Rússia, China e Coreia do Norte: as ameaças que vão dominar a viagem de Biden à Ásia

20 mai 2022, 11:56

Biden está na Coreia do Sul, a seguir vai ao Japão. O mundo está de olhos postos na guerra na Europa, mas é na Ásia que estão os grandes desafios estratégicos dos EUA. Há 5 grandes dossiês sobre a mesa, que se resumem a duas questões: economia e segurança

Joe Biden chegou esta sexta-feira à Coreia do Sul, primeira etapa da sua primeira viagem à Ásia desde que é presidente dos Estados Unidos. Segue-se Tóquio, no Japão. Para além das reuniões bilaterais nos dois países, Biden tem prevista uma cimeira da Quad, a organização quadrilateral de segurança que junta as quatro grandes democracias do Indo-Pacifico: EUA, Japão, Índia e Austrália.

A viagem acontece num momento que a administração Biden considera “fulcral”, e pode ser crucial para definir os equilíbrios geopolíticos nesta zona do globo. Os EUA lideram a resposta das democracias ocidentais à agressão russa na Ucrânia e querem garantir o mesmo papel de liderança na Ásia-Pacífico, não apenas para fazer frente à Rússia, mas sobretudo à China, cujo poderio económico e militar é visto com crescente preocupação.

Com uma guerra a decorrer no Leste da Europa e tensões militares a crescer na Ásia - tanto pelas atitudes da China como pela renovada ameaça da Coreia do Norte -, as questões de segurança serão centrais durante os cinco dias da viagem de Biden. Mas com uma crise económica no horizonte, quando o mundo ainda nem se recompôs do impacto da Covid, o outro grande assunto dos próximos dias será o poder dos dólares. 

Eis os cinco dossiês a que deve estar atento na viagem de Biden:

  1. Rússia

A coligação de democracias liderada pelos EUA em defesa da Ucrânia contra a invasão russa tem contado com o apoio empenhado do Japão desde o primeiro momento e, embora de forma menos vocal, também da Coreia do Sul. O Japão faz parte do G7 e, nessa qualidade, tem incentivado e apoiado as sanções internacionais contra Moscovo; os sul-coreanos também têm acompanhado muitas dessas medidas. Biden quererá manter a coesão entre esta coligação, que tem contado também com outras democracias liberais do Pacífico, como a Austrália e a Nova Zelândia. 

Mais complexa é a posição da Índia. Apesar de ser a maior democracia do mundo, e parceiro dos EUA, Japão e Austrália na Quad, Nova Deli nunca condenou a invasão da Ucrânia. Neste aspeto, está mais próxima da ambiguidade de Pequim do que da clareza das grandes democracias liberais. 

A cautela indiana explica-se pelas históricas boas relações que mantém com Moscovo, o seu principal fornecedor de armamento. Para além desses laços, a Índia tem tentado aproveitar o conflito para retirar dividendos económicos: tem comprado a preço de saldo algumas matérias-primas russas - sobretudo petróleo -, o que já lhe valeu avisos menos amistosos da parte de Washington. A recente tensão entre a administração Biden e o governo de Narendra Modi pode ensombrar o ambiente na cimeira da Quad. Mas os EUA, que precisam de manter a Índia na trincheira das democracias, têm tentado seduzir Nova Deli com a promessa de ajudar a economia indiana a diversificar as fontes energéticas, mas também com a disponibilidade para substituir a Rússia enquanto grande fornecedor da armas. 

  1. China

Uma das razões por que os Estados Unidos e alguns países do Pacífico, como o Japão, estão particularmente empenhados em penalizar a Rússia pela invasão da Ucrânia é a China: se ficar claro, no conflito europeu, que “o crime não compensa”, talvez isso seja suficiente para dissuadir a Pequim de qualquer abordagem mais musculada em relação a Taiwan. A barragem de sanções que os EUA e os seus aliados têm imposto a Moscovo serve como aviso para a China, caso queira retirar lições do que se passa na Ucrânia para uma eventual invasão de Taiwan.

A ilha rebelde - que formalmente nunca deixou de ser território chinês, mas tem autogoverno democrático desde 1949 - é uma pedra no sapato para Xi Jinping, que esmagou a democracia de Hong Kong e já assumiu o desejo de ser o líder que consegue a reunificação de todo o território chinês.

A China tem aumentado a presença militar no Estreito de Taiwan, de forma bastante ostensiva, mas também nas águas do Mar do Japão, o que tem motivado algumas interações diplomáticas mais ásperas com Tóquio. E há muitos outros países da região em relação aos quais Pequim tem engrossado a voz, reivindicando direitos marítimos sem reconhecimento internacional, das Filipinas à Malásia. A defesa do status quo no Mar do Sul da China e no Mar da China Oriental é uma das exigências dos EUA e de vários países do Pacífico, contra uma Marinha de guerra e uma frota pesqueira chinesas cada vez mais ousadas. O recente acordo de segurança entre Pequim e as Ilhas Salomão - que poderá permitir à China ter bases navais permanentes muito perto da Austrália - foi mais uma demonstração da ambição chinesa em relação ao Pacífico e ao alargamento da sua zona de influência. 

  1. Novo quadro de cooperação económica

Uma das formas como a China expandiu essa zona de influência nos últimos anos foi através do seu poderio económico. Segunda potência económica global, o investimento direto estrangeiro da China na última década permitiu-lhe tecer uma rede de cumplicidades não só na Ásia-Pacifico, mas também nas duas costas de África, na América do Sul e até na Europa. Portugal conhece bem essa realidade, com a compra de empresas estratégicas por capital chinês. Mas esse movimento foi ainda mais notório em países da Europa Central e do Leste, com fortes investimentos chineses em infraestruturas, através da iniciativa Belt and Road.

Nesta viagem asiática, Joe Biden leva na mala o Quadro Económico do Indo-Pacifico (QEIP), uma proposta de nova parceria económica com os países da região que tem como principal objetivo responder ao ascendente que a China conseguiu nesta frente nos últimos anos. 

Não é por acaso que a primeira paragem de Biden depois de aterrar em Seul foi uma visita à fábrica de semicondutores da Samsung - a maior fábrica de chips do mundo. A escassez global de semicondutores é vista com enorme preocupação pelos EUA, e Biden quis assinalar o facto de Samsung se preparar para investir numa grande fábrica de chips no Texas.

 Estabilizar as cadeias mundiais de distribuição, em particular de tecnologia de ponta, como semicondutores, é uma das prioridades dos investimentos previstos por Washington no QEIP. Não se trata apenas de contrariar as perturbações das cadeias globais de abastecimento, mas em especial garantir que a indústria dos EUA e dos seus parceiros fica protegida dessas falhas, mas também que deixa de ficar dependente dos fornecimentos oriundos da indústria chinesa.

Outro ponto significativo na agenda de Biden na Coreia do Sul é a reunião com o presidente da Hyundai. O fabricante automóvel anunciou no início desta semana que vai construir uma nova fábrica de carros elétricos nos EUA - eis outros dois objetivos da parceria económica que os EUA propõe para o Indo-Pacifico: investimentos mutuamente vantajosos, que permitam a reindustrialização dos EUA com prioridade para a descarbonização.

Falta conhecer melhor os pormenores deste programa económico, que já foi apresentado em linhas gerais aos dez países da ASEAN (a associação económica do Sudeste Asiático) e agora será levado a Seul e a Tóquio. Ambos os países já se mostraram interessados em aderir. E até Taiwan poderá vir a integrar o futuro Quadro Económico do Indo-Pacifico. Por muito que isso melindre a China. 

 

  1. Coreia do Norte

Se os serviços de espionagem norte-americanos e sul-coreanos estiverem corretos, é possível que Joe Biden seja recebido com estrondo na sua primeira visita à península coreana. Tudo indica que a Coreia do Norte estará a preparar-se para fazer testes de armamento enquanto Biden está no vizinho do Sul. Poderá ser mais um ensaio de um míssil balístico, como os quinze que já aconteceram este ano, mas também poderá ser um teste nuclear. Se assim for, será o primeiro ensaio nuclear de Pyongyang, desde que em 2018 se auto impôs uma moratória nos testes nucleares e destruiu os túneis onde estavam a ser conduzidas essas experiências. Um desses túneis já terá sido reconstruído e Kim Jong-un estará em condições de avançar para o oitavo teste nuclear do seu país.

Se um destes ensaios acontecer durante a viagem de Biden, será a primeira vez na história que a Coreia do Norte faz uma manobra dessas enquanto um presidente norte-americano está na Península da Coreia. Um sinal de que Kim Jong-un está apostado em mostrar força militar, ainda que o seu país se confronte com um surto de covid que parece descontrolado, num país sem vacinas nem medicamentos, que recomenda chás e gargarejos de água salgada contra o novo coronavírus.

Os EUA já propuseram novas sanções à Coreia do Norte, por causa da nova escalada armamentista, mas no atual cenário de guerra na Europa, nem a Rússia nem a China - aliados de Pyongyang - deixarão passar essa proposta no Conselho de Segurança da ONU. 

E Kim Jong-un não mostra qualquer sinal de interesse em negociar com os Estados Unidos ou com a Coreia do Sul. No seu discurso de tomada de posse, na semana passada, o novo presidente sul-coreano propôs um grande pacote de ajuda ao norte, em troca da desnuclearização do país, mas Kim nem se deu ao trabalho de responder.

 

  1. Cooperação militar

Perante a tempestade perfeita do conflito na Europa, ascensão da China, e regresso da ameaça norte-coreana, tanto o Japão como a Coreia do Sul mostram-se mais interessados do que nunca em reforçar a cooperação militar com os Estados Unidos.

Fumio Kishida, o primeiro-ministro japonês, tem dado sinais de querer dar passos com os EUA para reforçar a capacidade de dissuasão das Forças de Auto-Defesa nipónicas, mas também reforçar os meios de resposta a ataques. Apesar de o Japão ter uma Constituição pacifista, que proíbe o recurso à guerra, o PDL, o partido de Kishida, propôs que o país possa ter capacidade de atacar bases militares inimigas - alegadamente como ato de defesa, e não de ataque. A necessidade desse reforço das capacidades militares do Japão tornou-se mais premente após a invasão russa da Ucrânia.

Também na Coreia do Sul um dos assuntos do momento é o reforço do arsenal militar - neste caso, de olhos postos sobretudo no vizinho do Norte. Yoon Suk Yeol, o novo presidente do país, foi eleito com um discurso de facão em questões de segurança e defesa, e chegou a prometer a compra de um novo sistema de mísseis aos Estados Unidos para reforçar a capacidade dissuasora do país. Essa promessa, entretanto, não consta das prioridades apresentadas no arranque do novo governo, mas há uma outra hipótese que tem sido bastante discutida em Seul: o país poder albergar nas suas bases militares mísseis nucleares dos Estados Unidos, tal como acontece nalguns países membros da NATO.

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