Em maio de 2024, após 32 anos a viver no sul da Califórnia, nos Estados Unidos, Karina Nuvo chegou ao limite.
Após um período de pausa, provocado pela pandemia, nos espetáculos de canto que lhe davam felicidade e sentido de realização, a artista nomeada duas vezes para os Grammy viu-se sob um nível de stress inacreditável.
Assumiu empregos como agente imobiliária e gestora de um edifício de apartamentos em Pasadena, onde passou por momentos difíceis, incluindo encontrar um inquilino morto no seu apartamento.
Na altura, Nuvo também estava ocupada a cuidar do pai octogenário.
“Não conseguia concentrar-me na música, nem no imobiliário, tive de pôr o meu pai num lar de idosos. A minha saúde começou a ressentir-se, estava a destruir-me”, confessa Nuvo, de 55 anos.
Em maio de 2024, com o clima político nos EUA novamente sob tensão devido à campanha presidencial de Donald Trump em força, Nuvo diz reconhece que tudo “simplesmente parecia demais”.
“Decidi que ia sair, que ia para a Europa. O stress do trabalho foi o que me empurrou, mas politicamente eu já não conseguia imaginar o que vinha aí”, afirma.
Karina Nuvo contou aos pais os seus planos de partida dos Estados Unidos. Foi então que o seu pai, Jose Novo (Karina usa uma grafia modificada desse sobrenome profissionalmente), a recordou de que sempre tiveram uma saída: uma forma de tentar viver uma vida diferente em Espanha, já que podiam candidatar-se à cidadania do país.
Jose Novo nasceu em Camagüey, em Cuba, e foi para os Estados Unidos aos 21 anos à procura de uma vida melhor. Mas o seu pai (avô de Karina) nasceu em Espanha, o que lhe dava direito a si e aos seus filhos de solicitar cidadania através da ‘ley de nietos’ (a ‘lei dos netos’).
Também conhecida como Lei da Memória Democrática, a lei dos netos, com validade até 21 de outubro de 2025, concede aos descendentes de espanhóis perseguidos durante a Guerra Civil Espanhola e a ditadura de Francisco Franco um caminho para a cidadania espanhola.
Nuvo disse ao pai, então com 87 anos, que iria a Espanha apresentar o seu pedido de cidadania. “A resposta dele foi: ‘Por favor, não quero morrer neste lugar’”, conta. Então, ela perguntou-lhe se queria mudar-se também. “Nem hesitou, disse logo: ‘Sim’”, revela Nuvo.
Karina Nuvo começou então a vender a maioria dos seus bens no Facebook Marketplace, fez as malas e pôs o plano em ação.
Atravessar o Atlântico por uma vida melhor
A única vez que Nuvo e o pai tentaram ir juntos a Espanha foi num cruzeiro a partir de Fort Lauderdale, em 2022. Mas ele ficou com covid-19 muito antes de chegarem a Espanha. Tiveram de desembarcar nos Açores, onde ela internou o pai num hospital. “Foi a única vez que tentei levá-lo a Espanha, e falhei redondamente”, lamenta Nuvo.
Por isso, antes de sair da Califórnia, Nuvo disse ao pai, sobrevivente de cancro da bexiga, que tinham de estar alinhados. Se algo semelhante acontecesse depois da mudança - se ele adoecesse e não pudesse viver com ela - teria de voltar para um lar de idosos, mas agora em Espanha. Jose concordou.
Nuvo começou a procurar casa para os dois, usando o site Idealista para potenciais arrendamentos e falando com agentes imobiliários para perceber qual seria o melhor local em Espanha para viver.
Inicialmente, queria ir para Málaga, na costa da Andaluzia, mas foi dissuadida pelos preços dos imóveis. Um agente sugeriu considerar a cidade de Fuengirola, a cerca de 30 quilómetros a sul, com terreno plano (ideal para o pai) e um custo de vida mais baixo.
Ainda na Califórnia, Nuvo encontrou um apartamento com quase 110 m², dois quartos, a poucos quarteirões da praia, com vista para o Mediterrâneo. “Pensei, ‘Meu Deus, é o sonho do pai, junto ao mar’”, lembra Nuvo. A renda mensal era de 1.050 euros (cerca de 1.150 dólares), uma fração do que pagavam na Califórnia.
Após uma paragem em Miami a caminho da Europa, chegaram a Espanha em setembro de 2024 com seis malas, um andarilho e uma cadeira de rodas. “Tenho uma fotografia do meu pai em frente ao apartamento logo após chegarmos a Fuengirola com um sorriso enorme. Para mim, pela carga emocional, entrei em ataque de pânico com o que tinha feito”, recorda Nuvo.
Ligou ao filho, de 20 anos, a estudar na Califórnia, e chorou, cheia de dúvidas. Mas ele garantiu-lhe que tudo ia correr bem.
Está tudo em família
Uma semana depois da chegada de Nuvo e do pai a Espanha, a mãe e o padrasto - Gloria e Cesar Tarafa - vieram visitá-los durante 15 dias. “Somos uma família moderna, todos se dão bem”, assegura Nuvo.
Tal como o pai, a mãe e o padrasto nasceram em Cuba, mas passaram a maior parte da vida em Miami e depois na Califórnia. Viviam numa comunidade para idosos com baixos rendimentos em Monrovia, perto de Pasadena.
Pouco tempo depois da visita a Espanha, Gloria e Cesar, então com 87 e 73 anos, decidiram mudar-se também para Fuengirola. Ambos também tinham direito à cidadania espanhola por ascendência.
O casal reformado voltou aos EUA em outubro de 2024, vendeu quase tudo e regressou a Fuengirola um mês depois. Instalaram-se no apartamento de Nuvo e do pai e começaram o processo de cidadania.
Cesar diz que o clima político nos EUA e o custo de vida em Los Angeles influenciaram a decisão de sair.
A sua primeira viagem a Espanha foi antes de completar 15 anos, quando os pais o enviaram para junto de amigos perto de Madrid para escapar ao serviço militar obrigatório em Cuba. Só depois emigrou para os EUA. Cesar e Gloria, que se conheceram em Miami como parte da diáspora cubana, tinham visitado Espanha várias vezes e gostavam do país. Como falavam espanhol, imaginar a mudança foi fácil.
“Decidimos que tínhamos de aproveitar a vida pelos anos que nos restam”, diz Cesar, acrescentando que sabia que a qualidade de vida em Espanha - especialmente na Andaluzia - era boa. “A cultura é muito parecida com a cubana. Os cubanos têm muitas semelhanças com o modo andaluz de falar, de se expressar, de usar as mãos e exagerar. Se fosse para mudar, só podia ser para esta parte de Espanha”, garante.
E segundo Cesar, a vida deles melhorou porque conseguem “fazer mais com menos”. “Nem é preciso gastar muito. Basta sair e ver as pessoas a andar, ver a vida noturna. Esta cidade está viva. As pessoas jantam às nove ou dez da noite”, explica. Em Monrovia, costumavam recolher-se às 18:00 e ver televisão. “Aqui, às 18:00 estás a lanchar e vais jantar às 21:00. E o mais curioso é que ninguém te apressa nos restaurantes. Podes beber um café e ficar duas horas sentado. É uma mentalidade completamente diferente”, descreve.
“Simplesmente adoro isto”
Cesar admite que é preciso habituar-se à burocracia espanhola e ao ritmo mais lento em comparação com os EUA, “mas a qualidade de vida aqui é inegável. Queremos absorver tudo como uma esponja”.
Cesar comparou a recente saída dos EUA para Espanha à sua partida de Cuba: em ambas deixou tudo para trás. “Quando saí de Cuba, soube que nunca mais voltaria. E tenho a mesma sensação agora”.
Gloria diz que o estilo de vida e o modo de viver em Espanha lhe tocam profundamente. Saiu de Cuba jovem, recrutada para ser hospedeira de bordo da PanAm, em Miami. Viveu muitos anos na Florida com Cesar, antes de se mudarem para a Califórnia.
A vida americana era muito diferente, especialmente após a pandemia. “A nossa vida lá era OK. Passei metade da minha vida lá, tenho saudades da família. Mas tenho de tentar aproveitar o que me resta. Tenho 88 anos, não sou jovem”, atira, continuando: “Aqui, descemos para beber um café e conversar. Em Monrovia, não tínhamos vida social. Talvez fosse à casa do meu filho ou de uma amiga de vez em quando, mas era só isso”.
“Aqui, a qualidade de vida é viver. A comida, as pessoas, o clima nesta parte de Espanha - eu simplesmente adoro”.
Uma decisão difícil
Em janeiro de 2025, o pai de Nuvo começou a apresentar complicações de saúde. Tornou-se muito difícil para ela cuidar dele em casa. Juntos, decidiram em fevereiro colocá-lo numa residência assistida em Marbella, a cerca de 30 quilómetros de Fuengirola.
Nuvo sentiu-se culpada e questionou se trazer o pai para Espanha tinha sido um erro. “Mas depois ele diz-me que adora. Passou meses a desfrutar de Fuengirola. E agora diz que está a ver o mar em Espanha, a comer pratos preferidos como tortilla espanhola e croquetas e a falar espanhol com todos”, conta.
O lar para onde o pai de Nuvo foi custa 2.300 euros por mês (cerca de 2.500 dólares), muito menos que nos EUA, e inclui fisioterapia, psicólogo, todas as despesas e refeições, além de atividades diárias.
Karina Nuvo fala com o pai todos os dias e visita-o duas vezes por semana no quarto privado com varanda virada para um jardim exuberante, que mais parece um palácio do que um lar.
O principal motivo pelo qual se mudou da Califórnia para a Espanha, diz Nuvo, foi para ter uma melhor qualidade de vida e “salvar o nosso bem-estar mental, emocional e físico”. É um objetivo que Karina sente ter alcançado até agora com a sua família.
Ela, a mãe e o padrasto mudaram-se recentemente para um apartamento maior de três quartos em Fuengirola, com vista para o mar. A localização central permite a Gloria e Cesar andar a pé para todo o lado. A renda é de 1.400 euros, cerca de 1.500 dólares.
Nuvo diz que as despesas em Espanha são quase metade das que tinha em Los Angeles. Quando obtiver a autorização de trabalho como cidadã, planeia voltar ao que mais gosta: cantar e ajudar outros que considerem mudar-se para Espanha a encontrar oportunidades imobiliárias.
Adora a Califórnia, diz, mas era hora de partir - e não tem arrependimentos. “Há coisas aqui que me tiram o fôlego, a gentileza das pessoas. Valorizam a vida. Os idosos são tratados como realeza”, assegura.
“Mesmo com tudo o que aconteceu, mesmo com o meu filho ainda a viver na Califórnia, não consigo explicar. Sinto que é aqui que devo estar”.
“Tem sido uma aventura atrás de outra”
Quanto ao pai, Jose diz que toda a sua vida foi uma aventura - e esta é apenas mais uma. “Saí de Cuba com 20 anos. Depois fui para a Costa Rica trabalhar. Depois para a República Dominicana. Tem sido uma aventura atrás de outra”, diz.
Mas não tem queixas sobre o lar nos EUA onde vivia antes. “As pessoas eram muito boas para mim. Havia pessoas de quem gostava muito. Aqui também são boas pessoas”, diz, acrescentando que o custo é uma diferença enorme e que o lar espanhol é “mais sofisticado”.
E quanto a arrependimentos por atravessar o oceano nesta fase da vida? Nenhum. “Porquê? Estou no país da minha família - o meu pai nasceu nas Astúrias, os meus avós maternos na Galiza. Tenho sangue espanhol nas veias”, diz.
Para quem considera uma mudança semelhante, independentemente da idade, o conselho é simples: “Siga o seu coração - e não tenha medo”.