A fórmula de Portugal 2016 acaba de morrer, longa vida à nova fórmula do IRS Jovem

14 jul, 23:54
Espanha

ESPANHA 2-1 INGLATERRA || A final chegou a parecer o Atletic Escaldes vs. Dudelange mas o golo de Nico deu início à salvação do jogo e até da própria Inglaterra (mais ou menos)

O IRS Jovem superou Portugal 2016: o melhor do Espanha-Inglaterra

por Germano Oliveira

 

Inglaterra é uma seleção que ofende a beleza do jogo e que despreza os ataques consecutivos, é uma equipa que subestima o risco e que negligencia a circulação de bola atraente, a Inglaterra de Southgate joga na expectativa em vez de mostrar a firmeza dos vencedores, é uma Inglaterra que aborrece, que irrita, que desilude: Inglaterra tem talento e inteligência para ser tão boa ou melhor que a campeã Espanha mas Southgate corrompeu esta Inglaterra, prendeu o talento e libertou apenas a inteligência coletiva, fez dela uma Inglaterra que é tão pragmática mas também tão infame que é capaz de piorar uma seleção decente como Espanha, que é melhor a jogar contra uma Alemanha do que contra esta coisa de Southgate; Inglaterra é tão prejudicial que fez da primeira parte da final do Euro, feita para exibir o melhor futebol da Europa, um evento que mais pareceu um Atletic Escaldes vs. Dudelange da Liga Conferência, o futebol dos desesperados das competições europeias. Mas este objeto futebolístico disforme orientado por Southgate chegou à segunda final consecutiva de um Euro, portanto é perigoso dizer mal de quem conseguiu tanto e Southgate conseguiu isso, conseguiu muito, criou uma seleção bem forte a ser tão feia, é um mérito do tipo Frankenstein mas não deixa de ser um mérito.

Dito de outra forma, Inglaterra jogou sob os fundamentos de Fernando Santos de 2016, que é liderar uma geração nascida para jogar bem mas que passou a ser treinada para ganhar a jogar mal, para ganhar de qualquer maneira mas que nunca é uma maneira radiante, é simplesmente uma maneira - a que servir a vitória, não o futebol. Talvez seja isso o futebol cínico, o futebol objetivo, o futebol com um sentido - vencer - em vez de ser um futebol para os sentidos - para nos emocionar e comover, para nos apaixonar e arrebatar. Os românticos que se limitem aos poemas e abandonem o futebol, os poemas são o que um romântico quiser porque o futebol é uma lógica de escada: 1) ganhar é melhor do que perder; 2) ganhar a jogar mal é melhor que perder a jogar bem; 3) ganhar a jogar bem só depois de ganhar a jogar de qualquer maneira. E Southgate sai desta final a cair logo no primeiro degrau das três escadas, nisso Fernando Santos foi melhor, subiu o lanço todo porque ganhou o Euro da maneira que sabemos - amém, obrigado - e conquistou uma Liga das Nações a divertir-nos.

O que não temos maneira de saber é se Inglaterra sob outros fundamentos, por exemplo o de jogar com furor e não com temor, seria uma Inglaterra agora bicampeã da Europa em vez de ser bivice-campeã, que é uma palavra tão sinistrada como o futebol inglês deste Euro - com uma exceção, os 45 minutos iniciais da meia-final diante dos Países Baixos: essa é a Inglaterra para a qual os românticos agora exilados em Espanha querem voltar. Mas não deixa de ser curioso que este texto sobre uma final vencida pelo lado bom do futebol tenha começado pelo lado negro da força britânica, há contexto para isso: este Euro não foi bom e o mal impôs-se - não há um grande goleador (há seis jogadores com três golos e é isso) porque a maioria das equipas joga essencialmente para não sofrer e depois para o resto; não há um craque indiscutível do torneio porque houve demasiado futebol medroso em vez de futebol corajoso - houve em campo Mbappé, Bernardo, Bruno, Bellingham, Kane, Wirtz, Musiala, Gkapo, Lewandowsi, Saka, Foden, Fábian Ruiz e etc mas a UEFA escolheu para melhor jogador Rodri, que é um craque à sua maneira mas que nunca haverá de ser o futebolista cujo poster os miúdos vão colar nas paredes dos seus quartos (e os miúdos sabem melhor que nós todos onde está a alegria do futebol). 

Intervalo neste texto: Rodri até merece o prémio mas quando é ele o melhor do Euro é porque os supermelhores desiludiram - e porque os futuros supermelhores, Nico e Yamal, têm um futebol demasiado insurreto para uma instituição disciplinada como a UEFA arriscar fazer deles os melhores do torneio (e talvez não o merecessem já mas são estes os jogadores que nós queremos sempre que mereçam).

Depois de Inglaterra ter estragado a primeira parte do jogo, Espanha salvou a segunda parte e até a própria Inglaterra (pelo menos a parte bonita que resta de Inglaterra): aquele primeiro golo espanhol teve os intervenientes certos, Yamal a assistir e Nico a concluir, e subitamente a primeira parte pareceu uma memória distante - o jogo pareceu generoso num instante, deixou de ser o Atletic Escaldes vs. Dudelange para se transformar finalmente na final do Euro, no futebol basta um lance para mudarmos de opinião sobre o jogo inteiro: tivemos isso naquele golo em que a bola foi sujeita aos bons-tratos do adolescente que ainda deve ter posters do Mbappé e do Messi na parede dele mas que já joga finais de um Euro, Yamal, bastou isso e depois bastou a finalização faustosa do Nico, que tem aquele penteado solar que é a metáfora ideal para o futebol dele. O jogo não se tornou perfeito mas puxou pelo melhor de Inglaterra, que é ter Watkins e Palmer em campo (Kane fez um Euro melancólico, Foden por aí) e o golo inglês teve Saka, Bellingham, um remate em arco a 118 km/h de Palmer e a prova de que os ingleses são o que o treinador deixa, Southgate soltou a equipa para a missão aflitiva de ter de procurar o empate e a equipa respondeu não só com esse empate mas também com futebol circunstancialmente bonito - a equipa deu mais ao treinador do que o treinador merecia. Mas foi mesmo só circunstancialmente, com 1-1 voltou a Inglaterra acanhada, recuada, infeliz naquele seu modo de não jogar o jogo pelo jogo mas o jogo pelo prolongamento.

A Espanha, que teve respeito por si própria contra uma Inglaterra que torna pior o jogo de qualquer equipa, fez o que tentou sempre neste Euro: vencer, é preciso ter muito respeito porque quem ganha sendo o melhor que sabe ser - Yamal, Nico e Olmo, que são treinados por alguém que ajusta o modelo da equipa ao talento dos jogadores em vez de serem treinados por alguém que oprime o talento dos jogadores por causa do modelo de jogo que tem, dizia então que Yamal, Nico e Olmo quase construíram o golo da vitória aos 82 minutos, valeu Pickford mas já não valeu para o remate de Oyarzabal que deu o Euro a Espanha, o quarto da sua história, nenhum país ganhou tantos. E triunfou a melhor das duas maneiras de estar: perdeu quem chegou a esta final com um futebol de que ninguém se vai lembrar a partir de amanhã, ganhou quem jogou todo o futebol que pode e com aqueles dois Jovens meninos de 22 e 17 anos a reforçarem-nos a fé no futebol positivo. Isso é que é Realmente Sedutor, viram os negritos no I, no R, no S, nos jovens?, foi a maneira forçada que arranjámos de meter IRS Jovem no título, ahahahahahah, isto não faz qualquer sentido mas o futebol de Espanha faz muito, devemos isso ao homem que acabou com os 1000 passes.

Os golos



Precisámos de cafeína: o pior do jogo

por Pedro Falardo


Ainda bem que, à boa moda espanhola, dormi uma siesta a meio da tarde porque senão não teria aguentado toda a primeira parte acordado. Duas equipas muito encaixadas, com muito medo de arriscar, de sofrer e de ter sucesso. Apenas um remate enquadrado, por Foden já no final dos 45 minutos, foi a única nota digna de registo. Aliás, nem foi digna de registo coisa nenhuma, Unai Simón agarrou a bola com muita facilidade. Por largos minutos pensámos que iríamos ter uma final jogada como uma final, tensa, presa e com duas equipas mais preocupadas em não perder do que em ganhar. O golo de Nico Williams no início da segunda parte muito fez para que a segunda metade fosse quase diametralmente oposta à primeira e ambas as equipas mostraram-se sem medo de ir à procura da história. E ainda bem que o fizeram.

 

A cabeçada de Dani Olmo e o efeito borboleta de De La Fuente: o momento do jogo

por Nuno Mandeiro

Dani Olmo ergue a taça foto Getty

Luis De La Fuente deve pedir desculpa e agradecer a Dani Olmo. Porquê? Não fosse o médio do Leipzig e a Espanha podia não ter conquistado o Campeonato da Europa pela quarta vez. O corte de cabeça ao remate de Marc Guehi, em cima da linha de golo, depois de Unai Simón defender para a frente e estar completamente batido é só a ponta deste icebergue de casualidade, acaso e coincidências.

A teoria do caos defende que o bater de asas de uma borboleta no hemisfério norte pode desencadear uma cadeia de acontecimentos relacionados entre si que pode terminar numa catástrofe ou num incidente de dimensões maiores do outro do lado planeta, chamam-lhe efeito borboleta, esta ideia pode ser aplicada ao que aconteceu com Espanha mas, neste caso, a “catástrofe” não podia ter sido melhor.

Ora vejamos, Kroos lesionou Pedri nos quartos de final, Dani Olmo foi o substituto escolhido e acabou por marcar o primeiro golo do 2-1 que colocou La Roja nas meias-finais. Soube-se então a gravidade da lesão de Pedri e que jovem do Barcelona ia falhar o resto do Euro 2024. Na meias-finais, Olmo foi titular e foi dele o golo da remontada espanhola, colocando La Roja na final de Berlim. Esta noite não marcou mas ao minuto 90 – quando a Espanha vencia a Inglaterra por 2-1 - Dani Olmo fez aquele corte soberbo, evitando o prolongamento e quem sabe a roleta russa dos penáltis. Até à lesão de Pedri, o médio do Leipzig só tinha sido utilizado por De La Fuente no jogo frente à Albânia, na 3.º jornada do grupo B e numa altura em que a Espanha já estava qualificada para os oitavos de final. Hoje acabou o Euro a festejar e como o jogador mais decisivo e quiçá importante às ordens de De La Fuente.

Estamos a perder? Rápido, tira o Bota de Ouro - a surpresa

por Pedro Falardo


Sabemos que Harry Kane e troféus não combinam muito. Nem muito nem nada. O jogador inglês continua sem vencer sequer um título coletivo na sua carreira, um cenário para o qual muito francamente não encontramos paralelo na história recente do futebol mundial. Será talvez, a par de Sócrates, o melhor jogador que nunca venceu um grande título. No entanto, não é por isso que não deixa de ser fundamental numa equipa, como provou a sua primeira Bota de Ouro conquistada no ano de estreia na Alemanha, ao serviço do Bayern de Munique. Foi com muita surpresa que vimos Gareth Southgate, a ver a sua equipa a perder 1-0 e a precisar desesperadamente de empatar, tirar o titularíssimo avançado por Ollie Watkins, ainda por cima a 30 minutos do final do tempo regulamentar, quando ainda muito faltava por jogar. Talvez quisesse recriar o guião das meias-finais contra os Países Baixos, mas teve pouca sorte. A mesma que persegue Kane desde o início da carreira.

PS: para onde foram os românticos?

por Nuno Mandeiro

Esta chapéu é épico foto Getty

Num Euro 2024 marcado por empates, autogolos, prolongamentos e poucos golos, houve dois garotos espanhóis que se destacaram. Contudo, fica a questão: como chegámos aqui e porque parece que jogámos todos como a Grécia de 2004? Aconteceu com Portugal, França, Inglaterra, Bélgica, Itália e até com a Alemanha por vezes, no entanto quando é que a defesa e a coesão lá atrás passaram a ser o principal – e em determinados momentos o único – objetivo de um treinador?

Valha-nos que os pais do Lamine Yamal tenham deixado que ele fosse brincar com os meninos grandes para a Alemanha e que o amigo Nico Williams também tenha ido. O futebol precisa que volte a haver românticos, iluminados, génios, espalha-brasas, mustangs, mágicos, todos os adjetivos que possam ser usados para descrever pessoas que com os pés são capazes de criar lances e jogadas das quais nos vamos lembrar por meses, anos e até décadas. Precisamos de mais Ronaldinhos, Quaresmas, Riquelmes, Decos, Tottis, Figos, Edgar Davids, Rui Costas, Zidanes e tantos outros, façam-nos o favor de não castrar as irreverência dos craques de amanhã em prol de um bloco compacto e um futebol aborrecido e sem golos.

Um segundo post scriptum vai para a realização da UEFA responsável por transmitir os jogos. Ao contrário do que tinha acontecido no Euro 2020 quando Eriksen colapsou, no caso de Barnabás Varga pouco ou nada há a apontar. Foi exemplar e sem qualquer exploração de alguém no seu estado mais frágil.

PS 2.0: o golo mais doloroso da vida de Santiago Abascal

por Pedro Falardo


O líder do Vox nasceu em Bilbau e é basco, mas partilha muito pouco do espírito euskera da maioria dos seus restantes conterrâneos, que há muito pedem a independência ou, pelo menos, demonstram grande orgulho nas suas raízes. A Abascal não lhe agrada muito a ideia de ter pessoas de outras paragens a entrar em Espanha, por isso é que somos capazes de adivinhar que teve uma ligeira quebra de tensão quando a Roja marcou o seu primeiro golo na final. Um jogador catalão, menor de idade e de origem marroquina e guinéu-equatoriana serviu um colega basco cujos pais são ganeses, tão basco como Abascal. Dois jogadores negros e filhos de imigrantes. Não há como retirar uma poderosa mensagem deste facto. Não só nesta final como também durante todo o torneio, Nico Williams e Lamine Yamal foram o expoente máximo desta equipa espanhola, que tanto nos arregalou o olho e é a justa vencedora deste Europeu. Tudo bem, Abascal já foi para as redes sociais comemorar a vitória espanhola no Euro 2024, mas achamos que não terá sido tão perfeito como desejaria.

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