De Budapeste a Sevilha: «El quiarcou del peceérre, pooor faboooor!»

27 jun 2021, 12:59
Sevilha

O Caderno de Puskás – X

Qualquer português sabe agradecer em castelhano com «muchas gracias». Em húngaro, a tarefa complica-se até subir ao patamar de um indecifrável «Nagyon szépen köszönjük».

Bem escrevia Chico Buarque que «o magiar é a única língua, segundo as más-línguas, que o diabo respeita».

Há, porém, semelhanças improváveis entre Budapeste e Sevilha.

No «casco antíguo» da capital da Andaluzia não há edifício mais alto do que os 104 metros de La Giralda [ao fundo, na foto], torre da catedral. Já o centro da capital húngara tem como teto o pináculo do Parlamento e a cúpula da Basílica de Santo Estêvão: ambos têm 96 metros, não por acaso – pela simbologia de no ano de 896 se ter constituído o principado da Hungria e pelo equilíbrio na estatura entre o poder religioso e político.

Outra parecença, entre a cidade que a seleção portuguesa deixou para trás e aquela em que aterrou no dia de ontem, foi o calor abrasador, sublinhado, no nosso caso, por uma escala mais fresquinha em Amesterdão.

Foi esse o primeiro impacto à chegada ao acanhado aeroporto de Sevilha. O segundo foi uma jovem muito empenhada em fazer ecoar a sua voz pelo corredor fora, pedindo com arraigado sotaque andaluz para nos prepararmos para mostrar o QR Code com o resultado do teste PCR: «El quiarcou del peceérre, pooor faboooor!»

Em Budapeste, jamais os decibéis se elevariam desta forma. A cara fechada das autoridades far-nos-ia perceber que o melhor era tirar tudo para fora e deixá-los ver cada documento.

Na rua ou em qualquer outro local, apesar da simpatia contida em algumas abordagens, não havia grande margem para conversas de ocasião.

Quando ia ao supermercado, apontavam-me o preço e eu agradecia em inglês, por reconhecer de antemão como infrutífera qualquer tentativa de dizer «Nagyon szépen köszönjük».

Em Sevilha, o ambiente é mais distendido. O taxista fala sobre futebol com entusiasmo e a operadora da caixa faz conversa, mal pega numa garrafa de água para passar o código de barras.

«Eres de Portugal? Ah, vecinito», exclama Dona Rosa do supermercado de bairro El Jamón, bem perto do estádio do Betis. «Pip!» E logo de seguida pergunta como está a situação da covid por aí. Digo-lhe que venho da Hungria e que vou a La Cartuja por causa do Bélgica-Portugal.

«Bélgica? Tierra de mi madre.»

Quais seriam as probabilidades?

«Então vai torcer pela Bélgica, não?», arrisco.

«Por supuesto.»

Que dúvida a minha…

Há verdades absolutas em Sevilha, Budapeste ou em qualquer lugar do mundo.

Podemos ser simpáticos para com nossos vizinhos, mas mãe é mãe.

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«O Caderno de Puskás» é um espaço de crónica dos jornalistas Sérgio Pires e Vítor Maia, enviados especiais do Maisfutebol ao Euro 2020.

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