Juros começam a subir. Como vão estas mudanças mexer no seu bolso?

8 fev 2022, 07:00
Christine Lagarde

Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, mudou o discurso e, para controlar a inflação, já admite subir juros ainda este ano. O impacto chegará às famílias na hora de pagar a prestação da casa. Veja exemplos sobre quanto pode aumentar o seu crédito à habitação

Euribor. É esta a palavra que pode trocar as contas a muitas famílias caso avance, ainda este ano, uma subida dos juros. O cenário já é não é excluído, como até há dias, pelo Banco Central Europeu (BCE). A mesma presidente do BCE, que em novembro em entrevista à TVI dizia que “as taxas de juro não devem subir em 2022”, sinalizou na semana passada – e reiterou ontem – que não estão previstas subidas imediatas, mas não afasta a possibilidade de que afinal tal aconteça este ano. Depende da inflação.

Na verdade, os juros já estão a subir – mas são os juros da dívida pública em mercado secundário. É que há várias “taxas de juro”, como pode ler aqui neste artigo. Aqui, interessa-nos voltar às suas contas. E, portanto, à euribor, o indexante que serve para o cálculo do crédito à habitação. “O impacto para as famílias [da subida dos juros] vem sobretudo pela Euribor”, confirma Paula Carvalho, economista-chefe do BPI.

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Desde 2015 que a Euribor está em terreno negativo, um acontecimento contraintuitivo que se prolonga. À boleia desta nova tendência, a Euribor pode voltar ao “normal”, isto é, a ser positiva. E isso tem impacto direto nas prestações dos créditos à habitação. Quando? Os especialistas apontam para o final de 2022, perspetivando uma subida gradual e ligeira.

A sinalização de que os juros podem subir “está a ser corroborada pelo mercado”, confirma Filipe Garcia, economista e presidente da IMF. E dá um exemplo concreto para a Euribor tida como referência no mercado português: “Daqui a nove meses, o mercado espera que a Euribor a seis meses esteja em 0,15%”.

A verdade é que a Euribor está já a subir, em linha com as expectativas do mercado. Basta fazer uma comparação direta nos prazos de seis e doze meses, os mais comuns na hora de assinar o crédito à habitação em Portugal. A Euribor a seis meses estava, nos últimos dados disponíveis, nos -0,473%, quando há um ano estava nos -0,528%. Já a Euribor a 12 meses estava agora nos -0,346%, valor superior aos -0,511% de há um ano.

Impacto dos juros será sentido pelas famílias com crédito à habitação

Uma fatura (adicional) ao final do mês

Não é certo quando ou quanto vão subir as taxas de juro e que impacto terão nos rendimentos das famílias portuguesas. Mas basta um exemplo simples para começar a traçar cenários: num empréstimo com uma dívida atual de 100 mil euros, uma subida de 0,5 pontos percentuais na Euribor – que traria o indexante para um terreno positivo, alinhado com as expectativas do mercado – significaria que uma família pagaria mais 500 euros de juros por ano – ou mais 42 euros por mês.

Exercício semelhante fez também a Deco/Dinheiro&Direitos: caso a Euribor passe dos -0,5% para 1%, as famílias portuguesas teriam de desembolsar mais 61 milhões de euros em juros. Para este cálculo foram tidos em conta o número de contratos ativos, o saldo médio em dívida e os prazos médios.

Veja-se um caso concreto identificado pela Deco/Dinheiro&Direitos: um cliente com um crédito de 150 mil euros a 30 anos, indexado à Euribor a seis meses e com um ‘spread’ de 1%, pagava em janeiro 445,83 euros por mês. Se a Euribor subisr um ponto percentual, passará a pagar 514,45 euros. Mais 68,62 euros mensais.

Mesmo perante estes riscos, a procura pelo crédito à habitação continua em níveis recorde. Em 2021, segundo dados do Banco de Portugal, foram concedidos 15.270 milhões de euros com esse fim, com juros ligeiramente mais altos em termos homólogos. Já dados do INE mostram que, em média, cada família com crédito à habitação deve 56.668 euros à banca pelo empréstimo da casa.

Prazos mais curtos

Além das eventuais subidas nos juros, há outras razões para que comprar casa possa ficar mais difícil este ano. É que o supervisor bancário veio reforçar as recomendações para que a maturidade dos contratos não ultrapasse os 30 anos, aconselhando que apenas quem tiver menos de 30 anos de idade possa contratar um crédito pelo prazo máximo de 40 anos. O objetivo é que as famílias não tenham de levar esta obrigação na passagem à reforma, onde tende a existir uma quebra de rendimento.

Bancos estão a dar mais dinheiro para crédito à habitação, apesar dos receios

Lagarde: Uma mudança de discurso

Em novembro, a presidente do Banco Central Europeu (BCE) considerava “muito improvável” uma subida das taxas de juro em 2022. Mas, três meses depois, o discurso é outro.

Christine Lagarde já não afasta uma subida, desde quinta-feira passada. Ontem, perante o Parlamento Europeu, não se comprometeu com a manutenção dos valores atuais, porque “a situação mudou”. “Qualquer ajuste na nossa política seria gradual”, admitiu. No curto prazo, frisou, não há mexidas na calha.

Isto porque a líder do supervisor europeu quer primeiro terminar as operações de compra de dívida, que têm conclusão prevista para março, para depois avaliar mais intensamente essas alterações nos juros.

E porquê esta alteração? Porque a inflação, que em janeiro ultrapassou a fasquia dos 5%, preocupa. A intenção do BCE é de que este indicador retorne aos 2%, considerado o valor de referência. Os especialistas ouvidos pela CNN Portugal, Filipe Garcia e Paula Carvalho, convergem na hora de traçar cenários: a haver subidas, serão ligeiras, não resvalando muito para lá da “linha de água”.

“O que a mim me assusta um pouco é termos estado muitos anos a viver num regime de taxas de juros negativas. E isto causa nas famílias uma certa habituação a juros desta natureza. E se isso inverter de alguma forma, pode influenciar o rendimento disponível”, diz o presidente da IMF.

Já a economista-chefe do BPI vê esta evolução de forma positiva. “É um sinal de que a atividade económica está a recuperar. Os mercados de trabalho estão suportados”, diz. Quanto ao impacto mensal nos orçamentos familiares, lembra que a sobrecarga com despesas de habitação está agora abaixo da média histórica, rondando os 4%.

Christine Lagarde lidera o Banco Central Europeu, responsável pela política monetária

Energia dita subida da inflação. Porque preocupa o indicador?

A intenção é clara: subir os juros para baixar a inflação. Mas poderá a fórmula ter sucesso, quando a inflação está a ser influenciada sobretudo pelos preços da energia e pelas dificuldades logísticas, ao contrário de outros períodos onde foi necessário adotar este modelo?

“O objetivo dos bancos centrais é fazer baixar a inflação. Então sobem os juros e retiram liquidez dos mercados. Tenho algumas dúvidas que isto possa ter sucesso desta maneira”, reage Filipe Garcia. O mecanismo é simples de perceber: com taxas de juro mais elevadas, há menor procura de créditos e mais procura de depósitos, logo há menos liquidez na economia, e com menor liquidez há menos procura de compras de produtos, e havendo menos procura os preços médios – a inflação – deixam de subir.

Segundo o analista, os restantes fatores que determinam a inflação não são devidamente corrigidos. Quando muito, com o rendimento das famílias a cair, poderá haver menor consumo e “uma menor pressão sobre os preços”, assim equilibrando a balança.

Paula Carvalho aponta ainda outro motivo para a mudança de discurso do BCE, com o “risco de efeitos de segunda ordem”: se os cidadãos começarem a olhar para valores altos de inflação como algo normal, poderão exigir que esses números se reflitam “nas atualizações salariais”. “Começa a haver pressões para que tal aconteça”, resume. Mais inflação significa perda de poder de compra. E é isso está a acontecer.

Para saber mais sobre a relação entre taxas de juro, inflação, emprego e salários, leia este artigo.

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