“O meu pai faleceu esta noite com um cancro. Lembra-te dele”. Acordei outro dia com esta mensagem do Miguel, bom amigo, filho único. Ficava órfão de pai e de mãe. É duro, não imagino o que isso seja. “Há poucas pessoas neste mundo que deixam uma marca indelével”, escreveu-me. Liguei-lhe para dar os pêsames. Refletimos sobre a vida de pessoas que já nos deixaram, parece que conseguimos ver o seu sorriso, ouvir a sua voz, sentir a sua presença.
Um mês depois, com um pouco mais de perspetiva, escrevia-me: “O mundo mudou, já não é o mesmo sem o meu pai”. Sentia-se perdido, disperso. A lutar para ser produtivo e apaziguar aquela dor. “As coisas mais importantes na vida não as controlamos”, confessava-me.
Este amigo não é crente. Vejo na sociedade, e também em mim, uma tendência para espremer cada segundo. Vejo pessoas, que estudam muito, ótimos profissionais, viciados em trabalho. Querem agarrar tudo. E não sabem estar de férias, porque não sabem viver sem rotina, sem correr. Contam os segundos nos semáforos à espera do sinal verde, almoçam em 7 minutos, desesperam nas filas dos supermercados. Abrandar em vez de acelerar, fazer uma pausa, é um grande desafio.
Não é mau o que nos sucede em períodos de descanso: sentimos um impulso oposto, que nos leva a manter-nos improdutivos. Precisamos de mergulhar no desconforto de não avançar, de não fazer coisas. Ou pelo menos, de não fazer tudo. Não nos sentirmos culpabilizados porque só fizemos 2 das 24 tarefas que tínhamos para fazer. O processo de “less is more”, como lhe chama o meu amigo Miguel. Partilho cinco ideias que nos podem ajudar nas férias.
- Gerir o calendário. Afastar-se do calendário, fazer estritamente o que tinha de fazer logo de manhã. E deixar espaços para, literalmente, nada. Nada. Não preencher esses momentos com o trabalho. Deixar de ver o e-mail. Permita-se perder tempo. Lembro-me de ir de carro às compras com os meus sobrinhos. Eles pediram-me para ir por um caminho que eu já não fazia há muitos anos. E eu reagi: “Mas por essa estrada vai demorar o dobro do tempo!” Uma das mais novas respondeu: “Mas é muito mais bonito”. Dê-se ao luxo de redescobrir caminhos mais longos, menos eficientes, mas mais bonitos.
- Optar pelo silêncio. Há quem nas férias não ligue o rádio no carro. Correm sem música ou ‘podcasts’. Estão a reaprender a fazer uma coisa de cada vez. E estão felizes. Isto é mais desafiante com crianças, com ruído permanente. Se está de férias, encontre momentos de silêncio. Não tenha medo de colocar no status do WhatsApp: “Vejo mensagens de manhã e à noite”. E guarde algum do seu tempo para um merecido silêncio de oração, leitura, meditação.
- Quebrar a rotina. Precisamos de tempo para nós. E isso não é egoísmo. Ninguém dá o que não tem. Precisamos de definir dias de jantares de família, programas com os miúdos e noites mais calmas, sem programa. Uma pessoa foi recentemente ao concerto dos “Quatro e Meia” numa de tantas festas populares de agosto no interior do país. E disse-me: “Como gostava que os Quatro e Meia viessem cá todas as semanas”. Disse-lhe que se calhar não seria o mesmo. Habituamo-nos à rotina. Precisamos de ganhar distância às coisas para ser de novo atraídos por elas. Como a nossa casa, que parece que é diferente quando voltamos de férias.
- Ir com os outros. Ligou-me um amigo que está de férias. Dizia-me: “fiz o propósito nestes dias de dizer aos meus filhos: ‘Vou contigo’”. Teve conversas sobre a escola com o filho enquanto fazia castelos na areia que eram rapidamente destruídos pelas ondas do mar. Foi às compras com uma sobrinha e descobriu que os dois partilhavam o gosto pelo Sumol de ananás. Jogou bilhar com o filho mais velho que estava mais triste. E dizia: “Na verdade, só queria um contexto para estar com eles a sós”. Crie momentos em que são outros a ter o “comando” do seu tempo, aproveite as férias para ter aquelas conversas para as quais não tem tempo durante o ano.
- Estar disposto a ouvir. Sem pretensões de resolver problemas, sem julgar, sem dar conselhos. Confiar que simplesmente a sua presença é muito mais importante do que julga. Saber fazer perguntas. Interessar-se realmente pelo que preocupa quem tem diante de si. A arte de “meter a viola ao saco”, como dizia a minha avó.
No domingo passado, na Missa ajudou-me rezar com estas palavras de S. Paulo: «Vede bem como procedeis. Não vivais como insensatos, mas como pessoas inteligentes» (Ef 5, 15). E acrescenta: sábio é aquele que vive «aproveitando o tempo» (Ef 5, 16). Não controlamos o tempo nem escolhemos o nosso dia de aniversário. O tempo é um bem escasso. Por isso, quando o perdemos ficamos com a sensação de ter desperdiçado um tesouro precioso.
Aproveitar o tempo não consiste em fazer muitas coisas, nem em acumular muitas experiências gratificantes. É Jesus que nos explica a lógica da redenção do tempo: «aquele que quiser salvar a sua vida há de perdê-la, mas aquele que perder a sua vida por causa de Mim há de encontrá-la. De facto, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Ou que poderá o homem dar em troca da sua vida?» (Mt 16, 25-26).
Quando entregamos a nossa vida a Deus, quando devolvemos às Suas mãos o tempo que Ele nos deu, deixamos que seja Ele a dar um sentido ao tempo. Perder o tempo com quem mais precisa é perdê-lo por Jesus e, por conseguinte, dar-lhe um sentido. «De agora em diante, tende pressa de amar», aconselhava São Josemaria. Tantos amigos fazem esta experiência nas férias. O Miguel aprendeu isso com a perda do pai. E nós também fazemos essa experiência: quando damos o nosso tempo, este multiplica-se.