André Silva deixou a Invicta há oito anos, mas a porta de Portugal não se fechou. Em conversa com o Maisfutebol, o avançado recorda o princípio da carreira, ídolos e histórias, sem esquecer os legados de Diogo Jota, Pinto da Costa e Jorge Costa – PARTE I
A tarde de outubro, com temperatura de verão e paisagem de outono, cai sobre os sintéticos do FC Foz, rodeados de árvores e abraçados pela brisa do Douro. De regresso a um estádio onde representou o Salgueiros há quase 20 anos, André Silva não passa despercebido, distribuindo sorrisos, acenos e “selfies”. Já não é o «menino tímido» nascido em Baguim do Monte (Rio Tinto), pois cresceu no Salgueiros e amadureceu entre Portugal, Itália, Espanha e Alemanha.
Enquanto aproveitava a pausa internacional para visitar a família, o avançado de 29 anos conversou com o Maisfutebol, recordando a afirmação pelo FC Porto. De Luís Castro a Diogo Jota, de Helton a Jorge Nuno Pinto da Costa, o internacional português não descarta o regresso.
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Maisfutebol (MF): Como começou este percurso?
André Silva (AS): Em 2001 já treinava pelo Salgueiros. O meu primo Filipe, um ano mais velho, ia entrar no futebol e os meus pais entenderam que eu precisava de uma modalidade coletiva para me desenvolver física e socialmente. Sempre fui fanático por desporto, sobretudo pelo futebol.
MF: Começa a jogar com o vermelho do Salgueiros, mas em casa predominava o azul e branco?
AS: Os meus pais não eram ligados ao futebol. Lembro-me do meu tio, ferrenho boavisteiro, que certo dia me aliciou a dizer que gostava do Boavista para ir ao estádio.
MF: O que ficou dos anos no Salgueiros?
AS: A paixão dos treinadores e a ilusão de alcançar outros patamares. Eu era mais tímido, não me manifestava num grupo desconhecido. O futebol foi um elo que me permitiu desenvolver socialmente.
MF: Na formação também jogou por Boavista e Padroense. E em 2011 mudou-se para o FC Porto.
AS: O Padroense e o FC Porto tinham um protocolo, a oportunidade surgiu quando jogava no Salgueiros. Estava a crescer bem e ganhámos um jogo na Rua da Constituição, talvez tenha sido esse o momento de viragem, que tenha seduzido o FC Porto.
MF: Qual o impacto de vestir as cores do FC Porto?
AS: É uma relação que começou muito antes, por crescer nesta cidade e pela paixão que o clube envolve. Cresci a celebrar as vitórias e conquistas. Foi bastante satisfatório.
MF: Que figuras do FC Porto o marcaram?
AS: Diria Falcao e Jackson Martínez, na adolescência e juventude. Na infância, o Deco, até porque comecei como médio ofensivo, atrás do ponta de lança. Tinha um treinador que nos convidava a escolher um nome. Felizmente consegui escolher o Deco.
MF: O FC Porto foi campeão nacional de sub-17 pela última vez em 2012, num plantel com André Silva, João Costa (Andorinha), Ivo Rodrigues e Nuno Santos, que agora está no Sporting. Que memória guarda do Nuno Santos?
AS: [risos] Não tenho tido muito contacto com o Nuno, mas pelo que vou vendo nas notícias continua bastante ranhoso como era na altura.
MF: Na altura tinha muito contacto com ele?
AS: Sim, convivi, agora ultimamente é que, pronto, crescemos e cada um seguiu o seu caminho. A última vez que estive com ele até foi no casamento de um companheiro que também estava nessa equipa, que é o Rafa Soares. Mas sim, já nessa altura era muito ranhoso.
MF: Em 2013/14 sobe à equipa B do FC Porto, então liderada por Luís Castro. O que aprendeu com este treinador?
AS: Rigor. Muito antes de ser treinador era diretor da academia e sempre se notou esse rigor. Tínhamos muito respeito por ele. Enquanto treinador soube lidar bem connosco, foi muito exigente nos momentos certos. Marcou a conquista inédita da II Liga em 2016, o que nos orgulhou imenso. Naquela fase estava a aproveitar todas as oportunidades e já trabalhava na equipa principal.
MF: Desse plantel também fazia parte o Gonçalo Paciência.
AS: Temos muitas histórias, andámos juntos na escola no Porto, crescemos juntos e partilhámos balneário no FC Porto e em Frankfurt. Acabamos sempre por cruzar caminhos.
MF: A estreia pela equipa principal do FC Porto remonta a dezembro de 2015 e o primeiro golo a maio de 2016, frente ao Boavista, no Dragão. Segue-se o bis na final da Taça de Portugal, contra o Sp. Braga, com um pontapé de bicicleta. Perderam nos penáltis, mas que sensações ficaram?
AS: Até àquela data eram os momentos mais felizes da minha vida, mesmo que o FC Porto atravessasse uma situação difícil. Sonhei com aqueles momentos. Nessa final sentia-me confiante e, quando marquei aos 90+1 minutos, achava que estávamos nos 70m. Queria correr para o meio-campo, para marcarmos o 3-2, mas fui “engolido”. Não valia a pena “lutar”. Ficou a amargura da derrota.
MF: Como é estar no Jamor?
AS: Já lá tinha estado pelos escalões jovens da Seleção, mas é um sentimento diferente pelo contexto, por lutar pelo clube do meu coração.
MF: Naquele plantel estavam figuras como Helton e Iker Casillas.
AS: Senti imensa adrenalina, nada de receios, todos me receberam bem. O treinador era Julen Lopetegui e partilhei quarto com o Helton. Eu era um miúdo realizado, mas gostava de descansar em silêncio. Uma vez chegámos ao hotel já tarde e queria relaxar. Mas começo a ver o Helton a montar a bateria e imaginei que fosse treinar e fazer barulho. E não teria coragem para o impedir. Felizmente, ele só preparou a bateria para o dia seguinte, consegui dormir em paz.
MF: E o Casillas?
AS: Era uma referência mundial, mas também era “chatinho”, sobretudo nos treinos. Gostava de “picar” e ficava na cabeça.
MF: A afirmação na equipa principal aconteceu em 2016/17 com Nuno Espírito Santo. Marcou-o?
AS: Soube tirar o melhor de mim, apesar da pressão e instabilidade no clube. Conseguiu que um rapaz de 21 anos estivesse focado e fizesse o seu melhor. Motivou-me e inspirou-me. É uma das primeiras referências de treinadores ao mais alto nível. Era exigente e não nos deixava relaxar, muito menos baixar os braços.
MF: Não posso deixar de pedir a leitura sobre o percurso de Nuno Espírito Santo na Premier League.
AS: Há que dar os parabéns, o que conseguiu pelo Nottingham Forest foi fantástico, levou-os aos lugares europeus. Merece todo o sucesso.
MF: Nessa época partilhou balneário com Diogo Jota, tanto no FC Porto como na Seleção.
AS: Chegámos a partilhar quarto no FC Porto, foram os primeiros momentos. Era uma pessoa determinada e focada, um rapaz simples, de objetivos claros e isso notava-se na forma de jogar, sem se esquecer de desfrutar. Passámos muito tempo juntos na Seleção, a rir, a jogar cartas ou videojogos, ele era muito mais dedicado ao FIFA (EAFC). São memórias marcantes e que fazem com que o Diogo continue presente.
MF: Este ano fica inevitavelmente marcado também pelas mortes de Jorge Nuno Pinto da Costa e de Jorge Costa.
AS: O presidente Pinto da Costa deixou um legado enorme e eterno. Marcou-me em particular a renovação de contrato em 2016, após o golo contra o Estoril. O presidente esteve presente. Deixou imensas memórias nos portistas, mas também nos rivais. São momentos que nos preenchem e que mantêm as pessoas junto de nós. O mesmo posso dizer sobre o Jorge Costa. Ninguém conhece o amanhã.
MF: Como analisa o momento do FC Porto?
AS: Os portistas já mereciam. Fico feliz e é merecido, sobretudo pelo trabalho nos bastidores. Fizeram boas contratações e o mister [Francesco Farioli] está a fazer um bom trabalho. Os portistas estão de novo entusiasmados, espero que assim continue, até pelo bem do futebol português.
MF: E o regresso?
AS: Saí do FC Porto, e dos melhores anos da minha carreira, com aquela sensação de que deixei trabalho por fazer e títulos por conquistar. A nação portista move-se por títulos e não tive a oportunidade de conquistar nenhum. Sobretudo a derrota na final da Taça de Portugal foi muito marcante. Agora estou concentrado no Elche, em desfrutar do dia-a-dia e do que ele me pode dar. O futuro? Ninguém sabe o que pode acontecer. No passado já tive a possibilidade de regressar a Portugal, mas não ao FC Porto. Vamos ver.
Prossiga para a segunda parte da conversa de André Silva com o Maisfutebol.