A estranha conspiração de extrema-direita que a Alemanha ainda está a tentar desvendar

CNN , Sophie Tanno e Nadine Schmidt
1 abr 2023, 22:00
Autoridades alemãs levam o príncipe de Reuss, Heinrich XIII, algemado, depois de efetuarem buscas num edifício em dezembro de 2022. Foto:  Boris Roessler/picture alliance/Getty Images

Os aderentes ao movimento têm uma série de crenças, incluindo a de que a Alemanha moderna não é um Estado soberano

Uma rede extremista e até há pouco tempo praticamente desconhecida na Alemanha está de volta no centro das atenções depois de as autoridades terem efetuado rusgas a nível nacional para desmantelá-la. 

O movimento Reichsbürger – composto por pequenos grupos e indivíduos espalhados por todo o país – apregoa uma série de pontos de vista bizarros e rejeita a legitimidade do Estado. 

Em dezembro do ano passado, 25 pessoas foram presas por suspeita de conspiração para atacar o edifício do Parlamento alemão, derrubar a ordem constitucional e instalar a figura central do grupo – o aristocrata Heinrich XIII, príncipe de Reuss, – como líder. 

As rusgas ligadas ao grupo continuaram na semana passada, com oficiais alemães a dizer que tinham detido uma pessoa suspeita de ser membro e apoiante após um agente ter sido baleado e ferido. 

O Ministro da Justiça alemão, Marco Buschmann, disse que o tiroteio "mostra como as missões são perigosas. É dever das autoridades desarmar o Reichsbürger". 

À medida que a repressão continua, a CNN explica o que é exatamente o movimento e o perigo que ele representa. 

O que é o movimento Reichsbürger? 

Os aderentes ao movimento têm uma série de crenças, incluindo a de que a Alemanha moderna não é um Estado soberano e deve, portanto, ser rejeitada como uma forma legítima de governo. 

Alguns acreditam que o Império Alemão de 1871 ainda existe, enquanto outros querem trazer de volta o Terceiro Reich de Hitler. 

Muitos subscrevem as ideologias de direita, populista, antissemita e nazi.

Autoridades aguardam durante uma rusga decretada pela Procuradoria-Geral da República alemã no dia 25 de março. Foto: Marijan Murat/picture alliance/Getty Images

Werner Patzelt, um cientista político e antigo professor na Universidade Técnica de Dresden, acredita que o Reichsbürger se parece menos com um "movimento", mas mais com "uma rede informal e pouco unida de pessoas estúpidas politicamente que acreditam que, ou pelo menos comportam-se como se, a República Federal da Alemanha não existisse". 

"Alegam que a Alemanha ainda é um país ocupado sob controlo americano, ou uma empresa registada em Frankfurt", disse à CNN. 

"A partir destes «factos» fictícios, derivam tanto um «direito» a não pagar impostos e multas, como de estabelecer «autoridades políticas provisórias». " 

"Muito disto parece apenas uma peça de teatro. Em alguns casos, porém, energia criminosa anda de mãos dadas com disparates políticos, dando origem a ataques a agentes financeiros ou da polícia." 

Os seguidores recusam-se a cooperar com o Estado alemão de várias maneiras, incluindo não pagar impostos ou imprimindo a sua própria moeda e cartões de identidade. 

Tobias Ginsburg é um jornalista alemão que cobriu, infiltrado, o mundo da extrema-direita alemã. 

"Encontram-se lá pessoas de todos os estratos sociais", disse Ginsburg. "Conheci os estereótipos, mas também pessoas normais, o dentista da baixa da cidade, alguém que trabalha nas finanças, apenas pessoas normais. Alguns não tinham ideia daquilo em que tinham entrado." 

Ele acredita que a intervenção das autoridades para evitar a tentativa de golpe do ano passado é o "mínimo" que pode ser feito para enfrentar o mais vasto tema do extremismo de extrema-direita na Alemanha.

Thomas Strobl, ministro do Interior da região de Baden-Württemberg, durante as rusgas efetuadas no seu estado. Foto: Marijan Murat/picture alliance/Getty Images

Ginsburg disse que grande parte da população alemã tinha a perceção do Reichsbürger "de que se tratava de pessoas loucas, pessoas idosas, ou mesmo um príncipe – que parece estranho – e a pergunta que todos faziam era se poderiam ter sido bem sucedidos, mas não é essa a questão". 

A "realeza" em questão é Heinrich XIII, príncipe de Reuss, de 71 anos de idade, um dos alegados líderes do grupo. O príncipe é descendente da Casa de Reuss, os antigos governantes de partes da Alemanha oriental, e trabalha agora como empresário imobiliário, de acordo com a filial da CNN NTV. 

"O que precisamos de ver como sociedade e o que os nossos políticos precisam de compreender é que o problema não é alguns dos chamados Reichsbürger, o problema é a ideologia de extrema-direita que leva cada vez mais pessoas a agir de acordo com as suas crenças", acrescenta Ginsburg. 

Quantos seguidores tem? 

Segundo dados governamentais, há cerca de 23.000 membros do Reichsbürger, um aumento em relação aos 19.000 em 2019. 

Destes, cerca de 1.250 pessoas estão associadas ao mundo extremista de direita. 

Ginsburg acredita que os números oficiais são "conservadores", dizendo que muitos membros optam por não tornar pública a sua filiação.

As autoridades detiveram um suspeito de pertencer ao grupo depois de um tiroteio que resultou no ferimento de um agente. Foto: Julian Rettig/picture alliance/Getty Images

O grupo ganhou proeminência durante a pandemia de covid-19, período que viu crescer de forma significativa as teorias da conspiração na Alemanha, especialmente as relacionadas com os grupos Reichsbürger e QAnon, de acordo com a investigação publicada pela Rede Global sobre Extremismo e Terror. 

As ideologias do movimento Reichsbürger, incluindo a recusa em seguir as restrições impostas pelo Estado alemão, encontraram uma causa comum entre os negacionistas da covid-19 e os manifestantes anti-confinamentos. 

Tais ideologias foram apregoadas pela organização Querdenker – o maior movimento de negacionistas da covid-19 na Alemanha. 

O Querdenker organizou grandes manifestações de protesto contra as medidas covid-19 determinadas pelo Estado, com símbolos dos grupos Reichsbürger e QAnon frequentemente exibidos nesses comícios. 

Quão perigoso é? 

O Ministério do Interior da Alemanha fez uma avaliação condenatória do movimento numa declaração à CNN, descrevendo os seus apoiantes não como "malucos inofensivos" mas sim como "extremistas perigosos que são movidos por fantasias violentas e possuem muitas armas". 

O arsenal de armas de fogo do grupo deixou as autoridades particularmente preocupadas. Os últimos números governamentais mostram que cerca de 400 membros possuem armas. Desde 2016, 1.100 pessoas tiveram as suas licenças de porte de armas anuladas. 

Cerca de 2.300 apoiantes são considerados mais propensos à violência - um aumento de 200 pessoas em relação a 2021. 

Segundo o Instituto para o Diálogo Estratégico, outro motivo de preocupação é que um número significativo dos membros do grupo é considerado como sendo militares no ativo ou antigos soldados, incluindo de unidades de elite, que são altamente treinados e que, em alguns casos, possuem legalmente armas de fogo. 

Ginsburg considera o grupo "extremamente perigoso" e receia que a sua ideologia se possa disseminar. 

"Se olharmos para o partido de direita AfD [Alternativa para a Alemanha] – um partido grande, aliás - encontramos pedaços dessa teoria da conspiração nos seus programas oficiais e temos pessoas sentadas no parlamento em circuitos de extrema-direita, em grupos do Reichsbürger", disse. 

Para combater esta ameaça, Ginsburg diz que a questão da extrema-direita na Alemanha deveria ser abordada nas escolas através de uma melhor educação sobre o assunto. 

"Falamos tanto sobre a luta contra a extrema-direita e sobre a grande sombra da história, e, no entanto, a educação sobre o que são as crenças fascistas, como estão difundidas, como podemos detê-las, são vagas, na melhor das hipóteses", disse. 

O governo alemão insiste que continuará a tomar medidas - como as rusgas que se verificaram na semana passada – até o país se ver livre deste extremismo. 

"Protegemos a nossa democracia contra ameaças extremistas", disse o Ministério do Interior. "Continuaremos esta dura abordagem até termos exposto e desmantelado completamente estas estruturas". 

"Ninguém neste ambiente extremista se deve sentir seguro." 

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