Falsa professora não quer ser demitida e recorre para o Supremo

27 set, 08:00
Escola [Foto: Lusa]

Para a defesa de Paula Pinto Pereira, as denúncias já continham os factos e o processo de inquérito foi aberto mais de cinco meses depois. E se a lei é omissa quanto a prazo para abertura de inquérito, é clara quando "fixa um prazo de 60 dias a contar do conhecimento dos factos para instauração de um processo disciplinar". E segundo esta tese, a instauração do processo disciplinar aconteceu mais de um ano depois do conhecimento da denúncia pelos superiores hierárquicos da professora

A defesa da professora de Matemática que deu aulas durante 30 anos sem ter habilitações recorreu da demissão para o Supremo Tribunal Administrativo, sabe a CNN Portugal. Segundo a alegação, a Inspeção-Geral da Educação só abriu um inquérito quase seis meses após a primeira de três denúncias, e o processo disciplinar só foi instaurado depois.

A primeira denúncia anónima chegou à Inspeção-Geral da Educação no dia 12 de março de 2021; a segunda chegou três dias depois, a 15 de março de 2021, e a terceira e última denúncia anónima só foi recebida quatro meses depois, a 15 de julho do mesmo ano. Só ao fim de mais um mês, a 23 de agosto, é que é determinada a abertura de um processo de inquérito, que seria concluído sete meses depois (29 de março de 2022). O processo disciplinar, que culminou na decisão de demissão da professora e na exigência de devolução de quase 350 mil euros, só é instaurado dois dias depois, a 1 de abril de 2022.

E é esta sequência temporal dos atos que a professora questiona no recurso para o Supremo. A lei não se pronuncia na atribuição de prazos para a abertura de processo de inquérito, mas prevê 60 dias para os processos disciplinares. O artigo 178.º, n.º 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, impõe que “o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico”.

Ao que a CNN Portugal apurou, as denúncias anónimas foram todas idênticas, ou seja, relatavam exatamente os mesmo factos: referiam o nome da docente em causa e garantiam que as habilitações que dizia possuir não eram verdadeiras. Não havia, por isso, dúvidas sobre a pessoa e o que estaria em causa.

Além disso, a primeira denúncia foi também enviada para o diretor-geral da Educação e para o Ministério Público. Ou seja, três entidades diferentes.

Recorde-se que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (1.ª instância) e o Tribunal Central Administrativo Sul já tinham considerado a decisão de demissão válida, anulando e absolvendo apenas a professora do pagamento de 350 mil euros exigidos pelo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), por danos ao Estado.

Para a defesa da professora, as denúncias já continham os factos e o processo de inquérito foi aberto mais de cinco meses depois. E se a lei é omissa quanto a prazo para abertura de inquérito, reforça a defesa no recurso a que a CNN Portugal teve acesso, é clara quando “fixa um prazo de 60 dias a contar do conhecimento dos factos para instauração de um processo disciplinar”.

E segundo esta tese, a instauração do processo disciplinar aconteceu mais de um ano depois do conhecimento da denúncia pelos superiores hierárquicos da professora.

No recurso, que poderá ser ou não admitido pelo Supremo Tribunal Administrativo, a defesa da docente lembra que, segundo a lei, os inquéritos visam apurar factos determinados, seja uma melhor concretização dos mesmos, seja os seus autores. O que, alega, nesta situação não se coloca, porque a docente foi identificada nas denúncias bem como o facto de ter prestado falsas informações sobre o seu mestrado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. É entendimento da defesa que nesta situação a entidade empregadora tinha a obrigação de instaurar processo disciplinar.

É, por isso, essencial, segundo o recurso, que intervenha o Supremo Tribunal Administrativo “para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que as consequências da diferente aplicação podem ter um elevado impacto”.

Mas o recurso sublinha ainda a prescrição dos factos – entrega dos comprovativos de habilitações - com base na data em que foram realizados, isto é, nos anos letivos de 1990/91, 1993 e 2002. Garante a defesa que se está perante factos prescritos por força do decurso do prazo de prescrição longa (1 ano a contar da prática dos factos) estabelecido pelo artigo 178.º, n.º 1 da LTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

A defesa da professora conclui que esta não pode ser punida por terem sido excedidos todos os prazos previstos na lei, considerando mesmo que os superiores hierárquicos de Paula Pinto Pereira renunciaram ao direito de punir, devendo ser declarada, por isso, a prescrição das alegadas infrações e o respetivo procedimento disciplinar com as devidas e legais consequências.

Professora falsa recebeu quase um milhão de euros do Estado

Deu aulas de Matemática durante décadas sem estar habilitada para isso. Foram três denúncias anónimas à Inspeção-Geral da Educação, em 2021, que levaram ao fim da carreira. As denúncias deram origem a um processo de inquérito e depois a um processo disciplinar. Com base no relatório final do processo disciplinar, o ministro da Educação assinou, em 2023, o despacho que culminou na demissão da professora - agora sabe-se sem habilitações - e na exigência de devolução de quase 350 mil euros por danos ao Estado, invocando o "enriquecimento sem causa". E é neste ponto que a Justiça tem dado razão à professora, que afinal não o era.

A “falsa professora” de Matemática não queria ser demitida nem devolver qualquer quantia e, de imediato, apresentou uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada. O tribunal de 1.ª instância acabou por lhe dar razão em parte. Sobre a demissão não houve dúvidas, mas quanto à devolução dos 350 mil euros o tribunal considerou que a visada nada tinha a pagar. E anulou o "ato administrativo" descrito no processo disciplinar que obrigava à devolução.

Na decisão do TAF de Almada pode ler-se que a ação foi declarada “parcialmente procedente” e determinada a anulação do “ato administrativo na parte em que impõe a devolução ao Estado da quantia de €348.563,70”. Tal como considerou “a presente ação improcedente, por não provada” e absolveu “a Entidade Demandada do pedido”.

Inconformado com a decisão, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) recorreu a 21 de maio de 2024 para o Tribunal Central Administrativo Sul. Todavia, a 28 de agosto de 2024, o coletivo de três juízes manteve a decisão da 1.ª instância. O acórdão a que a CNN Portugal teve acesso considera, mais uma vez, que Paula Pinto Pereira não tinha nada a devolver ao Estado.

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