“Lembro-me de ver um dos seguranças a festejar depois daquilo tudo”: a morte de Fábio Guerra - o julgamento, sessão III

13 abr 2023, 19:00

Na terceira sessão do julgamento dos ex-fuzileiros Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko foram ainda ouvidos amigos de Cláudio Pereira - o jovem com quem um dos arguidos se tinha desentendido - e o diretor nacional da PJ, Luís Neves

Cláudio Coimbra, um dos ex-fuzileiros acusados da morte de Fábio Guerra - jovem PSP agredido mortalmente junto à discoteca Mome, em Lisboa, a 19 de março de 2022 -, voltou a dizer que não percebeu que estava perante agentes da autoridade. “Nunca tive a perceção de que eram polícias. Só quando saímos de lá”, disse o arguido, na terceira sessão do julgamento.

O depoimento de Cláudio Coimbra surge depois de os agentes que testemunharam quarta-feira terem garantido que se tinham identificado quando os arguidos – Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko - e Cláudio Pereira se envolveram em agressões no exterior da discoteca. Os polícias, que não estavam de serviço, tentaram pôr termo à rixa, mas acabaram por ser alvo de agressões - que resultaram na morte de Fábio Guerra.

Esta quinta-feira, Débora Pinheiro, agente da PSP que estava com Fábio Guerra e outros polícias na discoteca Mome, voltou a ser ouvida e descreveu o colega como alguém calmo, amigo e sociável. Contou que “estava à porta da discoteca, ao lado do segurança”, quando viu “o Moreira, o Lobo e o Rafael Lopes” irem em direção à confusão. “Disse 'vamos!, é com os nossos'”, recordou, explicando o que viu na madrugada de dia 19.

“Lembro-me de ver um dos seguranças a festejar depois daquilo tudo”

Na terceira sessão foram ainda ouvidos amigos de Cláudio Pereira, que foi expulso da discoteca depois de ser agredido por Cláudio Coimbra. O conflito passou para o exterior da discoteca e foi para acabar com a rixa que os polícias intervieram.

“Tudo começou quando o Cláudio Pereira me ligou - eu estava no carro - a dizer que tinha sido agredido na discoteca sem motivo aparente”, contou Pedro Costa, que foi ao encontro do amigo. “Ele disse que tinha levado uma cabeçada e um soco”, disse a testemunha, confirmando que Cláudio Pereira “tinha uma marca de sangue no nariz”.

O conflito, que começou dentro do estabelecimento de diversão noturna, passou então para a rua. Pedro Costa explicou que passou por momentos de aflição ao ver Cláudio Pereira “inanimado” no chão: “Tentei que voltássemos para o carro. Fiquei sempre perto dele. Quando o Cláudio Coimbra sai da discoteca, ele vai na direção dele e dá-se o sucedido. Depois vejo que o Cláudio (Pereira) dá um soco no Cláudio Coimbra… e cai no chão. Tentei puxá-lo. Não tinha reação. Ele ficou inanimado. Eu fiquei preocupado. Não olhei para mais nada. Não vi mais nada.”

Gonçalo Vieira, outro amigo de Cláudio Pereira, diz que viu “o Cláudio (Pereira) a ser expulso”. “Estava exaltado e a dizer que tinha sido agredido”, recordou - disse ainda ter visto o rapaz “a sangrar na testa”.

Segundo a testemunha, ficou a ideia de que os arguidos conheciam os seguranças: “Lembro-me de ver os dois rapazes (Cláudio Coimbra e Vadym Hrynko) a sair e o Cláudio Coimbra a rir-se. Percebeu-se que existia um clima de amizade com os seguranças. Os sorrisos pareciam direcionados para o Cláudio (Pereira), que tinha sido expulso”.

O encontro à porta da discoteca acabou por dar lugar a novos confrontos, recordou Gonçalo Vieira: “O Cláudio (Pereira) começou a correr em direção ao Cláudio Coimbra. Nem sei se lhe acertou com um soco. O Vadym deu-lhe um soco e ficou logo no chão. Ficou estendido. O Pedro (Costa) tentou defendê-lo. Eram cerca de oito pessoas (à volta)”.

De menos de uma dezena de pessoas envolvidas, a rixa evoluiu e agigantou-se, com a intervenção dos agentes da PSP que estavam no local: “Começou uma confusão com mais de 20/30 pessoas”, disse Gonçalo Vieira, que se lembra de ouvir “uma rapariga a gritar 'Guerra!, Guerra!, acorda, Guerra!'”. “Lembro-me de ver um dos seguranças a festejar depois daquilo tudo”, disse no final do seu depoimento.

“Grito 'Polícia! Polícia!”: o testemunho do diretor da PJ

O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, foi ouvido durante a tarde. Essencialmente falou sobre a forma como as autoridades devem identificar-se em situações como a que ocorreu naquela madrugada.

“Posso dizer que, em situações inusitadas, nunca puxei da carteira. E foram muitas”, disse Luís Neves. “Se se estiver na iminência de levar um murro mostra-se o cartão de identificação?”, questionou a juíza. “Grito 'Polícia! Polícia”, respondeu o diretor da PJ.

À saída, Luís Neves admitiu que “não estava à espera ser chamado”, uma vez que não conhece diretamente os factos, mas mostrou estar sempre disponível para ajudar a que se faça justiça. O diretor da PJ falou ainda sobre Clóvis Abreu, terceiro suspeito, que se encontra em fuga - Luís Neves aponta que a polícia não vai desistir de prender o fugitivo.

Licínio Luís, capelão da Base Militar do Alfeite, contou que esteve com os dois ex-fuzileiros no dia 19 de março de 2022. O capelão, que chegou a ser afastado do seu posto devido a este caso, acredita que o trágico desfecho foi “fruto de uma noite complicada com muitos abusos - e regada com álcool”. Contou ainda como os arguidos reagiram à notícia de que o confronto tinha causado a morte de Fábio Guerra: “Quando receberam a notícia que o Fábio morreu, estavam de rastos. Sentiram que houve ali um problema grave causado por eles também”.

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