Atenções viram-se para a Suíça, mais propriamente para Basileia, onde os Napa vão tentar algo que todos dizem ser muito difícil
Gostou do conclave papal pela sua dimensão política, pelos seus chapéus vistosos e pelo seu foco geral na paz e no amor, mas deu por si a pensar: “Em vez de escolherem um papa, gostava que estes cardeais vestissem uns fatos de pele de chita e dançassem sugestivamente numa bola de exercício, num apelo degradante ao meu voto.”
Pedimos-lhe, então, que fixe a sua atenção em Basileia, na Suíça, onde o fumo com as cores do arco-íris confirma que o Festival Eurovisão está de volta, depois de uma ausência demasiado longa de 12 meses.
A Eurovisão é uma competição eterna e controversa. É ridícula, como os fãs mais experientes poderão atestar. É também cheia de coração e uma montra de talentos de cortar a respiração. E é longo. É extremamente longo. Vinte e seis países vão competir numa grande final de quatro horas, um dos eventos mais marcantes do calendário cultural LGBTQ+.
É claro que não podíamos pedir-lhe que tentasse fazer este caminho sozinho. Por isso, o vosso intrépido repórter - que cobre a Eurovisão pelo sétimo ano - elaborou esta classificação totalmente subjetiva de todas as performances que subiram ao palco para a final. E temos a ajuda do vencedor do ano passado, Nemo, que ganhou o ouro com a sua pop-opera “The Code”.
A seleção deste ano está absolutamente cheia de sexo, energia, sexo, baladas emocionais e sexo. “É um ano muito excitante”, descreve Nemo. “Adoro ver isso”, confessa.
Vamos a isso.
26. Arménia: PARG, “Survivor”
Se os Imagine Dragons são a sua ideia de rock arrojado, vai achar que os PARG são apenas um pouco chatos. PARG (e pedimos desculpa por gritar, mas ele insiste em usar todas as letras maiúsculas) passa a maior parte desta atuação em topless numa passadeira, principalmente a cores, mas por vezes - DRAMATICAMENTE - a preto e branco. Ele é, tecnicamente, um homem muito bonito, mas há algo de vagamente gerado por IA em toda a sua estética; se um estado desonesto financiasse um grande modelo de linguagem e encarregasse Patrick Bateman do seu desenvolvimento, PARG seria selecionado como o exemplo mais puro de um homem adulto humano. A canção é terrível, já agora.
25. San Marino: Gabry Ponte, “Tutta L'Italia”
Apenas 33 mil pessoas vivem em San Marino, pelo que os adultos que estão suficientemente em forma para rodar as ancas de uma forma sedutora têm sempre grandes probabilidades de serem recrutados. Mas, geralmente, a nação vai pedir ajuda aos seus vizinhos italianos. “Partilhamos muita arte e cultura”, aponta à CNN Gabry Ponte, um italiano.
E, senhoras e senhores, temos um campeão de vendas entre nós. Lembram-se do sucesso irritantemente viciante de 1998, “Blue (Da Ba Dee)”? Era este gajo! Gabry Ponte, outrora da banda Eiffel 65, regressa apenas 27 anos depois com “Tutta L'Italia”, que fala - de forma nada redutora - sobre “esparguete, vinho, Pai Nosso e a Mona Lisa”.
24. Reino Unido: Remember Monday, “What The Hell Just Happened?”
Lamento informar-vos que os britânicos, mais uma vez, têm esperança. Nenhuma quantidade de rejeição impiedosa a pode esmagar. E aqui estão as boas notícias: o Reino Unido tem tendência para selecionar concorrentes com problemas de melodia, mas estas jovens sabem cantar.
O problema? É uma canção horrível. A encenação é inexplicavelmente aborrecida. O refrão, que muda de ritmo, torna-se rapidamente cansativo. Tematicamente, tudo está preso em 2013, dissecando insípidamente uma festa como no primeiro pop de ressaca de Kesha e Katy Perry. Mas os tempos mudaram. Kesha agora faz um art-pop poderoso e aclamado pela crítica. Perry é uma autoproclamada autoridade em astrologia, astronomia e estrelas.
Esta canção é uma cópia preguiçosa de uma era passada que não trata os fãs da Eurovisão com o respeito que merecem. O desastre está à espreita para o Reino Unido; só que ainda não se aperceberam disso.
23. Portugal: Napa, “Deslocado”
Hoje em dia, nenhuma eleição passa sem controvérsia, e o sucesso de Portugal na semi-final deixou até os fãs mais experientes da Eurovisão perplexos. Esta canção é perfeitamente agradável - não estaria de fora da sua lista de reprodução de domingo de manhã - mas não há nada na encenação que a eleve.
22. Lituânia: Katarsis, “Tavo Akys”
“As fundações de tudo já começaram a apodrecer”, grita o vocalista dos Katarsis. “Os teus olhos veem a dor.” É taciturno. É um pouco aborrecido. Katarsis está claramente a trabalhar em alguma coisa, e isso é ótimo, mas se a Eurovisão é uma festa, ele é o concorrente com quem não se quer meter conversa.
21. Alemanha: Abor & Tynna, “Baller”
A Alemanha não vai ganhar a Eurovisão, mas ganha o cobiçado prémio da CNN para a pior letra da competição. “Eu faço buracos na noite; as estrelas caem e batem no meu telhado”, cantam Abor & Tynna - uma dupla de irmãos - sem sentido. “Silhuetas de giz no passeio; Uma cena de crime entre nós, como no 'CSI'.” Musicalmente, este é um banger sorrateiro, mas a atuação ao vivo não o eleva.
20. Israel: Yuval Raphael, “New Day Will Rise”
A maior dor de cabeça para a organização é, mais uma vez, a participação de Israel, que tem a oposição de segmentos da base de fãs por causa da guerra contra o Hamas em Gaza. Yuval Raphael sobreviveu ao ataque do grupo militante no festival de música Nova, a 07 de outubro de 2023. Yuval Raphael canta numa arena onde estão hasteadas bandeiras palestinianas, após uma alteração das regras da União Europeia de Radiodifusão (UER); a organização espera que a atuação decorra sem incidentes. Esta é a segunda balada israelita consecutiva que faz referência implícita aos ataques do Hamas, mas, a nível musical, é a mais fraca das duas.
19. Espanha: Melody, “Esa Diva”.
Os chamados Big Five - Reino Unido, Espanha, Alemanha, França e Itália - qualificam-se automaticamente para a final graças às suas contribuições financeiras para a UER. Mas se o dinheiro pode comprar acesso, não garante pontos. A encenação de Melody é fabulosa, e esta canção é uma confusão atrevida e caótica (isto é um elogio), mas é difícil ver um júri ou um televoto a cair nesta. Diva em baixo.
18. Islândia: VÆB, “Róa”
A dupla futurista de “shout-pop” VÆB traz energia - potencialmente demasiada energia - e será provavelmente utilizada pelos produtores para sacudir os telespectadores de um sono induzido por uma balada. Mas é aí que termina a sua utilização.
17. Noruega: Kyle Alessandro, “Lighter”
Kyle Alessandro, de 19 anos, é um artista enérgico. Mas as letras parecem ter sido passadas pelo Google Translate 16 vezes, o que é um feito e tanto, dado que ele está a cantar em inglês.
16. Polónia: Justyna Steczkowska, “GAJA”
Justyna Steczkowska regressa à Eurovisão 30 anos depois de ter representado a Polónia pela primeira vez, e a sua atuação é fascinante; ela balança sobre o palco, faz uma série de movimentos exigentes e até (finge) tocar violino. Mas a nível vocal, é um pouco gritante.
15. Letónia: Tautumeitas, “Bur Man Laimi”
Há duas tendências extremamente positivas que se destacam no edição da Eurovisão deste ano: a já referida sensualidade e o grande número de canções cantadas e inspiradas nas línguas e culturas nacionais. Este ano, há menos canções em inglês; as baladas monótonas carregadas de metáforas desajeitadas ainda existem, mas são mais difíceis de encontrar. Em vez disso, temos coisas interessantes como esta: um grupo etno-pop de seis mulheres inspirado em contos de fadas que funde imagens folclóricas da Letónia com um canto etéreo e uma rotina de dança impecavelmente ensaiada. É ousado e - honestidade total - não vai funcionar para toda a gente. Mas é exatamente o que a Eurovisão deveria ser.
14. Grécia: Klavdia, “Asteromáta”
Uma balada assombrosa sobre o preço emocional da deslocação, que precisa de ser ouvida algumas vezes para ser verdadeiramente apreciada. É ambiciosa e pessoal, e os vocais de Klavdia são de primeira qualidade.
13. Países Baixos: Claude: “C'est La Vie”
Se Claude conseguir subir ao palco, já terá ultrapassado o participante neerlandês do ano passado, Joost, que foi desqualificado momentos antes do espetáculo após uma altercação, cujos pormenores permanecem envoltos em mistério. Saltar entre o inglês e o francês é um pouco uma jogada de despiste para os júris, mas este refrão é mais agradável e é cantado de forma impecável.
12. Ucrânia: Ziferblat, “Bird of Pray”
A Ucrânia destaca-se na Eurovisão como ninguém. Esta canção é arrojada - talvez seja a entrada mais difícil de definir musicalmente. Os figurinos são de puro glam rock, mas até disruptivos; as melodias andam à roda e nunca acabam exatamente onde se espera. É um gosto adquirido, mas Nemo gosta dele: “Uma das canções mais interessantes musicalmente - é muito ousada, arrojada, mas bonita.”
11. Estónia: Tommy Cash, “Espresso Macchiato”
“No stresso, no stresso, no need to be depresso”, diz-nos Tommy Cash com uma frivolidade irritante num espetáculo de artifício que caricatura a cultura italiana do café. A canção causou um breve incidente diplomático, como acontece frequentemente com as participações na Eurovisão, com algumas pessoas em Itália a irritarem-se com os estereótipos preguiçosos apresentados. Mas Tommy insiste que o que está a ouvir é “sobretudo amor” e que cerca de “0,2%” dos italianos se sentem ofendidos (não partilhou a sua metodologia). “Nunca me sinto depresso”, diz à CNN. Mas admite que “por vezes, posso ficar stresso”. Não vai querer gostar desta canção, mas provavelmente vai.
10. Malta: Miriana Conte, “Serving”
Esta canção chamava-se “Kant”, até que a UER - aparentemente não fã da teoria do idealismo transcendental do filósofo alemão - a obrigou a mudar. De qualquer forma, os leitores da Geração Z conhecem o calão a que Miriana Conte se refere e ela faz jus à expressão, pavoneando-se no palco numa nuvem furiosa de ‘girlbossery’ e mergulhando em acrobacias vocais impressionantes, ao estilo de Ariana Grande. O arranjo é muito 2015, e é tudo um pouco exagerado, mas funciona. “Ela tem uma aura incrível”, observa Nemo. “Ela é dona de tudo.”
9. Dinamarca: Sissal, “Hallucination”
O longo pesadelo nacional da Dinamarca chegou ao fim. A mais longa ausência da final da competição (a última vez que se qualificaram foi em 2019) foi quebrada por uma balada fabulosa, épica e arrasadora que merece muito mais amor do que está a receber. É boa com auscultadores, mas é muito melhor ao vivo.
8. Suécia: KAJ, “Bara Bada Bastu”
A Suécia é a eterna potência da Eurovisão; este ano, é representada por um trio finlandês que tomou de assalto o processo de qualificação no país vizinho. “We're gonna sauna, sauna, steam it up”, cantam os KAJ num cenário de sauna gigante. E não se trata de uma encenação - estes rapazes adoram mesmo a sauna. “É ótimo para a saúde mental, para a saúde física e é uma ótima forma de fazer amigos”, diz Jakob Norrgård à CNN. “Faço parte de uma comunidade de sauna”, acrescenta Axel Åhman. “Conhecemos todo o tipo de pessoas”.
Esta canção é a favorita e foi apoiada pelo presidente da Finlândia - o que é estranho, uma vez que o país tem o seu próprio concorrente. É inegavelmente cativante, mas não a podemos colocar no mesmo pedestal que os anteriores vencedores suecos, como os ABBA e Loreen.
Pelo menos, tem uma mensagem séria de saúde pública. “Toda a gente é bem-vinda na nossa sauna. Podemos ficar lá dentro durante horas, se for uma competição”, diz Norrgård, antes de o seu tom se tornar mortalmente sério. “Mas nunca se deve competir na sauna. É uma má ideia.”
7. Luxemburgo: Laura Thorn, “La Poupée Monte Le Son”
Uma reviravolta divertida e muito subestimada . Esta faixa de Laura Thorn (intitulada “A Boneca Aumenta o Som”, em português) é uma resposta divertida à canção luxemburguesa vencedora da Eurovisão em 1965, “Wax doll, rag doll”, retomando a energia que faltava na letra que France Gall apresentou há seis décadas. Seria um crime se esta canção não fosse bem sucedida.
6. Itália: Lucio Corsi, “Volevo Essere Un Duro”
Se Lucio Corsi estivesse a representar uma nação menos chique, presumiríamos que teria respondido ao verão suíço com uma aplicação excessiva de protetor solar. Mas ele é italiano, por isso estamos inclinados a pensar que o seu visual é um aceno a um palhaço de pantomima Pierrot, à la David Bowie da era “Ashes to Ashes”. De qualquer forma, é uma bela canção (intitulada “Eu Queria ser Forte, em português), que aborda temas de masculinidade e autoimagem - e é a favorita de Nemo. “Não percebo porque é que as pessoas ainda não a percebem”, dizem à CNN. “Toca-me mesmo muito.”
5. França: Louane, “Maman”
O diabo trabalha muito, mas os publicistas da Eurovisão trabalham ainda mais. De acordo com a biografia distribuída aos membros da comunicação social, ficamos a saber que Louane “é considerada mais do que uma simples artista: foi considerada uma ponte entre o pessoal e o universal”. Quem é que lhe chamou isso? Terá saído naturalmente, depois de uns copos de cerveja? O que é que isso significa?
O que importa é que França voltou a encontrar uma joia, com uma balada comovente dedicada à falecida mãe de Louane. A nação tem flertado com o sucesso da Eurovisão com participações recentes como “Voilà”, “Mon amour”, “J'ai cherché” e “Mercy” (já percebemos, França, és francesa). Esta pode ser a melhor de todas.
4. Suíça: Zoë Më, “Voyage”
Os países nunca ganham duas vezes seguidas, o que é uma pena, porque este é impressionante. Uma balada suave de uma estrela nascida em Basileia - maravilhosamente cantada e cinematograficamente filmada - que se destacará entre os seus caóticos concorrentes. “A essência de 'Voyage' é sobre espalhar a bondade”, explica Zoë Më à CNN. “Acredito mesmo na canção.” “É tão emocionalmente cativante”, acrescenta Nemo.
3. Finlândia: Erika Vikman, “Ich Komme”
Se o título da canção de Erika Vikman, “Ich Komme” - que em alemão significa “estou a chegar” -, não explica os temas em jogo, ela está disponível para explicar. “A canção é literalmente sobre um orgasmo”, explica Vikman à CNN. O que é que estão a pôr na água em Basileia?
O poder, a sexualidade, a emancipação e a expressão femininas são explorados neste número impetuoso e turbulento. Um microfone gigante com pirotecnia transmite a mensagem para casa.
2. Áustria: JJ, “Wasted Love”
O JJ, com formação clássica, tem uns acordes vocais de ópera deslumbrantes e a canção joga com os seus pontos fortes, atingindo o clímax numa cacofonia verdadeiramente emocionante. “Tive um ano muito difícil e quis escrever sobre a minha experiência pessoal com amor desperdiçado e não correspondido”, diz-nos. É a melhor canção do concurso.
Mas aqui está o problema: a Eurovisão detesta qualquer tipo de mimetismo, e esta canção é demasiado parecida com “The Code”. Pode ser que ainda fique em primeiro lugar, mas os vencedores consecutivos raramente são tão parecidos. Nemo, por seu lado, é diplomático: “Acho que é muito bom que os artistas da Eurovisão continuem a inspirar-se uns aos outros.”
1. Albânia: Shkodra Elektronike, “Zjerm”
Um senhor careca e intenso e uma cantora que parece ter entrado num culto - ou dois - formam o par mais improvável da Eurovisão.
Cantam sobre um oásis - “Não há ambulâncias na rua, ninguém fala de forma arrogante” - claramente alheios às despedidas de solteiro britânicas que assolam Tirana, a capital da Albânia.
E eles devem ser grandes fãs da Eurovisão, certo? “Não, de todo”, diz Beatrize Gjergji à CNN. “Não é o nosso género de música”, confessa.
Francamente, a sua ambivalência é uma mais-valia: não há mais nada como esta atuação e, por isso, estão a receber o merecido burburinho dos fãs. “Se acreditarmos no tipo de música que amamos, talvez algo possa acontecer”, diz Gjergji.