"Dificilmente vai acontecer alguma surpresa": lei da eutanásia prepara-se para ser aprovada na especialidade

7 dez 2022, 07:00
Votação final global do Orçamento do Estado para 2023 (Lusa/Tiago Petinga)

Depois de quinze projetos de lei, 48 audições e 42 pareceres, a lei que legaliza a morte medicamente assistida está cada vez mais próxima de ser promulgada

O debate sobre a eutanásia dura há pelo menos 25 anos em Portugal e já toma espaço na agenda mediática há três legislaturas, mas a expectativa dos partidos que apoiam a legalização da morte medicamente assistida é que a questão seja resolvida já nos próximos tempos. “Considerando o histórico, esta lei será aprovada, porque já não é um projeto de lei individual, é um texto de substituição conjunto que tem o consenso mais amplo possível”, afirma fonte oficial do Partido Socialista à CNN Portugal.

Para que a lei seja aprovada, contudo, ainda faltam dar alguns passos. Um deles decorre já esta quarta-feira com a votação na especialidade do texto de substituição elaborado após o segundo veto do Presidente da República. Em causa, está um documento feito com base nos projetos de lei do PS, Iniciativa Liberal, BE e PAN que foi fechado no dia 13 de outubro no grupo de trabalho sobre a morte medicamente assistida e que estabelece agora um prazo mínimo de dois meses para a sua concretização e a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico.

A votação na especialidade foi adiada três vezes, duas por iniciativa do Chega e uma do Partido Socialista, mas esta quarta-feira, com uma maioria clara disponível para aprovar o documento (com votos a favor do PS, IL, BE, PAN e Livre), o diploma deve seguir para plenário na sexta-feira.

“Esta quarta-feira, o documento será aprovado (na especialidade), já não há qualquer hipótese de adiamento”, afirma Isabel Moreira, deputada do PS, à CNN Portugal, explicando que a lei prevê um limite máximo de três adiamentos. Isabel Moreira reitera ainda que a proposta da realização de um referendo pelo PSD “não atrasa em nada os tempos definidos”.  “A expectativa é que a lei seja aprovada e que siga depois para o Presidente da República”, afirma por sua vez fonte oficial do PS, reiterando que “dificilmente pode acontecer uma surpresa”. 

Paralelamente, a conferência de líderes parlamentares vai reunir-se extraordinariamente também esta quarta-feira para discutir o projeto de referendo do PSD.

Quando o documento chegar a Belém, Marcelo pode promulgá-lo ou exercer novamente um veto, sugerindo recomendações à Assembleia da República. No entanto, como apontou Catarina Martins esta semana, existe uma maioria no Parlamento suficientemente grande para anular o veto do Presidente da República.

Ou seja, mesmo exercendo o seu direito de veto, Marcelo pode ser obrigado a aprovar o diploma se para tal existir uma maioria reforçada no Parlamento. “Não há nenhuma razão para que não haja uma lei [sobre a eutanásia]”, frisou a coordenadora do Bloco de Esquerda.

Mas mesmo que haja uma maioria de deputados a favor da legalização da eutanásia, o tema está longe de reunir consenso. Que o diga Luís Montenegro, presidente do PSD, que, de fora do Parlamento, pediu que o maior grupo parlamentar da oposição desse entrada de um projeto de resolução para a realização de um referendo à eutanásia, levando a que, se for aceite, fique em suspenso a votação do novo diploma até à consulta popular.

A proposta de um referendo seria a segunda a ser debatida no Parlamento. A primeira foi apresentada pelo Chega e chumbada a 9 de junho, quando Rui Rio - assumidamente a favor da legalização da eutanásia - ainda era presidente do PSD. Ora, perante a nova proposta, o PS foi rápido a acusar o PSD de realizar uma “pirueta política” e de se colar ao Chega.

A propósito disto, Luís Montenegro afirmou que há pelo menos 10 anos que defende um referendo à eutanásia e acusou os “franco-atiradores” socialistas de enveredarem por “argumentos pueris”. “Não estão a enobrecer a política”.

Já Isabel Moreira questiona o silêncio do atual presidente dos sociais-democratas sobre o assunto até ao momento e sublinha que a proposta de um referendo “é uma manobra política evidente de última hora”.

Por outro lado, o deputado do PSD Hugo Soares afirma à CNN Portugal que depois de quinze projetos de lei, 48 audições, 42 pareceres e uma decisão a nível parlamentar, “agora é o tempo de perguntarmos a opinião dos portugueses sobre a matéria”.

O próprio Luís Montenegro, acrescenta Hugo Soares, “tem manifestamente dúvidas do ponto de vista do foro pessoal” sobre esta matéria e, depois de ter ouvido os argumentos a favor e contra durante a comissão política do PSD, “quer perguntar a opinião à sociedade portuguesa”.

Com uma maioria absoluta do Partido Socialista, é pouco provável que hipótese de um referendo levantada pelo PSD passe, mas ainda assim “há muita esperança”, diz Isilda Pegado, presidente da Federação Portuguesa Pela Vida (FPV), uma das principais promotoras da iniciativa popular de referendo sobre o tema em 2020, que acabou por ser chumbada pela esquerda, pelo PAN e por 9 deputados sociais-democratas. Na altura, só o CDS-PP, a Iniciativa Liberal e os restantes deputados do PSD votaram a favor - André Ventura não participou na votação nem no debate.

“O PSD, que neste momento é o maior partido da oposição, está a pedir um referendo, que está intimamente ligado à iniciativa popular, pelo que tenho grande expectativa em relação àquilo que se vai passar no Parlamento”, acrescenta Isilda Pegado, sublinhando que mesmo que seja “provável”, a “lei nasce com a sua legitimidade ferida”. “Da nossa parte, mesmo se a lei for aprovada, vamos continuar a fazer um esclarecimento das pessoas e a trabalhar a objeção de consciência”, conclui.

5 perguntas e respostas sobre a eutanásia
 

A eutanásia é crime em Portugal?
Ainda que a morte medicamente assistida não esteja tipificada com esse nome, ela é punida no Código Penal através de três artigos, homicídio privilegiado (artigo 133.º), homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º) e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio. As penas variam entre um a cinco anos de prisão para o homicídio privilegiado, até três anos para homicídio a pedido da vítima e de dois a oito anos para o crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.

Em que países pode ser praticada a eutanásia?
Na Europa, a Eutanásia não é crime nos Países Baixos, na Bélgica, no Luxemburgo e em Espanha. Nos Estados Unidos, a prática só está regulamentada nos estados de Oregon, Vermont, Califórnia, Washington e Montana. No continente americano, a eutanásia é possível também no Canadá, Uruguai e Colômbia. Na Austrália, no Estado de Vitória, também já é possível a eutanásia, e na Nova Zelândia vai haver um referendo este ano.

O que dizem os projetos do PS, BE, IL e PAN?
Os projetos estabelecem que a morte medicamente assistida tem de ocorrer "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável". Mas há distinções entre eles: PS, Bloco e Iniciativa Liberal propõem a eutanásia em situações de "lesão definitiva de gravidade extrema" ou "doença grave e incurável". Quanto a este último critério, o PAN estabelece a exigência de "doença grave ou incurável".

Após o veto feito por Marcelo Rebelo de Sousa, todos os partidos retiraram a exigência de "doença fatal" como critério para a despenalização da morte medicamente assistida face ao último texto final, que foi aprovado pelo parlamento em novembro do ano passado.

Podem os médicos alegar a objeção de consciência?
Sim, sendo que a recusa deve ser fundamentada e comunicada ao doente em prazo "não superior a 24 horas". No caso do projeto da IL, o médico não tem que justificar os motivos da sua objeção.

Em que condições pode o doente pedir a interrupção do processo?
Os quatro projetos preveem que o processo para a morte medicamente assistida é interrompido se quem o pediu ficar, entretanto, inconsciente. É também garantido que a "decisão do doente em qualquer fase do procedimento clínico de antecipação da morte é estritamente pessoal e indelegável".

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