As eleições presidenciais dos Estados Unidos da América (EUA) de 2024 já entraram para a história como uma reafirmação de Donald Trump no cenário político americano. Contra muitas previsões de analistas, onde me incluo, que apontavam para uma corrida renhida e uma vitória democrata, Trump saiu vitorioso, consolidando um eleitorado fiel e expondo as fragilidades do Partido Democrata.
Como é que foi possível tantos estarem tão enganados?
Em primeiro lugar, houve uma grande dose de fé no pragmatismo do eleitor norte-americano, num país que está profundamente dividido, e que a narrativa polarizadora não seria decisiva.
Às sucessivas derrotas de Trump entre 2020 e 2024, a insurreição de 6 de janeiro, os inúmeros julgamentos e condenações em tribunal, o eleitorado americano reagiu votando em toda a linha em Trump e recusando liminarmente a proposta eleitoral democrata.
Tudo isto aconteceu numa eleição onde, pela primeira vez na história eleitoral norte-americana, o candidato e atual presidente abandona a corrida eleitoral a 100 dias das eleições, após uma campanha comunicacional onde os próprios democratas o “arrasaram” na praça pública. Virtualmente tornando Kamala Harris algo entre uma traidora ou uma extensão da incompetência mental de Biden. Já Donald Trump foi vítima de duas tentativas de assassinato, uma delas que quase o matou, e manteve-se na corrida.
Não vi ninguém a prever que Kamala Harris iria perder 13 milhões de votos face aos números de Biden em 2020. Não existe qualquer precedente histórico para estes resultados.
Um ponto de viragem para a comunicação política
Com cada vez menos moderados em ambos os partidos em comparação com as últimas três décadas, os desafios e as oportunidades para envolver e influenciar a opinião pública tornaram-se evidentes. E pudemos verificar que os meios de comunicação tradicionais, embora ainda influentes, alinharam numa lógica maniqueísta e cada vez mais afastada da real informação.
Porque é que isto é importante para qualquer equipa de comunicação? Porque uma estratégia de comunicação política tem de estar suportada isenção jornalística, se ela não existir, a equipa não tem uma fonte de confiança para chegar ao eleitor. Não tem um interlocutor confiável. Ora, quando os dados revelam que a maioria dos eleitores com menos de 40 anos citam as redes sociais como a sua principal fonte de notícias políticas e que desconfiam muito dos media tradicionais, isto significa que o trabalho da comunicação política se divide agora em dominar a arte da narrativa digital, enquanto combate a disseminação de desinformação. As equipas de comunicação não estão pensadas para tal.
E Portugal?
Considero que as eleições norte-americanas são também um momento de reflexão para sociedades que enfrentam tensões similares. À semelhança do que acontece nos EUA, também Portugal enfrenta uma disparidade entre o que percebemos como riqueza e a prosperidade individual. À ideia que possuir um diploma universitário era uma garantia de maior prosperidade, sucedeu-se a ausência de mobilidade social. Afinal, mais educação não equivale a mais prosperidade e aqueles que nem sequer a possuem enfrentam uma desvalorização de suas competências e contribuições socias, ampliando uma crise de dignidade laboral e social.
Jovens trabalhadores, diplomados ou não, enfrentam um cada vez maior sentimento de irrelevância social, agravado pela ideia perniciosa de que o trabalho manual é de alguma forma menos válido que o intelectual.
É este rancor, esta ira - que as redes sociais descobriram ter mais tração que o sexo – que vai alimentar as próximas campanhas eleitorais. Quem canalizar a frustração de jovens licenciados que não conseguem prosperar ou sequer sair de casa dos pais, a raiva dos trabalhadores portugueses que foram abandonados por uma esquerda perdida em temas laterais que preocupam apenas uma franja da população, cujo trabalho não é valorizado por ninguém, é quem vai ganhar eleições.
Será uma raiva difícil de perceber pelas elites intelectuais portuguesas que estão cada vez mais distantes do povo, que apelidam de ignorante, racista e xenófobo, machista ou primário.
À semelhança do que aconteceu nos Estados Unidos, há um divórcio entre a perceção da riqueza de um país, entre os seus índices económicos e a prosperidade de cada um. E hoje, cada um – graças às redes sociais – é a sua própria fonte de informação, o seu canal de televisão o seu influencer.
Só quem souber comunicar e reconciliar as aspirações meritocráticas com a dignidade do trabalho poderá estancar a pulsão populista que se avizinha. Num país onde a coesão social tem sido uma marca histórica, não é apenas desejável, mas essencial garantir que ninguém fique para trás – seja no mercado de trabalho, no reconhecimento social ou na construção de um futuro mais justo e inclusivo.