Nos últimos cinco anos, seis portugueses foram "morrer com dignidade" à Suíça

3 mar 2023, 07:00
Médicos (imagem Getty)

Sem alternativa no país, há portugueses que recorrem a uma associação na Suíça para "morrer com dignidade"

Com a despenalização da morte medicamente assistida em Portugal num impasse entre a vontade da Assembleia da República e as dúvidas constitucionais, há quem procure alternativas lá fora para exercer o direito a "morrer com dignidade". É o caso da Suíça, onde, nos últimos cinco anos, uma associação ajudou seis portugueses a morrer, através do suicídio assistido, que é legal no país.

Sob o lema "viver com dignidade, morrer com dignidade", a DIGNITAS, uma associação sem fins lucrativos, com sede em Forch, na Suíça, assume-se como uma alternativa para as pessoas que desejam exercer o direito a morrer, mas que não o podem fazer no seu país de residência. 

É o caso de Portugal e, de acordo com números divulgados esta quarta-feira, só no ano passado, duas pessoas com residência em território português recorreram à DIGNITAS para morrer. Se recuarmos até 2009 (o primeiro ano em que a associação registou um suicídio assistido de uma pessoa com residência em Portugal), o número aumenta para 10. Quer isto dizer que, nos últimos 13 anos, a associação ajudou 10 portugueses a morrer.

Dos 11.856 membros de todo o mundo que apoiam o trabalho da DIGNITAS - e que, para tal, têm de pagar uma taxa de adesão de 220 francos suíços, além de uma taxa anual de 80 francos suíços (o que equivale ao mesmo valor em euros) -, 37 têm residência em Portugal. Numa resposta escrita enviada à CNN Portugal, a associação esclarece que “os indivíduos que se tornam membros da DIGNITAS geralmente não o fazem porque querem morrer, mas porque querem apoiar as atividades abrangentes da associação e ter a segurança da escolha”.

Prova disso mesmo é o facto de “menos de 3% do total de membros da DIGNITAS fazer uso do suicídio assistido”, o que corresponde a 206 indivíduos no ano passado, sustenta a associação, em comunicado. Desde o início da sua atividade, em maio de 1998, a DIGNITAS já ajudou 3.666 pessoas de todo o mundo a exercer o direito a morrer.

As condições para o suicídio assistido na Suíça

Milhares de pessoas em todo o mundo procuram a DIGNITAS por estar localizada na Suíça, um país onde o suicídio assistido é legal, desde que praticado por um doente terminal em sofrimento intolerável e irreversível. O suicídio assistido difere da eutanásia precisamente por ser o próprio paciente a pôr termo à sua vida, e não uma equipa médica.

Este procedimento requer uma taxa de 2.500 francos suíços (o que equivale ao mesmo valor em euros) e o cumprimento de vários requisitos, nomeadamente ter “uma doença terminal e/ou uma deficiência incapacitante insuportável e/ou dor insuportável e incontrolável”.

Em resposta escrita enviada à CNN Portugal, a associação esclarece que “o principal trabalho da DIGNITAS não é o suicídio assistido (...), mas sim uma abordagem abrangente que inclui a prevenção de tentativas de suicídio", demarcando-se assim da ideia de que se trata de uma clínica.

“A DIGNITAS é uma associação sem fins lucrativos, um grupo de defesa de direitos humanos e dignidade; mas não é uma clínica. Não temos aqui médicos nem enfermeiras a correr pelos corredores, nem equipamentos para que os pacientes fiquem aqui durante dias e semanas e sejam tratados/cuidados”, sublinha.

A construção de um edifício da DIGNITAS em Pfaeffikon, perto de Zurique. Fotografia tirada em 14 de julho de 2009 por Sebastian Derungs/AFP via Getty Images

A associação lamenta que milhares de pessoas de todo o mundo procurem a sua ajuda, o que, na sua perspetiva, só mostra como é necessário adaptar as leis dos outros países no sentido de garantirem o que designa como "o último direito humano".

"O objetivo da DIGNITAS não é que pessoas de todo o mundo viajem para a Suíça, mas que outros países adaptem as suas leis para implementar opções de fim de vida para que as pessoas tenham uma escolha e não precisem de se tornar 'turistas suicidas'", defende.

Para a associação, "ninguém deve ter de sair do seu país" para exercer o direito a morrer: "Ninguém quer pôr fim à sua vida no estrangeiro e, acima de tudo, ninguém quer pôr fim à sua própria vida se - sob condições aceitáveis para a pessoa - houver a possibilidade de continuar a viver."

Com base na sua experiência nos últimos 25 anos, a DIGNITAS refere que "quando as pessoas sabem que têm uma opção para terminar com o seu sofrimento, de forma segura, na sua casa, e que existe uma 'porta de saída de emergência', frequentemente encontram força e coragem para continuar a viver".

Os avanços e recuos do debate sobre a eutanásia em Portugal

Em Portugal, o debate em torno da despenalização da morte medicamente assistida já se prolonga há mais de duas décadas e encontra-se agora num impasse entre o Parlamento e o Presidente da República. De todas as vezes que o parlamento enviou para Belém um decreto nesse sentido, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, inviabilizou o processo, ora pedindo um parecer ao Tribunal Constitucional (TC), e, posteriormente, devolvendo o texto à Assembleia da República, ora vetando-o logo em primeira instância.

Entre avanços e recuos, o decreto voltou para as mãos dos respetivos partidos proponentes, nomeadamente PS, BE, PAN e IL, depois de ter sido novamente declarado inconstitucional pelo TC. Os juízes consideraram que uma das condições apresentadas para a morte medicamente assistida - "sofrimento físico, psicológico e espiritual" - gerou uma "intolerável incerteza" pela sua "sintaxe irremediavelmente ambígua". Ou seja, na perspetiva de sete dos 13 juízes do TC, não está claro se a morte medicamente assistida pode ser aplicada a quem sofra de uma daquelas três condições ou apenas a quem sofra das três em conjunto.

Assim, Marcelo Rebelo de Sousa devolveu o documento aos partidos proponentes do decreto, que se disponibilizaram para reformular o texto. "Se se trata de corrigir uma palavra, cá estamos para o fazer em conjunto com todos os outros partidos que contribuem para este texto comum", frisou a deputada socialista Isabel Moreira, numa reação à decisão do TC.

Nesta fase, os proponentes devem apresentar o decreto, com a reformulação que entendem que expurga as inconstitucionalidades apontadas no acórdão a plenário para envio posterior para o Presidente da República. Ora, nos casos em que o Presidente da República exerce o direito de veto, o parlamento só pode fazer uma nova apreciação do diploma "a partir do 15.º dia posterior ao da receção da mensagem fundamentada pelo Presidente da Assembleia da República, por sua iniciativa ou de um décimo dos deputados", conforme estabelecido no artigo 160.º do regimento do parlamento.

Apesar desse prazo já ter sido ultrapassado, os partidos proponentes do decreto confirmaram à CNN Portugal que ainda não há data para a reapreciação do diploma, e não quiseram comprometer-se sobre a duração deste processo.

Contactos, informações e apoios

Para informações, ajudas, contactos consulte o site da Campanha Nacional de Prevenção do Suicídio em prevenirsuicidio.pt.

Linhas de apoio:

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15:30 – 0:30

213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660

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