Oyarzabal licenciou-se enquanto já era jogador profissional, faz da inteligência a sua maior arma e só conhece um clube em toda a carreira profissional: a Real Sociedad da sua infância
Mikel Oyarzabal é daqueles casos cada vez mais raros no futebol mundial: um homem de um clube só, dedicado às causas que ama, estudioso e inteligente, que não deixou corromper-se pelo jogo e, mesmo já sendo profissional, continuou a estudar.
Por isso licenciou-se entre os treinos da Real Sociedad, clube do qual se tornou um símbolo. Ele que rejeitou todas as hipóteses para sair, mesmo que isso tenha significado apenas um título conquistado no Anoeta: a Taça do Rei.
Discreto nas redes sociais e nas intervenções públicas, é casado com Ainhoa Larrauri, com quem tem um relacionamento desde 2014. É pai de um menino, chamado Martín, de um ano de idade.
Para além disso, tem sido um amuleto para a seleção espanhola, tantas vezes conotada com os valores de centralismo que indignam regiões como o seu amado País Basco.
Aliás, não deixa de ser curioso que a Real Sociedad tenha sido o clube mais representado na convocatória de Luis de la Fuente para o Euro 2024: cedeu cinco jogadores à equipa campeã europeia. Algo que Oyarzabal descreveu como um «orgulho», sem esquecer os colegas do Athletic Bilbao: «Um lugar tão pequeno como Euskadi [País Basco, na língua local] é tão bem representado.»
Mas nem todos pensam da mesma forma e as clivagens continuam presentes. Ainda nesta segunda-feira, depois da conquista do Euro, surgiram grafitis na terra-natal da mãe de Oyarzabal a chamá-lo de «traidor», bem como ao colega Mikel Merino.
Tornou-se ídolo precocemente em San Sebastián (sem esquecer os estudos)
É natural de Eibar, uma localidade com 27 mil habitantes mas que já teve, recentemente, uma equipa na La Liga. Antes do futebol, experimentou outras modalidades: judo ou natação, por exemplo.
Foi no CD Eibar que deu os primeiros passos no futebol, até aos 14 anos de idade. Nessa altura mudou-se para a Real Sociedad e começou uma caminhada que nunca mais parou. Numa altura em que Griezmann, Raul Tamudo ou Claudio Bravo estrelavam na equipa principal, Oyarzabal dava os primeiros passos na formação.
David Silva é o grande ídolo desportivo de Oyarzabal. Não admira – a estatura, o estilo de jogo e a inteligência em campo são em tudo similares nos dois jogadores. Já para não falar do facto de terem sido colegas de equipa, entre 2020 e 2023.
Oyarzabal já disse publicamente que prefere o campo à cidade, ilustrando a riqueza cultural e geográfica de uma Espanha que, no futebol, consegue ultrapassar as diferenças e ser uma grande potência mundial.
Conta com um curso superior em Ciências Empresariais, concluído pouco depois depois de ter ganho o Euro Sub-21, em 2019. Matriculou-se quando estava na equipa B da Real Sociedad e terminou-o mesmo já tendo um lugar cimentado na equipa principal.
Foi no já longínquo ano de 2015 que se estreou pela equipa principal dos txuriurdin. A 25 de outubro desse ano, numa vitória sobre o Levante por 4-0, o nome de Oyarzabal começou a ser familiar para os adeptos de Donostia.
Ao longo dessa época, de resto, o jovem de 18 anos foi ganhando a titularidade. Marcou ao Barcelona, acabou a temporada com seis golos e muita esperança depositada sobre si. Na época seguinte, 2016/17, afirmou-se como titular habitual da equipa, numa temporada em que a Real Sociedad se apurou para a Liga Europa.
Aos 21 anos, Oyarzabal herdou a camisola dez de Xabi Prieto, emblemático médio basco. Teve de esperar pelo primeiro título com a Real, que só chegou em 2021. A equipa basca ganhou então a Taça do Rei, numa conquista que não alcançava desde 1987. Oyarzabal foi o herói da equipa, ao fazer o único golo, de grande penalidade. Se já era um dos favoritos da massa adepta, ainda mais ficou.
Depois disso, falou-se da possibilidade de reforçar o Barcelona. No entanto, Oyarzabal foi claro: estava bem ali, ao pé de casa.
«Foram apenas rumores. Sempre estive focado na Real Sociedad e quero continuar a crescer como futebolista; Mas quero fazê-lo aqui e quero que o clube cresça comigo», rematou.
Hoje em dia, é capitão de equipa da Real Sociedad e conta com 97 golos e 46 assistências, em 344 jogos.
Ao deparar-se com estes números, o leitor dirá que são parcos para um avançado, mas isso tem uma explicação. Numa equipa caracterizada pela flexibilidade ofensiva, sob Imanol Alguacil, a capacidade de adaptação e entreajuda dos jogadores da Real Sociedad são quase obrigatórias (exemplos disso são os colegas Mikel Merino, Barrenetxea ou Zubimendi). Oyarzabal tem sabido transfigurar-se no campo, ao longo dos anos.
Na fase inicial da carreira, jogava mais frequentemente como médio-ofensivo, jogando também como extremo nas duas alas. Nas últimas temporadas, tem assumido o centro do ataque dos txuriurdin, sem que possa ser chamado de um verdadeiro ponta-de-lança. Destaca-se pela inteligência, mobilidade, capacidade técnica e de entrega ao jogo, um pouco a fazer lembrar o papel de Fàbregas na posição nove, naquela seleção espanhola de 2012 que foi campeã europeia pela última vez.
Foi quase ‘empurrado’ para jogar como avançado depois de uma lesão grave, em 2023, reinventando-se. «Desde a lesão, a equipa tem jogado em losango e as posições dos laterais que ocupávamos antes obrigam-nos a adaptarmo-nos a novas situações, mas estou sempre aberto a tudo o que o meu treinador me pedir, onde quer que jogue», afirmou em janeiro desse ano.
Grave lesão retirou-o do Mundial do Qatar
Mikel sofreu uma grave lesão em março de 2022. Foi uma das vítimas de uma recente ‘pandemia’ de ruturas de ligamentos cruzados, conotada muitas vezes com o crescente sobrecarregamento do calendário futebolístico. Atravessou longos meses de recuperação, mas conseguiu voltar ao melhor nível.
Em janeiro de 2023, 15 dias depois de regressar de lesão e ainda na condição de suplente, voltou a marcar dez meses depois do afastamento, de penálti, num dérbi contra o Athletic. Na flash interview, pôs a tónica na equipa, quando questionado sobre o golo: «Foi um dia muito bom, uma noite em que tudo correu bem, especialmente a vitória, o objetivo e o trabalho de toda a equipa para alcançar uma vitória que merecíamos e por isso estamos muito felizes.»
Pelo meio, perdeu o Mundial 2022, disputado em dezembro, no Qatar. Uma desilusão que seria recompensada um ano e meio depois. Agora, em julho de 2024, 'tocou o céu': «Tive a sorte de dar a vitória, quando passas por momentos complicados, dás mais valor a estar aqui e se tiveres a sorte de ajudar, como me tocou a mim, é muito bom», disse depois do jogo triunfante de Berlim.
Percurso crescente na Seleção como 'protegido' de Luis de la Fuente
A sua emergência precoce na Real Sociedad motivou uma ascensão rápida nas seleções nacionais de Espanha. Logo em 2016 estreou-se pela seleção A, pela mão de Vicente del Bosque, num jogo particular contra a Bósnia-Herzegovina. Entrou para o lugar de alguém bem conhecido pelos benfiquistas – Nolito.
Em 2017, com apenas 20 anos, Oyarzabal foi chamado por 'um tal' de Luis de la Fuente ao Euro Sub-21, em que La Roja perdeu na final. Aí, foi escolha secundária do atual selecionador A. Dois anos volvidos, foi uma das peças mais importantes da comitiva que se tornou campeã na categoria, juntamente com Fábian Ruiz, Dani Olmo, Mikel Merino ou Unai Simón.
Foi ganhando experiência de forma repartida entre a seleção sub-21 e a seleção A. Em 2021, marcou um golo na final da Liga das Nações, ganha pela França. No mesmo ano, participou no Euro 2020 (atrasado um ano devido à pandemia de covid-19) e disputou seis jogos. Um Europeu que não correu de feição aos espanhóis.
Pelo meio, em Tóquio, foi vice-campeão olímpico, novamente com Luis de la Fuente. Marcou de novo na final, diante do Brasil, estando perto de alcançar mais um triunfo com pela seleção espanhola. Ficava um amargo de boca, mas o melhor estaria para vir.
Agora, foi o homem decisivo do triunfo espanhol no Euro 2024, marcando o 2-1 final, diante da Inglaterra, apesar do estatuto de suplente. O seu nome fica marcado a letras douradas na história do futebol espanhol. «Mikel Oyarzabal é um jogador seguro. Temos ganhado tudo juntos. Ele não falha nunca, corresponde sempre», disse De la Fuente depois da erguer o troféu Henri Delaunay.
Tal como Marcelino Martínez, Jesus Pereda, Fernando Torres, David Silva (o ídolo), Jordi Alba, Juan Mata e Nico Williams, pertence ao restrito lote de espanhóis que marcaram em finais de Europeus.