Pais nómadas que ensinam os filhos em "casa"

CNN , Tamara Hardingham-Gill
18 set 2022, 13:00
Pais nómadas que ensinam os filhos em casa (CNN Internacional)

Ser um nómada costuma estar associado a jovens com poucas responsabilidades.

Mas cada vez mais pais têm optado por levar os filhos em longas viagens pelo mundo, nos últimos anos. 

De facto, um relatório recente de tendências de viagens da American Express Travel descobriu que 76% dos pais questionados planeavam viajar mais com a família em 2022. 

Viajar com crianças durante longos períodos de tempo, geralmente implica tirá-las da escola tradicional e do ensino em casa, enquanto estão em viagem. 

No entanto, tentar providenciar uma educação de alta qualidade para os jovens enquanto vivem um estilo de vida nómada, além de trabalhar remotamente em alguns casos, certamente não é uma tarefa fácil. 

Aqui, os pais que optaram por viajar com os filhos falam das alegrias e dos desafios da educação em casa, enquanto vivem com o que levam nas malas. 

Família viajante

Emma e Peter Tryon viajam pelo mundo com os filhos Hudson e Darien desde 2021

Foi uma paixão pelas viagens e pela aventura que uniu Emma e Peter Tryon em 2011.

Os britânicos, ambos professores, começaram a namorar quando andavam a viajar separadamente no Cambodja, e tiraram muitas férias juntos antes de se casarem e terem dois filhos, Hudson, agora com cinco anos, e Darien, com dois. 

Embora planeassem assentar num lugar, depois de terem filhos, depressa ficaram inquietos e a atração de viajar pelo mundo com os filhos a tiracolo provou ser demasiado tentadora para resistir. 

“Sentimo-nos atraídos pela ideia de que existe uma outra forma de viver”, disse Emma Tryon à CNN Travel. 

Depois de meses a poupar e a fazer planos, venderam a casa, retiraram oficialmente o filho mais velho da escola e partiram nas suas viagens. 

"Entendo que as pessoas pensem que somos malucos”, acrescenta ela, admitindo que até eles se questionaram sobre se estariam a fazer a coisa certa, no início. 

“Quando tive de assinar os papéis para optar formalmente pela saída do sistema educativo do Reino Unido – vi as coisas de forma diferente, só a preto e branco. Pensei: 'Isto é mesmo a sério.'” 

Segundo a lei do Reino Unido, não há requisitos específicos para o programa do ensino em casa, apenas que os pais devem providenciar aos filhos uma educação adequada. 

Peter Tryon sublinha que um dos principais fatores por trás da decisão foi o desejo de passarem mais tempo juntos em família. 

“Descobrimos que a aventura, a espontaneidade e os desafios de viajar nos unem e também criam a oportunidade de nos ligarmos de uma maneira única e forte”, diz ele. 

Ao longo do ano passado, os Tryon viajaram por grande parte da Tailândia, assim como Singapura e Malásia, enquanto lidavam com a aventura do ensino em casa. 

Embora não se arrependam, ambos admitem que o seu novo estilo de vida acarreta desafios. Apesar de o facto de serem professores ter sido uma vantagem em muitos aspetos, Emma Tryon sente que talvez tenham “sido muito duros com a educação” no início, explicando que, desde então, adotaram uma abordagem mais descontraída. 

“Estamos muito habituados a viver a educação de uma forma mais tradicional”, explica ela. “Levámos para o ensino em casa muitas ideias erradas.” 

“Mas é incrível como a aprendizagem se torna rápida, instantânea, natural e fácil quando é feita a viver e a aprender à medida que avançamos.” 

Em termos de estrutura, o casal tem períodos de ensino “intencionais” e individuais de cerca de 30 minutos com os dois filhos, de manhã, e descobriram que isso os prepara bem para o dia. 

Ensino mundial 

Emma com Hudson e Darien durante uma visita à Tailândia

Segundo o casal, Hudson e Darien estão a progredir bem e a beneficiar muitíssimo com as aulas individualizadas. 

“Uma das coisas que adorei ver, recentemente, foi o nosso filho [mais velho] a acordar e a perguntar quando vamos estudar”, diz Peter Tryon. “Está a ficar animado com isso.” 

Tirando os períodos de aprendizagem de manhã, as sessões de ensino são relativamente informais. 

Peter Tryon, que se descreve como um “cromo da ciência”, diz que muitas vezes usa as sessões de natação para realizar experiências de flutuação e submersão com as crianças, e recentemente ensinou a flutuabilidade ao filho mais velho enquanto estavam ambos na água. 

“Há tanta ciência em todas as coisas que fazemos”, diz ele. “Então, em vez de ensinar o tema como um assunto teórico numa sala de aula, temos todas as experiências e recursos ao nosso redor, no mundo.” 

O casal começou recentemente a trabalhar numa nova estrutura onde passam um mês a viajar e as quatro semanas seguintes num só lugar. 

“Isso tem funcionado muito bem para nós, enquanto família”, acrescenta Emma Tryon. 

Em 2021, os Tryon lançaram um canal no YouTube para partilhar a sua história e também têm um site, The Backpacking Family. 

Assim que deixar a Malásia, a família espera viajar para o Cambodja e depois para o Vietname, antes de seguir para o Butão, o Nepal e a Indonésia. 

Também têm em mente algumas viagens educativas ao Egito, Israel e Jordânia, mas, por agora, mantêm tudo em aberto. 

Embora esperem continuar a viajar indefinidamente, Emma e Peter Tryon dizem que continuarão a reavaliar a situação com base nas necessidades e nos desejos dos filhos. 

“Temos de continuar atentos aos desenvolvimentos e às necessidades deles, que mudam de dia para dia”, acrescenta Peter Tryon. “Mas, nesta fase, eles parecem estar realmente a prosperar.” 

Agora que passaram um ano a viajar enquanto ensinavam os filhos em casa, ambos dizem que parece completamente natural e não se arrependem. 

“Para nós, não é um ano sabático”, acrescenta Emma Tryon. “É uma mudança genuína e profunda na vida.” 

Estilo de vida nómada

Os Tryon dizem que pôr a vida numa mala e fazer-se à estrada com os filhos foi uma das melhores decisões que tomaram

A perspetiva de fazer as malas e viajar indefinidamente com os filhos era algo em que Astrid Vinje e Clint Bush pensavam com frequência. 

Mas estes jovens de Seattle, casados desde 2009, só decidiram avançar com a ideia quando foram a uma conferência sobre viagens em família na Colúmbia Britânica e falaram com outros pais que o tinham feito. 

“A conferência foi no início do ano letivo e, no final desse ano letivo, tínhamos feito um plano”, disse Vinje à CNN Travel, explicando que ela e o marido se sentiam esgotados e temiam que não estivessem a passar tempo de qualidade suficiente com os filhos. 

O plano inicial era passar três anos a viajar a tempo inteiro com dois dos filhos, (Bush tem um filho mais velho de um relacionamento anterior) Mira, agora com 12 anos, e Julian, agora com 9. 

Como as crianças no Estado de Washington não são obrigadas por lei a frequentar a escola até aos oito anos, na altura, o casal só teve de declarar a intenção de dar aulas em casa à filha Mira. 

Embora Bush e Vinje não sejam professores como os Tryon, conheceram-se quando trabalhavam ambos num programa pós-escolar, e também têm sobrinhas e sobrinhos que estudam em casa. Portanto, tinham alguma noção daquilo em que se estavam a meter. 

A família partiu em 2018 numa viagem pela América, bem como à Costa Rica, Reino Unido, Espanha, França, Itália, Vietname, Singapura, Filipinas e Indonésia. 

Bush, que trabalha agora como engenheiro de software para um banco, trabalhava a tempo inteiro no início da viagem, portanto, grande parte do ensino em casa cabia a Vinje. 

Viagens educativas 

Clint Bush, Julian, Mira e Astrid Vinje na Costa Rica, em 2019

No entanto, ele começou a assumir um papel maior na educação quando Vinje, que administra o blogue da família, The Wandering Daughter, também começou a trabalhar digitalmente, o que foi uma mudança importante para todos eles. 

"Acho que me sentia um pouco desligado daquilo que estava a acontecer com os miúdos”, explica Bush. “Foi bom quando as coisas começaram a fluir melhor, e senti-me mais envolvido com o que eles estavam a fazer, do ponto de vista da aprendizagem.” 

Embora os horários variem consoante as viagens que fazem numa determinada altura, Vinje diz que, geralmente, passam entre uma a três horas por dia a aprender. 

“Nalguns dias, fazemos simplesmente uma visita a um museu”, explica Vinje. “Noutros dias, temos uma hora de matemática, uma hora de leitura, uma hora de prática de escrita e depois uma aula de línguas estrangeiras.” 

“Não acho que as crianças precisem de muitas horas para aprender, porque fazem isso ao simplesmente observarem o mundo.” 

Embora tanto ela como o marido tenham algumas preocupações em relação a retirar os filhos do sistema educativo tradicional, eles sentem que as crianças beneficiaram enormemente com o que aprendem enquanto viajam. 

“Muitas vezes sinto que há muitas matérias que não são ensinadas [na escola tradicional] porque estão demasiado focados em seguir um certo conjunto de padrões”, explica ela. “A História é muito importante para mim.” 

Vinje sublinha que tentam ensinar aos filhos sobre todos os diferentes grupos que viveram no local em que estão, na altura, para que as crianças tenham “uma perspectiva mais abrangente”. 

“Nesse sentido, sinto que eles [as crianças] recebem uma educação melhor”, acrescenta. 

Desenvolvimento social

A família Bush-Vinje passou quatro anos a viajar pelo mundo

Embora Bush admita que, inicialmente, estivesse preocupado com o facto de os filhos perderem as interações regulares com crianças da mesma idade e que isso pudesse afetar negativamente as suas habilidades sociais, ele ficou emocionado ao ver que não foi esse o caso. 

“Os nossos filhos são absolutamente incríveis noutros ambientes e com outras crianças”, diz ele. 

Depois de quatro anos de viagem - a viagem foi prolongada durante um ano por causa da pandemia - eles regressaram aos EUA neste verão e estão a readaptar-se a estar de volta a um lugar. 

“Se dependesse do meu marido e de mim, acho que viajaríamos para sempre”, diz Vinje, antes de explicar que foram os filhos que quiseram voltar para casa. 

Mira e Julian voltarão à escola em setembro, mas Vinje diz que poderão voltar a estudar em casa mais à frente, dependendo das suas necessidades. 

Embora devam ficar parados por agora, Bush e Vinje esperam poder embarcar numa viagem semelhante em algum ponto do futuro, desde que as crianças estejam dispostas a isso. 

“Reconhecemos que esta experiência é definitivamente um privilégio e não algo que todos podem fazer”, diz Vinje, que escreveu um e-book, “Hey Kids, Let's Go Travel!”, para ajudar outros pais que pensam fazer uma viagem prolongada ou um ano sabático com os filhos. 

“Mas se puderem fazê-lo, acho que é muito importante.” 

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