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Comentador da CNN Portugal

E os Taurus, pá?

2 jul, 08:04

“A Europa gosta de jogar à roleta diplomática com Moscovo, mas estremece sempre antes de puxar o gatilho.”

A Europa parece viver num eterno “Caça ao Outubro Vermelho”, a deslizar silenciosa e invisível sob as ondas da diplomacia enquanto decide se lança ou não os torpedos. Quer mostrar firmeza sem provocar, ameaçar sem escalar, ajudar sem realmente garantir vitória. É este o dilema que paralisa Berlim no debate sobre enviar os mísseis Taurus KEPD‑350 para a Ucrânia — uma arma que poderia reconfigurar o conflito e forçar Moscovo a sentar-se à mesa com outro respeito e com menos linhas vermelhas.

Mas a Europa gosta de jogar à roleta diplomática com Moscovo, estremece sempre antes de puxar o gatilho. A cada ameaça de escalada falta-lhe o sangue-frio para manter o olhar fixo no adversário — e é por isso que depois não se senta à mesa dos adultos da política.

Há semanas que Berlim debate — ou finge debater — se envia ou não essa arma que poderia, sem qualquer exagero, mudar a geometria do conflito: com alcance para desorganizar em profundidade a retaguarda russa na Crimeia e ao longo da frente sul, obrigando Moscovo a rever o custo real desta guerra.

E, no entanto, a Alemanha hesita.

Há sempre “razões técnicas” — não são desculpas, são dificuldades reais: o vector de lançamento, seja o F‑16 ou o Mirage, exige adaptações. O treino leva meses. A transferência de know‑how implica decisões políticas. Mas, no fundo, o que trava tudo é o medo de escalar, de ofender Moscovo, de dar a Kiev uma arma verdadeiramente estratégica. A política alemã vive de atrasos sucessivos — já desde o tempo do ex-chanceler Olaf Scholz e agora com Merz — que impediram a Ucrânia de ter, no momento decisivo, um instrumento-chave para a próxima fase da guerra.

Curiosamente, enquanto se discute isto em Berlim, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Johann Wadephul, foi a Kiev nos últimos dias — e com isso reavivou (ao menos simbolicamente) a presença europeia na capital ucraniana. Lá, reafirmou o apoio alemão e prometeu continuar a “lutar pelo futuro europeu da Ucrânia”, ao mesmo tempo que, no Conselho Europeu, há quem diga que jamais apoiará a entrada da Ucrânia. São palavras importantes — mas sem Taurus ou armas de ataque de longo alcance são também limitadas. Porque o impacto militar real continua aquém do necessário para inverter a situação no terreno.

A visita é importante politicamente. Berlim tenta corrigir a imagem de hesitação crónica e mostrar liderança europeia num momento em que muitos na UE estão, discretamente, a cansar-se da guerra. Mas a questão dos Taurus permanece o verdadeiro teste de credibilidade. O próprio chanceler Friedrich Merz admitiu publicamente que o envio “continua a ser uma opção”, mas que ainda não há acordo com Zelensky e, por isso, nem sequer começou o treino que levaria meses.

A verdade nua e crua é que a Europa continua dividida, lenta e, muitas vezes, cínica. Enquanto isso, Moscovo joga com o tempo.

Há poucos dias, Vladimir Putin disse publicamente que estava disposto a negociar um cessar‑fogo e um acordo de paz. Não houve grandes reacções na Europa — nem sequer de Merz. Foi uma oportunidade perdida para marcar posição. Mesmo sabendo que as propostas de Putin são quase sempre armadilhas diplomáticas, teria sido uma ocasião para mostrar que a Europa não tem medo de colocar Moscovo sob escrutínio público — e para demonstrar liderança. Mas preferiu-se o silêncio.

Em vez disso, a União Europeia faz o que tem feito nos últimos anos: conversa muito, decide pouco e gasta milhões. Basta ver as sanções. O 18.º pacote acabou por ficar pelo caminho, travado pela Hungria de Orbán e pela Eslováquia de Fico — velhos amigos de Moscovo. O que foi aprovado foi apenas a renovação das medidas existentes. Política do mínimo denominador comum.

E se olharmos para o mapa político europeu, há mais más notícias. Em breve, a Polónia terá ter um presidente menos entusiasta do apoio à Ucrânia. Haverá eleições na Roménia, com partidos pró‑russos em ascensão. E em Espanha, continuam a comprar gás russo, apesar dos discursos sobre liberdade europeia.

É tudo bonito no papel — o apoio à Ucrânia — mas a realpolitik caseira fala muito mais alto.

E depois há Macron. O eterno bon vivant que passou três anos sem trocar uma palavra com Putin e ontem lá quebrou o silêncio — falaram finalmente e até ficaram de voltar a conversar. A França que oscila entre proclamar liderança e praticar o imobilismo mais polido.

No fundo, o drama europeu é este: não temos meios autónomos (militares), não temos a mesma vontade política comum (os 27), não temos coragem para decisões duras. Falamos muito sobre autonomia estratégica — mas somos dependentes dos EUA para armas, inteligência e acção. E mesmo quando podíamos brindar com um gesto claro — como enviar os Taurus — preferimos esperar.

Seria uma arma capaz de obrigar Moscovo a pensar duas vezes. Não resolveria a guerra, mas daria a Kiev margem de negociação com força. Daria também à Europa um papel real na segurança do continente.

Em vez disso, há sempre razões para adiar. Técnicas, políticas, diplomáticas.

Num dia, Putin telefona a Macron em tom conciliatório, poucos dias depois de lançar o maior ataque em solo ucraniano — noutro, a Alemanha hesita até em autorizar o treino para os Taurus e assim vamos sem mudar nada.

A diplomacia precisa de alavancas. As armas fazem parte delas. Talvez esteja na altura de a Europa se comportar como um actor adulto e assumir o risco de dar à Ucrânia os meios para forçar uma negociação séria.

Se não queremos combater ao lado de Kiev, ao menos ajudemo-la a não perder.

E, para isso, os Taurus não são apenas um detalhe. São o teste decisivo da nossa vontade política.

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