângulo em Maputo e criámos mais uma loja em Cabo Verde, onde fomos recebidos pelo presidente da República. Temos um projeto a que chamamos Macaronésia.

Esse projeto significa o quê?

Significa uma maior interligação entre as lojas atlânticas de Portugal e Espanha.

Acha que há uma má impressão ou um desconhecimento da população relativamente aos maçons?

Quando vemos as notícias é sempre por um mau acontecimento ou alguma falha de algum irmão. Mas nós também temos um sistema de justiça e quando se porta indevidamente é convidado a sair.

Já foram muitos convidados a sair?

Alguns. Normalmente, a força centrifugadora é muito forte. As pessoas começam a não se sentir bem e vão-se embora. Noutros casos em que não se afastam, ajudamo-los a sair.

O que é que o GOL tem de diferente das outras obediências maçónicas?

O GOL nasceu em 1082. E teve a atividade ininterrupta até hoje. O GOL tem diferente a história, a filosofia de vida, nomeadamente da Grande Loja Legal de Portugal que foi criada com alguns que saíram daqui. Temos filosofias diferentes.

Quais são essas diferenças?

Tem a ver com o relativismo na crença de um Deus regulado ou não. Para nós a crença é irrelevante. O importante é que cumpram os requisitos da defesa das liberdades, da igualdade e da fraternidade.

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