Deputados podem aprovar os diplomas como estão e obrigar o Presidente da República a promulgar a lei
Continua o jogo do gato e do rato entre o Presidente da República e a Assembleia da República por causa da morte medicamente assistida, mas há um poder que Marcelo Rebelo de Sousa deu aos deputados, e que até aqui não o tinham.
Com o novo veto político dos diplomas da eutanásia, o chefe de Estado saltou um possível pedido de fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, passando diretamente para um pedido de esclarecimento aos deputados. Neste cenário, como explica à CNN Portugal o constitucionalista Jorge Pereira da Silva, está nas mãos do Parlamento a entrada em vigor da lei.
Nos termos da Constituição, em caso de veto de um decreto, "se a Assembleia da República confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções, o Presidente da República deverá promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção".
Isto porque, segundo o especialista, caso os deputados voltarem a aprovar o documento tal como ele está, Belém não terá outra solução senão promulgá-lo. “O Presidente da República, optando pelo veto político, perde a possibilidade de pedir a fiscalização preventiva”, esclarece Jorge Pereira da Silva.
E desta vez há duas diferenças em relação ao anterior veto político: há uma maioria absoluta de um partido que defende a entrada da lei em vigor (ao qual se juntam, previsivelmente, os deputados da Iniciativa Liberal, do Bloco de Esquerda, do PAN e do Livre) e a legislatura ainda está a menos de meio.
Por isso mesmo, Jorge Pereira da Silva estranha esta decisão do Presidente da República. “O Parlamento pode confirmar o diploma, basta uma maioria absoluta”, garante o constitucionalista, assinalando que existe uma lógica que diz que as “razões constitucionais devem preceder as razões políticas”.
“Se [o diploma] for confirmado por maioria absoluta com esta mesma redação, o Presidente da República é obrigado a promulgar. Esta pode ser a última intervenção do Presidente da República, resta saber se o veto presidencial tem peso suficiente para levar os deputados a alterarem”, sublinha.
Ou seja, caso não o façam e decidam manter o texto tal e qual como está, o diploma é aprovado.
Recorde-se que, para lá da fiscalização preventiva, o Presidente da República tem também o poder da fiscalização sucessiva. Mas aí o jogo muda. Marcelo Rebelo de Sousa até pode pedir ao Tribunal Constitucional que analise a lei novamente, mas só depois da lei ser promulgada, sendo que, nestas decisões, e segundo Jorge Pereira da Silva, os juízes do Palácio Ratton demoram "meses, às vezes mais" para decidir. O mesmo é dizer que a lei pode entrar em vigor, possibilitando pessoas de recorrerem à morte medicamente assistida, para mais tarde ser declarada inconstitucional.
E há outra diferença, de acordo com o especialista. "A fiscalização preventiva afeta o diploma todo, que não pode entrar em vigor. A fiscalização sucessiva é mais cirúrgica. A lei pode até estar em vigor, que os juízes podem declarar como inconstitucional apenas um artigo, ou até menos."
Quando surgiram as primeiras iniciativas legislativas sobre esta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa, católico praticante, defendeu um longo e amplo debate público, mas colocou-se fora da discussão, remetendo o seu papel para o fim do processo legislativo parlamentar.
Ao receber o primeiro decreto do Parlamento sobre esta matéria, enviou-o para o Tribunal Constitucional, que o declarou inconstitucional em março de 2021, por insuficiente densificação normativa.
Em novembro de 2021, perante o segundo decreto, o chefe de Estado usou o veto político, por considerar que continha expressões contraditórias.
Já na atual legislatura, ao receber o terceiro decreto do Parlamento, enviou-o para o Tribunal Constitucional, que o declarou inconstitucional, em 30 de janeiro.