Estou a tentar escrever este texto com a televisão ligada e não está fácil. Antes que me mandem fazer o óbvio, que é desligar o aparelho que me desconcentra, deixem-me explicar que quero escrever precisamente sobre aquilo que está a dar.
São anúncios, uns atrás dos outros, onde praticamente só se vê Donald Trump e Kamala Harris. E nunca numa luz favorável.
Tem sido assim à medida que avançamos pelos Estados tidos como decisivos. Pensilvânia e Michigan, é um martelar constante dos perigos que aí vêm se votarmos num dos candidatos.
Illionois? Nem por isso. É democrata dos quatro costados, não há nada para ver ali e portanto são anúncios normais a medicamentos e detergentes e seguros de saúde, como é costume no resto do ano, extra campanha.
Mas assim que entrámos no Wisconsin, voltámos à tortura. Anúncios desenhados especificamente para a comunidade local onde cada candidato é retratado como um perigo público: Kamala Harris aliou-se aos criminosos e escancarou as fronteiras. Uma jovem mulher conta como perdeu uma amiga assassinada por um gangue que entrou no país com a benção da atual vice-presidente.
Donald Trump vai acabar com a segurança social e deixar os velhinhos desprotegidos e vai estender a limitação dos direitos reprodutivos das mulheres a todo o país. Uma jovem mulher conta como perdeu uma amiga que morreu porque lhe foi recusado um aborto.
Quem vive nos Swing States está descontraidamente a ver uma série ou um concurso e a cada intervalo (e são imensos de cada vez) é lembrado que tem duas opções: ou vota num monstro, ou vota num monstro.
Nós sabemos que o exagero e a simplificação e a demagogia fazem parte do discurso político de campanha.
Mas aqui são levados ao exagero. Alguns destes anúncios dizem a verdade, mas uma percentagem muito significativa estica os limites do razoável com interpretações abusivas, descontextualizações grosseiras ou puras e simples mentiras. A mensagem é a mesma: tenha medo, tenha mesmo muito medo.
Dizem-nos os especialistas que a coisa ficou muito pior depois da eleição de 2016, que piorou para os dois lados e que uma vez no lodo, no lodo para sempre porque não há regras para o mudar.
A lei que se aplica neste caso é de 1934 e obriga as estações a passarem os anúncios sem qualquer forma de censura, desde que os candidatos estejam legalmente qualificados para concorrer a um cargo. Ou seja, vale tudo.
O mais curioso é que qualquer sabonete ou pacote de batatas fritas que queira promover-se na televisão, está legalmente obrigado a sustentar a sua publicidade em factos. Os políticos? Not really.
Há uns dias escrevi sobre os milhares de milhões que se gastaram nesta campanha eleitoral nos Estados Unidos. A democracia é um brinquedo caro e fazer de conta que não (como se gosta de fazer em
Portugal), é um perigo.
Mas torrar rios de dinheiro nesta luta de lama, como se faz por aqui, é ainda mais perigoso.
Se, no meio deste ruído, eu mal consegui chegar ao fim deste texto, imagino os eleitores que vivem nos swing states e ainda têm mais 24 horas disto pela frente. God bless them.