Árbitro Fábio Veríssimo diz que o FC Porto colocou imagens do golo anulado a Froholdt num televisor que estava no balneário da equipa de arbitragem, televisor esse que não podia ser apagado. Esse incidente, segundo o árbitro, ocorreu ao intervalo
Advogados especialistas em Direito Desportivo ouvidos pela CNN Portugal consideram que o sucedido no Estádio do Dragão pode ser um incidente abrangido pelo artigo 66.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portugal, referente à coação. Questão: e houve coação na utilização daquela TV?
"Para ser considerado coação tem de se enquadrar isto como uma questão de violência moral. Parece-me que é um comportamento claramente anticorreto, ou seja, violador daquilo que são algumas das posições do regulamento disciplinar - portanto, suscetíveis de serem sancionadas. Não me parece assim tão despiciente considerá-lo violência moral, porque o que acabaram por fazer foi invadir a privacidade do árbitro durante o seu período de descanso através de um meio eletrónico, sem possibilidade de conseguir cessar aquele comportamento",explica o advogado Pedro Henriques, mestre em Direito Desportivo Internacional (International Sports Law) pela Universidade de Lleida. O especialista realça que esta interpretação jurídica "estará sempre sujeita àquilo que esteja no relatório do árbitro, no relatório dos delegados e da interpretação que é feita dos fatos".
João Lobão, advogado especialista em direito desportivo, acredita que o futebol português está num “terreno pantanoso” porque ainda se desconhecem vários detalhes sobre o ocorrido, "perante um ato violador da ética e com dimensão disciplinar".
Os especialistas dividem-se em classificar o ato do FC Porto como coação. De qualquer maneira, e segundo o regulamento, o FC Porto arrisca uma multa, no cenário mais benigno, ou sanção de derrota, se ficar provado que houve coação - nesse caso, o SC Braga recebe três pontos por uma vitória por 3-0.
O advogado Pedro Henriques explica que o quadro jurídico da coação implica que "alguém tem de praticar um ato com propósito inequívoco de condicionar a atuação do outro (neste caso o árbitro), com vista ao favorecimento de um determinado ato - por exemplo, do resultado ou de um detalhe no relatório do jogo". O especialista realça que tem de "haver uma intenção clara de condicionar a atuação do árbitro" e até admite que se possa olhar para este caso dessa maneira: "Não me choca que se olhe para isto e se entenda que ligar a televisões teve em vista condicionar a atitude do árbitro".
João Lobão discorda. “Se deste facto e desta entrada no balneário do árbitro, e desta quase devassa da vida privada do árbitro, podemos dar um salto para uma violência física ou moral, como diz claramente o artigo 66.º, penso que será aqui um pouco audaz. Acho que estamos a extrapolar um pouco até aquilo que o artigo procura acautelar. Se será um ato violador da ética? Assumo que sim. Se será um ato censurável? Com certeza que o será. Com dimensão disciplinar? Sem dúvida. Que acarrete uma violência física ou moral como o artigo o exige? Já tenho algumas dúvidas.”
No cenário disciplinar menos adverso para o FC Porto, pode ter acontecido apenas uma violação do artigo 127.º do regulamento e que se intitula "inobservância de outros deveres". Esse artigo responsabiliza os clubes por "todos os outros casos não expressamente previstos em que deixem de cumprir os deveres que lhes são impostos pelos regulamentos e demais legislação desportiva aplicável". Caso este seja o entendimento, o FC Porto arrisca apenas uma multa entre os 1.020 euros e os 5.100 euros.
"É uma atitude antidesportiva e há aqui claramente uma inobservância de deveres, isso parece-me claro", defende Pedro Henriques, garantindo que, tendo em conta que este comportamento foi ainda repetido no final do jogo, tende em aceitar que se trata de um ato de violência moral e, consequentemente, viola o artigo 66.º, que diz respeito a coação.
Relativamente ao valores das multas, o advogado Pedro Henriques explica que está relacionado "com a gravidade do ato". "A inobservância de deveres está mais pensada para questões meramente regulamentares, tanto que está no âmbito de uma infração disciplinar leve - entre infrações muito graves, graves e leves", explica. "A coação é o mais grave que temos, ou seja, tem como propósito influenciar o resultado desportivo, que é o mais grave que temos no nosso ordenamento jurídico-disciplinar e é o que sancionado de forma mais severa."
O ato de ligar um televisor indesligável no balneário da equipa de arbitragem não "tem uma previsão prévia e, por isso, não tem uma sanção específica". Como eventualmente não se enquadra num ato de coação na forma tentada nem em nenhuma outra sanção própria, pode "acabar por cair neste âmbito geral, que é a violação de deveres e obrigações de uma forma genérica e que é sancionada de uma forma muito vaga", explica Pedro Henriques. Ainda assim, o especialista sublinha que "o próprio árbitro diz que foi alvo de pressão". Mas: "Alvo de pressão acaba por não ser nada mais do que um conceito vago e indeterminado, ou seja, pressão sofrem eles todos os dias". Só que: "É uma pressão lícita ou ilícita? Entramos num limbo cinzento e volto a dizer que não me choca que se pense nisto, mas depois provar... Tenho dificuldade em dizer que há fortes probabilidades de haver aqui uma atitude que se possa enquadrar no artigo 66.º".
Nenhum dos advogados ouvidos pela CNN Portugal recorda-se de um caso semelhante.