ENTREVISTA | Tomou posse a 9 de janeiro, poucos dias antes de uma greve dos funcionários judiciais com a qual concordou. À CNN Portugal, Fernanda de Almeida Pinheiro diz que é “humanista” e não de esquerda, imagem que acusa alguns dos seus oponentes na corrida à Ordem dos Advogados de terem tentado utilizar. Para a profissão defende propostas com um cariz mais social, depois de anos em que diz ter havido benefício das elites de um país que ainda tem uma sociedade patriarcal, machista e misógina
Disse numa entrevista recente que é urgente trazer a advocacia para o século XXI. Isso significa exatamente o quê?
Tanta coisa. Significa que temos de mudar procedimentos dentro de casa relativamente à forma como funcionam os serviços. Significa também que temos de implementar regras, mesmo dentro da própria profissão, em relação a coisas que têm de ser devidamente regulamentadas, como é o exemplo das relações existentes entre as sociedades e os seus associados ou os colegas que empregam os seus pares ou dão trabalho aos seus pares em termos de regulamentação contratual, que está muito desfasada daquilo que é a realidade atual, dos métodos e daquilo que é socialmente aceite como aquilo que deve ser uma relação igualitária entre partes. Isso é uma das coisas que entendo que temos de trazer para o século XXI, quer a parte disciplinar, quer também essa parte.
Num universo de 35 mil advogados inscritos na Ordem dos Advogados votaram cerca de 17 mil. Estamos a falar de menos de metade da participação, mesmo sendo o voto obrigatório. Como vê estes números? Há algum distanciamento entre a classe e a Ordem?
É um distanciamento muito grande, e é pena. Isso também se pode refletir com a desilusão que tem sido para muitos dos advogados, aquilo que tem sido o presenciamento da Ordem dos Advogados em relação a assuntos que são nevrálgicos na sua vida. Um deles é seguramente a questão da previdência. A Ordem alheou-se completamente desta questão e obrigou os advogados a terem de tomar uma série de posições em que, naturalmente, não se reveem, porque entendem que a forma como a Ordem trata as questões inerentes à profissão não serve a totalidade da advocacia. Portanto, cuida apenas de uma parte e não olha para aquilo que é hoje a prática da advocacia.
Como assim?
A advocacia mudou muito nos últimos anos. Temos 50 anos de democracia, aquilo que se passa hoje no país não tem nada que ver com aquilo que se passava há 50 anos. Os desafios são completamente diferentes e eu entendo que, de facto, uma esmagadora maioria de colegas, infelizmente, não se sente de alguma forma representada pelo que tem sido o pensar, especialmente até ao último trimestre. Os advogados e as advogadas não sentem esta casa como se fosse a sua representação, porque as pessoas que aqui estão não conhecem os seus problemas da vida real. Talvez tenha sido por isso que este projeto saiu ganhador, porque, na realidade, aquilo que as pessoas sentiram e que nos foi sendo transmitido ao longo de toda a campanha, era que, de facto, sentiam essa representação.
E porque é que isso aconteceu?
Porque as pessoas, quer a candidata a bastonária, quer o Conselho Geral, eram advogados comuns, do dia a dia, que conhecem, quer em prática societária, quer em prática individual, todos os problemas que enfrentamos diariamente nos tribunais, e que são muitos. Até agora não se sentiam tão representados. Esperamos, depois deste mandato, conseguir reverter um pouco esses números [de abstenção] e trazer as pessoas mais para junto da Ordem. Isso também faz parte dos nossos planos. Também há outra questão fundamental: esta é uma profissão muito exigente em termos de cumprimento de prazos e regras, o que faz com que as pessoas não tenham tempo porque é muito difícil, e essa é outra das nossas lutas, articular a vida pessoal com a profissional. É muito difícil para os profissionais liberais e as pessoas acabam por não ter tempo para participar na representação da sua classe, o que se lamenta profundamente. Essa é outra das nossas batalhas: tentar coadunar essa parte pessoal com a profissional, de forma a garantir que os advogados e as advogadas deste país conseguem dar também atenção às suas famílias e poder ter direito a uma vida para além da advocacia.
Uma Ordem mais humana e social…
Naturalmente. Isto é uma casa profissional e os profissionais são pessoas, são seres humanos. Não é fácil cumprir prazos durante 12 a 14 horas por dia, ter família, crianças pequenas e ainda disponibilizar tempo para trabalhar, na maioria das vezes graciosamente, em prol da classe. Os advogados têm de ser respeitados enquanto tal. Não é porque ingressaram numa determinada profissão que abdicaram ou que fizeram algum contrato para abdicar dos seus direitos básicos constitucionais. Por outro lado também é olhar para esta casa no sentido de, ao mesmo tempo que serve o estado de Direito, que é a sua principal atribuição, defender a dignidade do exercício da profissão, onde se incluem os direitos humanos e os direitos sociais, como é evidente.
Mas isto numa profissão em que há pessoas que pertencem a uma certa elite. Concorda?
Há muito a perceção de que o advogado é aquela pessoa que ganha bem e que está sempre presente. Nem é que ganha bem, é que é rico, uma pessoa com posses. Mas a elite não representa tudo, aliás, representa uma ínfima maioria que, lamentavelmente, muitas vezes é vista pelo cidadão comum como sendo a classe. A esmagadora maioria da advocacia deste país não tem essa característica e por isso é que nós temos os problemas que temos com a previdência. De facto, durante muitos anos essa foi a característica do advogado, que era uma pessoa pertencente à elite social, que tinha bens próprios e património suficiente para, no caso de ter uma situação de insuficiência por motivo de doença ou outro, poder suprir essa necessidade. A realidade hoje não é essa, nem tem de ser, porque para isso é que se criaram regras de previdência e para isso é que existe a previdência para todos os cidadãos, e os advogados não são exceção.
Já vamos à questão da previdência. Mesmo sendo poucos, sente que os advogados das grandes sociedades têm capacidade para influenciar as decisões tomadas pela Ordem?
É público e notório a quem é que beneficia o sistema tal como está. Não é com certeza a quem ganha muito pouco, é a quem ganha muito dinheiro, porque a gestão aqui tem a ver inclusivamente com as regras de contribuição. Portanto, não existe, pura e simplesmente, nenhuma justiça contributiva. Existem valores mínimos de pagamento que são muito difíceis de cumprir a pessoas que auferem rendimentos médios na casa dos 2.000 ou 2.500 euros por mês. Essas pessoas têm dificuldades em pagar esses valores, mas quem receba 10 mil ou 15 mil euros por mês não. É por aqui que se pode optar, neste momento não são obrigados a pagar de acordo com os rendimentos que auferem, e o mesmo se passa relativamente às sociedades. As maiores sociedades do país não têm prestadores de serviços contratados, têm trabalhadores, mas não têm de pagar nenhuma contribuição de previdência por via desses trabalhadores que empregam, ao contrário do que acontece com as outras profissões. Uma empresa que tenha um único trabalhador como sócio-gerente tem de pagar a Segurança Social, além dos descontos. Isso não acontece nas sociedades de advogados, que podem empregar centenas de pessoas sem ter de pagar absolutamente nada de previdência, o que naturalmente diminui os direitos de previdência que essas pessoas têm enquanto trabalhadores por conta de outrem, que eu entendo que são. Já o disse e volto a repetir, os advogados das sociedades para mim são trabalhadores por conta de outrem. Se as sociedades são uma empresa têm de assumir a sua responsabilidade social enquanto tal.
Defende então que a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) passe a ser paga pelas sociedades?
É evidente que quem contrata os serviços dos advogados, mesmo que num nível de prestador de serviços, deve pagar a previdência. É uma minoria, serão cinco mil advogados em sociedades, mas ainda assim é evidente que essas pessoas têm de ter proteção social e é evidente que as sociedades têm de ter essa responsabilidade social para com as pessoas, inclusivamente porque as ajudam a ter sucesso através do seu trabalho, conhecimento e especialização. É evidente que têm de contribuir para a previdência, como acontece em todas as empresas deste país, não há uma razão para serem uma exceção.
Por isso defende um modelo misto de escolha entre a CPAS e a Segurança Social.
Sim. Realmente poupamos muito dinheiro enquanto estivermos na terra de ninguém. Os advogados devem poder escolher como acontece noutros países, por exemplo em Espanha.
E como é que isso pode ser feito?
Isso é o que temos de estudar. Vamos criar um grupo de trabalho para estudar a melhor solução, porque esta situação não pode continuar por resolver. Não podemos continuar a denegar direitos essenciais e constitucionais a estes trabalhadores, que são independentes e liberais. Não podemos continuar assim porque não nos entendemos em relação ao modelo. Há que criar formas de resolver, e isso é uma obrigação do Governo. Esta injustiça existe desde sempre e andamos a falar nela desde 2014, já tivemos todos muito tempo para pensar em soluções, porque isto como está não pode ficar. Numa primeira fase podia colocar-se a questão de que a classe não se tinha pronunciado, mas neste momento pronunciou-se [n.d.r. referendo favorável a um sistema misto]. Quem quiser ficar [na CPAS] fica, quem quiser ir para a Segurança Social tem de poder ir, salvaguardando os seus direitos de contribuições.
Mesmo com o referendo favorável parece difícil, pelo menos para já, chegar ao tal modelo misto. Até que isso seja atingido, admite que a CPAS possa vir a ser paga em proporção do salário, em vez de ser por anos de agregação?
Claro, isso é fundamental. Aliás, essa era a nossa proposta na candidatura a uma alternativa da CPAS. O que se pode fazer enquanto esta decisão não for estabelecida é mudar o regulamento. Não é admissível que as pessoas sejam obrigadas a pagar aquilo que não auferem. Não é porque tenho 20 anos de profissão que isso me dá melhores condições do que um advogado que começou agora a trabalhar, tudo depende das circunstâncias, que variam muito, e que também estão indexadas a outros fatores, como o local da profissão. Um advogado que esteja no litoral provavelmente será mais bem remunerado do que um que trabalhe no interior. Por isso a regra tem de ser sempre por uma justiça contributiva em relação ao que se ganha.
Um advogado que entre no seu quarto ano de agregação à Ordem vai passar a pagar cerca de 270 euros por mês de CPAS, quando no ano anterior pagava pouco mais de 130. Há advogados a ganhar 800 euros por mês, por vezes até menos, que vão ter de pagar este valor, que é quase o dobro.
Até seria mais se não tivéssemos aplicado um fator de correção, mas não pode ser, só que não temos nenhum fundamento a não ser a regra do escalão. Como é que uma pessoa que ganha mil euros, mesmo que líquidos, consegue pagar a sua vida e mais 270 euros por mês? Não é justo. O que tem de existir aqui é justiça contributiva e as pessoas que empregam os profissionais têm de ter as suas responsabilidades sociais.
E em relação a outras prestações sociais, como baixas médicas, licenças de maternidade ou outras, defende que estes mecanismos sejam obrigatórios?
Tem de ser, têm de ser obrigatórios e regulamentados. Vão dizer que sou sindicalista, é a conversa típica que adoro, mas não tem nada que ver com sindicalismo. Os trabalhadores liberais independentes que trabalham por conta de outras pessoas não são outra coisa se não trabalhadores dependentes. Lamento, mas é o que é, basta ler o Código do Trabalho. Não tenho nenhumas dúvidas de que um advogado que cumpre um horário de trabalho, que está inserido na estrutura de uma sociedade e responde a uma chefia é um trabalhador dependente. Uma pessoa que é selecionada para ali trabalhar tem de ter todas as condições inerentes àquilo que é a regra: tem de ter subsídios de férias e de Natal [n.d.r. as sociedades não são obrigadas a pagar 14 meses aos advogados], direito a baixas médicas, direito a subsídios de parentalidade e a usufruir da licença da mesma, o que muitas vezes não acontece. A lei existe e é para todos, não apenas para alguns. A principal vítima de tudo isto é a jovem advocacia, mais permeável a este tipo de situações. A Ordem tem capacidade para regulamentar estas situações e isso tem de avançar de uma vez por todas. Não é uma questão de direitos laborais, são regras básicas da justiça.
A advocacia e as profissões ligadas ao Direito eram tipicamente vistas como sendo ligadas a homens. Isso ainda acontece?
Começa a mudar, mas ainda é difícil ser uma mulher advogada e subir a um cargo de topo, pelo menos em comparação com o homem. Durante muitos anos foi vista como uma profissão ligada ao homem, pensada para homens, até a previdência foi pensada para homens. A questão da maternidade é muito importante para isso. Há advogadas que são obrigadas a ir para os tribunais escassos dias após terem dado à luz, mesmo quando passaram por um processo de cirurgia. Não têm qualquer hipótese. Não é sequer uma questão exclusiva da advogada, estamos a falar de direitos da criança, também. Apesar de tudo, é evidente que não tem um papel igual ao homem. Basta olhar para aquilo que se passou nestas eleições para verificar isso mesmo. A mulher continua a ter as principais incumbências em termos familiares, o que origina que não avance e tente chegar mais longe para poder liderar instituições ou empresas. Não porque não querem, mas porque a sociedade ainda não lhes garante os mesmos meios e apoios para poderem exercer esses cargos que ocupam muito tempo e custam esse tempo à família.
E o que é a Ordem pode fazer para mudar o papel da mulher?
É evidente que não há um papel igual entre homem e mulher, isso notou-se logo nas eleições para a Ordem, onde era a única mulher numa eleição disputada por sete candidatos. Continuamos a ter uma sociedade extraordinariamente patriarcal, machista e misógina e as advogadas não sofrem menos com isso. Tivemos o 25 de Abril há quase 50 anos. A profissão democratizou-se e a realidade é que 56% dos advogados são mulheres. Isto tem de ser tudo repensado, mas as coisas levam tempo, especialmente as mentalidades. Temos de as abrir, porque é essencial para conseguirmos uma melhoria da profissão. Para isso também é necessária gente nova e com cabeça fresca.
Neste momento o exame de agregação à Ordem custa 1.500 euros. Não será um valor demasiado elevado para quem está a começar?
É verdade, é uma questão que temos de ver. Aí admito mexer no preço, temos de ver em que medida podemos fazê-lo, porque nem toda a gente tem esse dinheiro. As famílias já têm de suportar os encargos das propinas, muitas vezes até da renda para o estudante, depois ainda têm de pagar esse valor.
Também se fala nos corredores da advocacia que as provas são, muitas vezes, dificultadas para diminuir o número de agregações à Ordem. O país ainda tem espaço para tantos advogados a saírem todos os anos das faculdades?
Tem de haver um grande grau de exigência. Esta profissão tem de estar de acordo com isso. Ao contrário do que se possa pensar, todos os anos entram centenas de advogados no país, alguns deles vindos de fora. Eu sou das que entende que não existem advogados a mais. Sobre as provas, naturalmente que o grau tem de ser elevado, porque estamos a falar de uma profissão com uma grande exigência técnica. Temos a vida das pessoas nas nossas mãos. Muitas vezes as pessoas não entendem, e eu percebo isso, acham que o grau de exigência é muito elevado, mas a verdade é que não se chega nem de perto, nem de longe, àquilo que vai ser a exigência da profissão, que exige resposta rápida e prazos rigorosos. Se isso não for feito o cidadão perde os seus direitos. Portanto, a pessoa que entra nesta profissão tem de ter plena consciência do que é que vai enfrentar, quais são as regras. A única forma que temos de o garantir é através de profissionais altamente preparados e com elevadíssima capacidade técnica. Do ponto de vista do pagamento sou sensível, do ponto de vista da exigência não.
Mas então há espaço para receber todos os profissionais que se candidatam todos os anos?
O problema não é de números. Toda a gente tem essa conversa, é quase um dogma. Nós temos é advogados mal remunerados, porque a capacidade da população para pagar honorários é muito exígua. É a população que aufere muito mal, e por isso não pode pagar nem custear advogados. O que acontece é que a maioria da população deste país tem um rendimento muito, muito baixo. Por exemplo, imagine que vamos discutir as responsabilidades parentais de uma criança no tribunal. Só de custas judiciais estamos a falar de 612 euros para cada pai. Uma pessoa que ganhe 1.200 euros pode pagar isto? Dificilmente. Mas é o que tem de pagar, mais todas as outras custas e encargos do processo, um deles os honorários do seu advogado. Isto arreda muitas vezes a população do seu direito à justiça e isso é absolutamente intolerável. É isso que faz com que haja menos trabalho para os advogados e pior remuneração, as pessoas não podem e não conseguem, então preferem não exercer os seus direitos. Isto num Estado de Direito democrático é absolutamente inadmissível.
Tem deixado várias vezes o alerta dos custos com a justiça. Mas o que é que a Ordem pode fazer para tentar mudar isto?
Tem de sensibilizar o poder político. Aliás, já demos duas boas sugestões: colocar o pagamento das taxas de justiça indexado à remuneração de cada um e conceder a consulta jurídica. Quem pode pagar mais deverá pagar mais em relação àqueles que podem menos, isso é evidente e óbvio. O aconselhamento jurídico deve existir em todo o território, em parceria com o Ministério da Justiça e a cooperação da Ordem. Isso até pode evitar que muita gente vá a tribunal.
E isso também beneficiaria a rapidez dos processos…
Como é evidente. Repare, uma pessoa que tem acesso a uma consulta jurídica para saber, por exemplo, se tem legitimidade numa ação ou até viabilidade, se não houver essa viabilidade já não vai a tribunal, não se abre um processo que seria moroso. Se eu vou recorrer a um advogado um ano e meio depois de me despedirem sem me pagarem os direitos laborais o meu direito caducou. Essa consulta jurídica pode ajudar a que estes casos nunca entrem nos tribunais.
Essa lentidão na justiça, bem como a dificuldade de acesso, são as principais razões para o que parece ser um divórcio entre portugueses e justiça?
É uma das razões, porque é verdade que existem situações absolutamente inconcebíveis. A vida de uma criança não se compagina com a morosidade da justiça. Se tenho um progenitor a tentar impedir outro de ter convívio com a criança, essa situação não vai ser resolvida em meses ou anos, e isso vai impactar a vida dessa criança de forma contundente.
Mas porque é que demora tanto tempo?
Não há meios. A culpa não é dos magistrados, mas dos casos e da falta de recursos nos tribunais. Muitas vezes as testemunhas são chamadas um ano ou mais depois do caso iniciar porque não há recursos para serem ouvidas antes. Vão recordar-se dos factos como deveriam tanto tempo depois? Claro que não. As pessoas criticam os tribunais, mas muitas vezes o que acontece é um atraso na investigação, há um hiato temporal entre a denúncia do crime e o julgamento que é muito maior do que aquilo que existe a partir do momento em que existe acusação e o julgamento é feito. Isso é que não pode ser. As coisas arrastam-se sempre por falta de meios, sejam tecnológicos, logísticos ou humanos. A ministra da Justiça anunciou mais 200 funcionários judiciais na abertura do ano judicial, mas fomos informados pelo sindicato que estão previstas 300 saídas por reforma. Nem chega para cobrir. Não tenho nada contra a senhora ministra, que parece ser empenhada e ter vontade de ajudar, mas a verdade é esta. De resto, o número de funcionários judiciais pedido há anos é de mil. Isto vai agravar um problema. O investimento que é feito na justiça tem sido muito parco, tem sido o parente pobre da sociedade, e isso não pode ser, porque a justiça é uma obrigação constitucional. O dinheiro que pagamos de impostos e de taxas de justiça tem de servir para colocar os serviços judiciais à disposição.
Disse que faltam meios humanos para se chegar ao julgamento. Mas onde, na Polícia Judiciária, no Ministério Público?
Da Polícia Judiciária e do Ministério Público, sim, inclusivamente em termos estruturais. Nos próprios tribunais e, acima de tudo, nos oficiais de justiça que têm de cumprir com as coisas determinadas pelo tribunal. Os meios na justiça nem são assim tão graves, mas as pessoas não conseguem trabalhar se não tiverem quem as apoie. Não podemos estar a pedir a um juiz para estar a cumprir tarefas básicas administrativas, que devem ser asseguradas pelos oficiais. Se não os temos, estamos a obrigar os juízes a fazê-lo.
Voltando à tal questão do sindicalismo. Sente que a sua candidatura, apesar de ter ganho, foi prejudicada por essa associação?
Não foi prejudicada por isso, foi a forma artificial que tentaram colocar em cima desta candidatura, de que estaríamos indexados ao Bloco de Esquerda e que estávamos a devolver o sindicalismo, que a Ordem não é um sindicato, mas uma associação pública profissional. É óbvio que a Ordem não é um sindicato. Mas vamos lá ver, a Ordem representa e tem de defender a dignidade da advocacia. Existe essa dignidade para a profissão quando um profissional é obrigado a trabalhar com uma doença oncológica? Então eu tenho de falar disto. Cabe na cabeça de alguém que uma sociedade de advogados que fatura milhões de euros todos os anos mantenha um trabalhador durante 10 anos e depois o coloque na rua de um dia para o outro sem uma única compensação? Não é sindicalismo algum, são regras básicas de justiça social, são direitos humanos.
Mas assume-se como sendo de esquerda ou não?
Isto não são valores de esquerda, são valores humanos. Se me pergunta se defendo os direitos humanos eu digo já que os defendo intransigentemente. Esse é o meu único extremismo, se quiser falar assim. Se me perguntam se sou de esquerda digo que não, sou humanista.