Votação ficou 7-6 e a lei vai ter de voltar ao Parlamento. Em causa está, de acordo com os juízes que votaram contra a lei, uma “sintaxe irremediavelmente ambígua” e a uma “intolerável incerteza” devido à utilização de um "e". Há juízes vencidos que não apreciaram nada este argumento - nem os argumentos de Marcelo
“Sofrimento físico, psicológico E espiritual.” Foi aquele “E” que ditou a inconstitucionalidade do projeto de lei sobre a despenalização da morte medicamente assistida (eutanásia). É que sete dos 13 juízes afirmam haver espaço para uma ambiguidade na interpretação desta expressão, balançando entre a possibilidade de aquela conjunção significar uma alternativa ou, por outro lado, uma cumulação daquelas condições. Na prática, a maioria dos juízes do Tribunal Constitucional entende, de acordo com o acórdão que sustenta a decisão, não haver uma clareza sobre se a eutanásia pode ser aplicada a quem sofra de uma daquelas três condições ou apenas a quem sofra das três em conjunto.
Uma “sintaxe irremediavelmente ambígua” que leva o juiz Gonçalo de Almeida Ribeiro a entender que os partidos foram além do pedido na tentativa de clarificar conceitos, acabando por criar ainda mais confusão. É o que outro dos juízes chama “intolerável incerteza”. Afonso Patrão acusa mesmo o legislador de criar a dúvida, algo que diz que devia ter sido impedido.
Com efeito, é muito à base de semântica que se faz o acórdão do Tribunal Constitucional, uma vez que quatro dos seis juízes que votaram pela constitucionalidade do diploma apresentaram uma declaração em que criticam a visão dos seus colegas.
Dizem estes magistrados que, se a diferença está entre as conjunções “e” e “ou" isso pode colocar em causa várias legislações, nomeadamente nesta matéria. “É muito fácil entender que assim se estabelece um standard de tal forma exigente que isso constitui um obstáculo praticamente intransponível à aprovação de legislação nesta matéria”, pode ler-se na fundamentação.
Mais dura foi a juíza Joana Fernandes Costa, que decidiu votar pela constitucionalidade do diploma mas que quis deixar uma nota à parte dos restantes colegas com quem partilhou a decisão. Entende a magistrada que a confusão criada pelo "e" e os argumentos apresentados não são "plausíveis". "Antes pelo contrário", escreveu, partindo para uma análise gramatical: "Não parece haver dúvidas de que a conjunção 'e' pertence à categoria das conjunções coordenativas aditivas, que se definem como sendo aquelas que unem dois termos ou orações, estabelecendo entre eles uma relação de adição ou soma; por oposição, a conjunção 'ou' integra a categoria das conjunções coordenativas alternativas ou disjuntivas, que se definem como sendo aquelas que unem dois termos ou orações, estabelecendo entre eles uma relação de alternância".
De resto, a juíza diz mesmo que é "facilmente" comprovável qual o sentido a que corresponde cada uma das conjunções. Ou seja, ao contrário da maioria dos juízes, Joana Fernandes Costa não tem dúvidas sobre a formulação referida no documento.
Críticas a Marcelo, o "requerente"
O Tribunal Constitucional teve de apreciar a lei da eutanásia por pedido do Presidente da República, mas nem todos no Palácio Ratton pareceram concordar com a formulação do pedido de Marcelo Rebelo de Sousa. Maria Benedita Urbano, que redigiu a decisão do coletivo de juízes, escreveu que houve uma "profunda divergência" entre o pedido feito pelo chefe de Estado e os "poderes de cognição" dos juízes.
"O Presidente da República pretende impor a sua interpretação da Constituição contra aquela da maioria parlamentar", acrescenta a juíza, avisando que isso "pode acabar por pôr em confronto maioria e oposição, sendo que o Tribunal Constitucional, ao decidir a questão de inconstitucionalidade, dá razão a uma delas". De referir que, apesar das palavras da magistrada, as leis apresentadas para aprovação da eutanásia também incluem partidos da oposição, nomeadamente Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda e PAN.
Maria Benedita Urbano defende que o Presidente da República deveria ter sido mais concreto no pedido de fiscalização feito.