Escritora mexicana Fernanda Melchor chega a Portugal com "Temporada de furacões"

Agência Lusa , AM
25 jan 2023, 12:22
Temporada de furacões (Fernanda Melchor)

Romance original e violento, que aborda temas como machismo, abusos sexuais e superstição no México, é editado pela Elsinore

Um dos mais acalmados nomes da literatura latino-americana, Fernanda Melchor, chegou esta semana a Portugal, com a publicação de “Temporada de Furacões”, um romance original e violento, que aborda temas como machismo, abusos sexuais e superstição no México.

“Temporada de furacões” é o terceiro livro de Fernanda Melchor e foi lançado no México em 2017, conhecendo agora uma versão portuguesa, editada pela Elsinore e traduzida por Cristina Rodriguez e Artur Guerra.

Após a sua publicação e quando começou a ser traduzido, nomeadamente para língua inglesa, em 2020, o romance arrebatou a crítica e o público arrecadando importantes prémios como o International Literature Award, PEN México Award for Literary and Journalistic Excellence e Anna-Seghers, tendo figurado ainda na lista de finalistas ao National Book Award, ao Dublin Book Award e ao Prémio Booker Internacional, um dos mais importantes para obras de ficção traduzida para inglês, a que voltou a ser candidata em 2022, com o seu último romance, “Páradais”.

Este livro, que tem sido comparado pela crítica internacional a obras de Cormac McCarthy, Roberto Bolaño e Juan Rulfo, é um “retrato assustador de um México sem lei nem esperança”, escrito “no limite da oralidade, que subverte as convenções da crónica e do romance negro, revelando um lirismo inesperado”, descreve a editora.

A voz de Fernanda Melchor junta-se à de outras autoras latino-americanas que se têm destacado por uma escrita poderosa e incómoda, que abordam temas como a violência, o abuso sexual, a pobreza, a corrupção e a superstição, aliando, neste caso, o conteúdo a um estilo narrativo original, caracterizado por blocos de texto corrido sem parágrafos, com avanços e recuos temporais e mistura de discursos direto e indireto.

A história passa-se em La Matosa, aldeia pobre do interior do México frequentemente assolada por furacões, e começa com um grupo de crianças que encontra um corpo mutilado a flutuar num canal de irrigação.

“O líder apontou para a beira do carreiro e os cinco, de gatas sobre a erva seca, os cinco, agrupados num só corpo, os cinco rodeados de varejeiras, reconheceram por fim o que espreitava sobre a espuma amarela da água: o rosto podre de um morto entre os juncos e os sacos de plástico que o vento impelia da estrada, a máscara escura que fervilhava numa miríade de cobras negras, e sorria”.

Este cadáver é a Bruxa, uma espécie de curandeira, que herdou da mãe “o negócio das curas e dos malefícios”, de quem ninguém conhece o nome, pois era tratada por “menina” pela mãe, e passou a ser Bruxa (como também a mãe era conhecida) quando ficou sozinha.

Temida e respeitada, a Bruxa era procurada por todos os que precisavam de ajuda para resolver problemas, desde abortos a feitiços para atrair ou afastar a pessoa amada.

Vivia numa casa decrépita, onde fazia festas procuradas por homens, pelas drogas que fornecia e o dinheiro que pagava em troca de favores sexuais.

Na busca do assassino, a história vai sendo narrada, na terceira pessoa, sob o ponto de vista de diferentes personagens ligadas direta ou indiretamente à Bruxa.

É através das histórias dessas pessoas, que se vai desvendando a violência daquela sociedade, com relatos de misoginia, homofobia, racismo, erotismo perverso, violação, pedofilia, corrupção, sempre envoltos numa aura de superstição que parece tudo querer justificar.

A inspiração para esta história de ficção partiu de um acontecimento real, de que Fernanda Melchor teve conhecimento através de uma notícia de jornal.

Uma mulher foi assassinada e o seu corpo encontrado num canal perto de Veracruz, cidade onde a escritora nasceu há 41 anos, tendo o assassino confessado que cometeu o crime porque a mulher o tentara enfeitiçar, um episódio revelador da dimensão que a crença no sobrenatural ocupa naquela região.

Recebido internacionalmente com entusiasmo, o jornal The Guardian descreveu “Temporada de furacões” como “um romance deslumbrante de uma das mais entusiasmantes novas vozes da literatura mexicana”, enquanto o The New York Review of Books fala de “uma história de terror que nasce do próprio lirismo da sua linguagem”.

O The Wall Street Journal considerou-o “um compósito de raiva e de angústia inteiramente singulares”, e o Los Angeles Review of Books, “um romance que se afunda como chumbo no abismo da nossa alma”.

O romance de Fernanda Melchor também não deixou indiferentes as escritoras argentinas Mariana Enriquez e Samanta Schweblin, outros aclamados nomes da nova literatura latino-americana.

A primeira, autora de “A nossa parte da noite” e “As coisas que perdemos no fogo”, descreve esta obra como “uma experiência literária intensa e hipnótica, na qual a violência física e a hostilidade da paisagem se aliam para formar um microcosmo de desespero”.

“Fernanda Melchor é detentora de uma voz poderosa, e por poderosa entendo implacável, devastadora, a voz de alguém que escreve com raiva e que tem o talento para a exprimir”, considera, por sua vez, Samanta Schweblin, autora de “Pássaros na boca” e “Distância de segurança”.

Nascida em 1982, Fernanda Melchor é escritora e tradutora, sendo formada em jornalismo com um mestrado em Estética e Arte.

Colabora com vários jornais e publicou até ao momento um volume de contos, “Aquí no es Miami” (2013), e três romances, “Falsa libere” (2013), “Temporada de furacões” (2017) e “Páradais” (2021).

Livros

Mais Livros

Mais Lidas

Patrocinados