Exclusivo. Amigo de Sócrates ainda lucra milhões com o Estado

19 dez 2022, 21:29

Enquanto aguarda julgamento, a empresa de Carlos Santos Silva não tem parado de realizar contratos com dezenas de entidades públicas, grande parte por ajuste direto

A empresa de Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates, acusado na Operação Marquês e considerado pelo juiz Ivo Rosa como o corruptor do antigo primeiro-ministro, continuou e continua a fazer contratos com entidades públicas.

Desde o início do processo e da prisão preventiva, no final de 2014, até hoje, foram cerca de uma centena de contratos – 11 deles já este ano – , grande parte por ajuste direto e com municípios.

Dois desses contratos estão relacionados com uma obra polémica que foi notícia no Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal) há três semanas. 

Em causa um passadiço no rio Seia, numa zona dentro da Rede Natura 2000, conhecida como Açude da Ribeira, em Oliveira do Hospital, feito de betão e ferro, que tem sido classificado por um movimento cívico deste concelho como "o monstro".  

O projeto de execução e o estudo ambiental que viabilizou a obra foram encomendados e feitos pela Proengel - Projectos de Engenharia e Arquitetura, empresa de que Carlos Santos Silva é o principal proprietário com 90% do capital.

Os dois contratos com a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital relacionados com a obra no Açude da Ribeira, por ajuste direto, foram assinados em 2020 e 2021 pelo anterior presidente da autarquia, o atual deputado socialista José Carlos Alexandrino.

Em nome da Proengel, a assinatura é da gestora Inês do Rosário, conhecida por ser companheira de Carlos Santos Silva, que também foi acusada pelo Ministério Público no âmbito da Operação Marquês, mas que o juiz Ivo Rosa decidiu não levar a julgamento.

Um caso que se arrasta nos tribunais

José Sócrates e Carlos Santos Silva foram presos preventivamente no final de 2014 e desde então a Operação Marquês tem-se arrastado nos tribunais.
Só sete anos depois, em 2021, o caso conheceu uma decisão instrutória e segundo Ivo Rosa o alegado crime de corrupção passiva já tinha prescrito, mas mesmo assim o juiz fez questão de dizer, subscrevendo a tese do Ministério Público, que o dinheiro que Sócrates alegava ser um empréstimo (1,7 milhões de euros) tinha como objetivo "a compra da personalidade" do antigo primeiro-ministro.

Sócrates e Santos Silva acabaram por ser pronunciados por três crimes de branqueamento e três crimes de falsificação de documentos que ainda não começaram a ser julgados.

Entretanto, ao todo, nos últimos 8 anos, pelos dados disponíveis no portal Base que regista os negócios com o Estado, a Proengel fez 104 contratos num valor total superior a 3 milhões de euros, além de dois negócios de quase um milhão de euros, cada, onde a empresa do amigo de José Sócrates se apresenta em conjunto com outras empresas do setor.

Pelas contas do Exclusivo da TVI, o portal Base indica a existência, desde 2015, de 41 contratos públicos com a Proengel por ajuste direto, 27 depois de consulta prévia a um grupo restrito de empresas e 31 por concurso público.

Dois terços dos contratos foram assinados com autarquias e no topo está Belmonte, um município socialista com sete contratos assinados com a empresa de Carlos Santos Silva entre 2016 e 2020. Desses sete contratos, cinco foram por ajuste direto.

“Proengel está no mercado há mais de 35 anos”

Em resposta por escrito, o município de Belmonte argumenta que sempre cumpriu a lei que permite os ajustes diretos em certas condições e que a Proengel trabalha há vários anos com a autarquia.

Do lado da Proengel, esta sublinha, por escrito, que todos os contratos públicos que ganhou são públicos e sempre se dedicou a esta área: “A Proengel é uma empresa da área de arquitetura e engenharias que está no mercado há mais de 35 anos, a qual desenvolve, em particular, projetos de obra pública”, refere a resposta.

Sobre a obra em Oliveira do Hospital alvo de críticas, a empresa de Carlos Santos Silva explica que a localização do passadiço foi indicada pela autarquia que aprovou os materiais utilizados e o projeto tem todos os pareceres ambientais favoráveis.

Finalmente, o município de Oliveira do Hospital responde às questões enviadas dizendo que fez os dois ajustes diretos à Proengel tendo em conta que esta "tem um vasto portfólio de execução de projetos para autarquias e diversos organismos públicos e privados, razão suficiente para a adjudicação do projeto" do passadiço no Açude da Ribeira.

Em relação ao segundo contrato, assinado em 2021 para fazer a avaliação das incidências ambientais, a autarquia refere que este estudo foi imposto pelo Instituto de Conservação da Natureza (ICNF) no âmbito da candidatura a fundos comunitários, exigência que não era do conhecimento da autarquia aquando da assinatura do primeiro contrato, em 2020, para fazer apenas o projeto de execução da referida obra.

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