Os defensores de algumas teorias da conspiração de extrema-direita têm acesso direto a Trump, incluindo ao seu número de telemóvel pessoal. Alguns ligam-lhe com regularidade e os assessores do próprio Trump não têm o controlo completo de quem está do outro lado da linha. E isso está a provocar alarme entre quem apoia o ex-presidente
Enquanto Trump alimenta conspirações, quem o apoia implora que ele não se disperse
por Kristen Holmes e Steve Contorno, CNN
Quando a tão esperada entrevista de Donald Trump a Elon Musk, o multimilionário dono da rede social X (antigo Twitter), finalmente começou, após mais de 40 minutos de dificuldades técnicas, Musk afirmou, sem apresentar qualquer prova, que os adversários do ex-presidente tinham organizado um ataque à rede social para silenciá-lo.
“Há muita oposição às pessoas [que] apenas [querem] ouvir o que o presidente Trump tem a dizer”, disse Musk.
Ultimamente, porém, alguns dos mais ansiosos para silenciar Trump são aqueles que querem vê-lo de volta à Sala Oval.
Com uma postura atordoada e perturbada por um cenário político desconhecido e em rápida mudança, Trump, em resposta, desencadeou uma torrente de mensagens maldosas, insultos racistas e ataques conspirativos, que até mesmo os aliados próximos e doadores reconhecem como inúteis. Alguns expressaram sérias preocupações de que a recente incapacidade de Trump de manter a sua mensagem política resultou no desperdício de uma oportunidade inicial de enfraquecer o ímpeto da sua nova oponente, a vice-presidente Kamala Harris.
“Adivinhe? Agora, esta é uma disputa diferente”, disse uma fonte próxima a Donald Trump. “Os democratas estão com energia. Têm uma máquina enorme - e ela [Kamala Harris] está a angariar dinheiro e pode colocar um discurso coerente contra ele [Trump].”
“Deveria ser fácil”, acrescentaram. “Falar sobre economia e falar sobre imigração.”
Para Trump, manter a sua mensagem política raramente foi fácil, como mostrou o regresso do ex-presidente à rede social X, plataforma anteriormente conhecida como Twitter, onde o republicano já foi uma figura imponente.
Antes da sua entrevista de segunda-feira com Musk, a conta de Trump publicou no X pela primeira vez num ano, apresentando uma série de vídeos habilmente editados que faziam a ponte para a sua presidência. Numa dessas publicações é deixada esta questão: "Está melhor agora do que quando eu era presidente?".
Essa questão atinge o cerne da mensagem da campanha de Trump, mas o republicano não a colocou até quase o fim da sua conversa de duas horas com Musk, durante a qual expressou queixas sobre a eleição de 2020, comentou a beleza de Harris na última capa da revista Time, permaneceu obcecado pelo presidente Joe Biden e, de acordo com uma contagem da CNN, contou pelo menos 20 mentiras.
“O presidente Trump perseguiu o caso contra Kamala Harris por mais de duas horas ontem, numa conversa recorde no X Spaces. Falou sobre o quão fraca, fracassada e perigosamente liberal é a campanha Kamala-Walz, a mais radical da história americana”, disse o porta-voz da campanha, Steven Cheung, numa publicação, na qual argumentou que Trump não esteve distante da sua mensagem política. “Em cada discurso, o presidente Trump expõe a sua visão ousada para este país através da sua agenda America First e contrasta isso com o histórico sombrio de Kamala de inflação disparada, uma fronteira fora de controlo e o aumento da criminalidade nas comunidades americanas”.
A entrevista refletiu a abordagem de Trump desde que Biden desistiu da corrida à Casa Branca a 21 de julho, um período marcado por uma onda de energia para Harris e as tentativas fracassadas do ex-presidente de lidar com um cenário político que não pendia mais a seu favor. Desde então, Trump atacou o governador republicano da Geórgia, Brian Kemp, líder popular de um campo de batalha reemergente; acusou Harris, filha de imigrantes jamaicanos e indianos, de esconder metade da sua identidade racial; e convocou a imprensa para Mar-a-Lago, para uma entrevista improvisada cheia de mentiras, alegando a certo ponto que o tamanho da sua audiência antes dos tumultos de 6 de janeiro de 2021 no Capitólio dos EUA se comparava favoravelmente à aparição de Martin Luther King Jr. na Marcha de Washington por Empregos e Liberdade, de 1963.
“A espada de dois gumes de Donald Trump, como seu porta-estandarte, é que, a qualquer momento, pode interromper narrativas que podiam esmagar os republicanos e, a qualquer momento, pode [também] construir uma narrativa que seja autodestrutiva”, diz Steve Deace, apresentador de um programa conservador de rádio. “Donald Trump, ao repetir pontos de discussão e argumentos de campanha, prejudicaria a sua marca. Mas, definitivamente, precisa de ser mais focado.”
Essas explosões internas no núcleo próximo de Trump correm o risco de lembrar a alguns eleitores porque é que se afastaram do republicano em 2020 - um desafio que a sua campanha conseguiu minimizar até há pouco tempo. Antes de julho, a corrida à Casa Branca dependia dos desafios de Trump na Justiça e da queda no índice de aprovação de Biden, enquanto os democratas se esforçavam para voltar a atenção do público para os comícios e aparições na imprensa não programadas do ex-presidente.
Mas isto claramente não é mais o cenário que está em cima da mesa, pois Harris e os seus aliados online conseguiram consciencializar o público de forma mais eficaz sobre as palavras proferidas por Trump.
Em junho, Trump disse a um grupo de cristãos, em Washington, para votarem “só desta vez”, acrescentando: “Em quatro anos, não votem, eu não me importo”. Quase ninguém notou o que o ex-presidente disse. No entanto, quando Trump fez o mesmo comentário um mês depois, desta vez para outro grupo de conservadores religiosos, o republicano desencadeou uma tempestade.
Num outro episódio recente relacionado com a campanha do ex-presidente, a cantora Celine Dion condenou publicamente o "uso não autorizado" da sua música no comício de Donald Trump, em Montana. A campanha de Trump apresentou repetidamente a música de sucesso de Dion "My Heart Will Go On" em comícios ao longo de 2023 e 2024. No entanto, Dion revelou que tanto ela como a sua equipa só agora tomaram conhecimento da sua inclusão na playlist da campanha.
A frustração do Comité Nacional do Partido Republicano com as fortunas alteradas de Trump veio também à tona, já que os republicanos na Colina do Capitólio têm cada vez mais levantado alertas sobre os comentários recentes do candidato. E os assessores têm feito esforços para encontrar maneiras de fazer o ex-presidente mudar de rumo. No entanto, os alertas mantêm-se.
Num segmento na Fox Business, os aliados de Trump Larry Kudlow e Kellyanne Conway partilharam uma mensagem claramente adaptada ao amigo. “Não se afaste, não a chame [a Kamala] 'estúpida' e todos os tipos de nomes, mantenha a mensagem [política]”, disse Kudlow. E Conway acrescentou: “A fórmula vencedora para o presidente Trump é muito clara de se ver: são menos insultos, mais perceções e esse contraste de políticas [face a Harris]”.
Conway, que liderou a bem-sucedida campanha em 2016, fez ainda um apelo direto, reunindo-se recentemente com Trump no seu clube em Bedminster, Nova Jérsia, para expressar as suas preocupações sobre as decisões atuais da campanha, revelaram duas fontes familiarizadas com o assunto à CNN.
Igualmente alarmante para alguns republicanos é a mais recente adesão de Trump a conspirações originárias de grupos online. Trump alegou falsamente, no último fim de semana, numa série de publicações nas redes sociais que "ninguém" compareceu ao recente comício de Harris em Michigan. As alegações, que tiveram origem em teorias da conspiração online de páginas de extrema-direita, foram facilmente refutadas por fotografias e vídeos captados por participantes e pela imprensa, mostrando milhares de apoiantes no evento.
“Pare de questionar o tamanho das suas multidões e comece a questionar a sua posição [política]”, disse à Fox Kevin McCarthy, ex-presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos.
A relação de Trump com teorias da conspiração há muito tempo que melindra muitos dos seus aliados mais tradicionais. Outrora, os conselheiros pediram ao ex-presidente que ficasse longe de acusações de que a eleição de 2020 foi fraudulenta, argumentando que Trump devia olhar em frente e que tais alegações não eram úteis para agradar eleitores independentes ou mais moderados. Ainda na noite de segunda-feira, Trump continuou a espalhar essas conspirações.
Alguns aliados temem que o candidato republicano seja particularmente suscetível a teorias alternativas quando está mais vulnerável. Muitos assessores culparam o acesso irrestrito ao ex-presidente como parte desse problema. Os defensores de algumas teorias da conspiração de extrema-direita têm acesso direto a Trump, incluindo ao seu número de telemóvel pessoal, ou como membros do Mar-a-Lago e dos seus outros clubes. Alguns ligam-lhe com regularidade ou param para conversar com o ex-presidente quando este está a jogar golfe ou a jantar. Muitas vezes, os assessores não têm o controlo completo de quem está do outro lado da linha.
“Não foi ele [Trump] quem surgiu com esse ponto de discussão”, disparou um assessor quando questionado sobre o evento da National Association of Black Journalists, onde Trump sugeriu falsamente que Harris só recentemente se identificou como negra. O assessor apontou o dedo para contas de extrema-direita no Twitter, incluindo a de Laura Loomer, uma conhecida conspiradora que mantém uma relação com Trump e que publica regularmente desinformação nas redes sociais.
Loomer tem divulgado com frequência rumores infundados sobre os adversários políticos de Trump - certa altura, acusou a esposa do governador da Flórida, Ron DeSantis, de exagerar no seu diagnóstico de cancro - e já se tinha inclinado para questões sobre a etnia de Harris antes de Trump promover a ideia no palco do NABJ.
Trump elogiou recentemente Loomer durante uma conferência sobre criptomoedas, dizendo à multidão: "Ela é uma pessoa fantástica, uma ótima mulher".
Outra fonte próxima a Trump descreveu o ex-presidente como estando, aparentemente, "numa espiral", referindo-se diretamente à amplificação de múltiplas teorias da conspiração, expressando esperança de que o ex-presidente recupere o foco à medida que o novo rumo desta corrida à Casa Branca se torna claro.
“Há muitos de nós que dependem dele”, disse essa fonte próxima, “então é melhor que saia dessa [espiral]”.