“O mundo acelera, os blocos reorganizam-se, os riscos escalam. E a pergunta impõe-se: para que serve, afinal, este Conselho Europeu? Para que serve esta Europa?”
Hoje, em Bruxelas, reúne-se mais um Conselho Europeu. Um ritual de diplomacia interna que deveria servir para projectar a Europa no mundo — mas que, cada vez mais, apenas expõe as suas fragilidades. O momento é simbólico. O Conselho decorre imediatamente após a Cimeira da NATO, onde Donald Trump, já reinstalado como o líder quase supremo dos Estados Unidos, ditou as regras com a agressividade de quem sabe que a Europa já não tem alternativas, nem defesas.
Trump não sugeriu. Ordenou. E os europeus disseram amém, menos a Espanha que terá uma resposta comercial muito pesada.
O regresso de Trump à Casa Branca representa uma quebra estratégica para o continente. O Artigo 5.º da NATO passou de cláusula de defesa mútua a chantagem negocial e comercial. Quem compra Americano merece proteção. O novo modelo de “segurança por catálogo” exige que os aliados europeus comprem armamento americano, aumentem brutalmente o seu investimento em defesa — e, de preferência, sem fazer muitas perguntas. A proposta dos 5% do PIB em gastos militares — imposta como critério de pertença — não é apenas irrealista: é um atentado à soberania orçamental de muitos países. Mas quem disse não? Ninguém (só a Espanha). Porque ninguém lidera.
O novo chanceler alemão, Friedrich Merz, teve aqui a sua primeira grande prova internacional. E falhou. Apresentou-se como herdeiro da linha dura, defensor de uma nova autoridade europeia. Mas o que se viu em Washington foi hesitação, subserviência e ausência de qualquer proposta estruturante para reequilibrar o papel da Europa numa aliança que está a ser desfigurada.
A entrada em falso de Merz mostra bem o que falta à Europa: um projecto político coerente, uma visão partilhada da sua própria arquitectura estratégica, e sobretudo, a coragem de dizer ao mundo que existe. E que tem limites.
Enquanto isso, no Conselho Europeu de hoje, espera-se mais do mesmo: promessas de coordenação, comunicados consensuais, compromissos mínimos. Mas digam-nos: para que serve mais uma reunião? Qual é o futuro europeu que ali se desenha?
A arquitectura institucional da UE, com a sua fragmentação de competências, vetos e interesses nacionais, tornou-se uma prisão burocrática. A Comissão Europeia perdeu força e credibilidade. O Parlamento pouco pode fazer. E o Conselho, onde estão sentados os verdadeiros decisores, funciona como um clube de Estados fatigados, que preferem adiar o colapso a enfrentá-lo.
O caso de Israel é o exemplo mais recente — e mais vergonhoso. A União Europeia tem com Israel um Acordo de Associação que exige respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos. Mas após os bombardeamentos indiscriminados em Gaza, a resposta foi o silêncio. Nenhuma sanção. Nenhuma suspensão de cooperação. Nenhuma medida simbólica que demonstrasse que os tratados têm consequência. A Europa, que um dia se dizia farol dos valores, hoje tem medo da própria sombra.
A sua política externa resume-se a notas de preocupação e promessas de diálogo. A sua política de defesa está a ser desenhada em Washington. A sua política económica continua dependente de choques exógenos e da vontade do Banco Central Europeu. E a sua coesão interna está minada por governos como o de Viktor Orbán, que bloqueia tudo o que não lhe convém, e por uma subida incontrolável da extrema-direita em convulsão permanente que já não sabe se quer ser Europeia neste modelo.
Neste contexto, o Conselho Europeu deveria servir para responder com clareza. Mas a única coisa clara é que ninguém sabe o que fazer. A Europa está a ser arrastada por forças que não controla, com líderes que não inspiram, e com uma juventude cada vez mais desencantada com a ideia europeia.
A história exige escolhas. Mas a Europa continua a adiar as suas. O mundo acelera, os blocos reorganizam-se, os riscos escalam. E a pergunta impõe-se: para que serve, afinal, este Conselho Europeu? Para que serve esta Europa?
Sem respostas, ficamos com mais uma fotografia de família. E com a amarga certeza de que a Europa já não está apenas à margem das decisões. Está perigosamente à margem da história.