O Presidente norte-americano diz que telefonou a Gavin Newsom só para o censurar pela forma como vem lidando com os protestos em Los Angeles. O governador da Califórnia diz que não recebeu chamada nenhuma, "nem um voice mail". Enquanto isso, o Donald Trump ameaça responder com dureza a qualquer manifestação durante o desfile militar de sábado em Washington. Verdade, mentira ou delírio — a retórica volta a conjugar-se com promessas de força
Da Sala Oval, o presidente Donald Trump lançou mais uma investida verbal contra o governador da Califórnia, Gavin Newsom. Falando aos jornalistas, Trump garantiu ter telefonado na véspera ao governador democrata para o criticar pela forma como este lidou com os protestos em Los Angeles. “Tem de fazer um trabalho melhor. Tem feito um mau trabalho, causando muitas mortes, ou potencial para tal”, atirou o Presidente, em tom grave.
A acusação, contudo, esbarra nos factos. As autoridades californianas não registaram qualquer vítima mortal nas manifestações que irromperam em resposta à intensificação das deportações ordenadas pela Casa Branca.
E, segundo Gavin Newsom, a alegada chamada telefónica nem sequer existiu. Nas redes sociais, o governador reagiu com veemência: “Não houve telefonema nenhum, nem sequer um voicemail. Os americanos deviam estar alarmados com o facto de um Presidente que está a mobilizar os Marines para as nossas ruas nem sequer saber com quem falou”.
Já o porta-voz de Newsom, Izzy Gardon, foi ainda mais literal. Garantiu ao “New York Times” que percorreu pessoalmente o registo do telemóvel do governador: “Sem chamadas perdidas. Sem mensagens de voz. Nada.” Segundo Gardon, a última vez que os dois, Presidente e governador, falaram foi na sexta-feira anterior.
Os protestos em Los Angeles têm sido em grande parte pacíficos, com milhares de pessoas a ocupar as ruas para denunciar as políticas de deportação da administração Trump. O epicentro das manifestações foi a zona de Boyle Heights, bairro historicamente latino e símbolo da resistência às medidas anti-imigração. Embora tenham ocorrido detenções pontuais e algumas confrontações com a polícia, as autoridades não registaram vítimas mortais nem episódios de violência generalizada.
Os outros, sempre os outros: “É gente que odeia o nosso país”
Entretanto, do centro do poder para as ruas da capital, Trump voltou a endurecer o discurso. Avisou, ainda esta terça-feira, e ainda na Sala Oval, que qualquer tentativa de protesto no desfile militar marcado para sábado, em Washington, será enfrentada com “força muito pesada”. “As pessoas que quiserem protestar vão ser recebidas com muita força. Nem sequer ouvi falar de um protesto, mas estamos a falar de gente que odeia o nosso país”, declarou Trump, evocando um clima de ameaça sem provas.
O desfile, que assinala os 250 anos do Exército dos Estados Unidos, deverá atrair centenas de milhares de pessoas, segundo Matt McCool, agente especial do Serviço Secreto encarregado da operação. O responsável revelou à agência Reuters que milhares de agentes, oficiais e especialistas de forças policiais de todo o país serão destacados para garantir a segurança do evento.
Apesar do aparato, nem o FBI nem a polícia metropolitana de Washington identificaram ameaças credíveis. Mas, em ano de eleições e com o termómetro político permanentemente em alta, a Casa Branca parece disposta a agir como se o perigo fosse iminente — faz parte da narrativa trumpista.
Nos Estados Unidos, os desfiles militares são eventos raros e carregados de simbolismo político. Ao contrário de países como a Rússia — ou até a França, falando de uma democracia —, onde a exibição de força nas ruas é tradição anual, a prática norte-americana tende a privilegiar o recato institucional. Desde os tempos de Eisenhower que os EUA evitam desfiles com armamento pesado em solo doméstico — uma regra quebrada pontualmente por Trump em 2019, quando promoveu o “Salute to America” (“"Saudação à América”), inspirado nos desfiles do Dia da Bastilha que presenciou em Paris.
A comemoração dos 250 anos do Exército é, por isso, mais do que uma efeméride militar: é também uma encenação do poder no espaço público.