Zara morreu com dois anos, Sara tinha meses. Ayla foi salva por um tratamento inovador que começou quando ainda estava na barriga da mãe

CNN Portugal , MJC
10 nov 2022, 12:57
Ayla com os pais (DR/ CHEO - Children's Hospital of Eastern Ontario(

Ayla tinha doença de Pompe infantil grave, uma doença hereditária fatal. Duas das suas irmãs morreram com esta doença. Mas, graças a um tratamento invovador, Ayla conseguiu sobreviver e tem agora 16 meses

Depois de terem assistido à morte de duas filhas bebés com uma doença genética, Sobia Qureshi e Zahid Bash decidiram experimentar um tratamento inovador: a introdução de uma enzima, ainda durante o desenvolvimento da sua bebé, através do cordão umbilical, interrompendo assim uma doença hereditária fatal. Ayla Bashir tem agora 16 meses e está a desenvolver-se normalmente. O seu caso foi relatado num artigo publicado esta quarta-feira no New England Journal of Medicine.

A Pompe infantil grave é uma disfunção genética que pode ser fatal no primeiro ano de vida.  Os médicos norte-americanos esperam que esta experiência possa abrir caminho para tratamentos fetais que alterem a evolução de uma variedade de doenças genéticas graves, incluindo hemofilia e atrofia muscular espinal, e evitem a necessidade de cuidados médicos ao longo da vida. Na sequência deste caso, um outro feto foi já tratado com enzimas para outra doença, a síndrome de Hunter, antes do nascimento. Nasceu a 27 de outubro e está ainda sob monitorização, segundo o The New York Times.

Sobia Qureshi, de 37 anos, é do Paquistão e Zahid Bashir, de 41, do Canadá. Casaram-se em 2008, moram em Otava e queriam ter uma família grande. A primeira filha, Zara, nasceu em 2011 e, logo que foi detetada a doença, iniciou tratamentos intensivos, com enzimas, que duraram até aos dois anos e meio, mas não conseguiu resistir. Em 2016, Sobia voltou a engravidar e os testes pré-natais revelaram que a bebé sofria da mesma doença. O casal decidiu rejeitar a terapia enzimática, optando apenas pelo tratamento paliativo. "Foi uma decisão muito, muito difícil", disse Qureshi. “Mas não havia esperança lá fora, e não queríamos que ela sofresse.” Sara morreu quando tinha 8 meses. 

Sobia Qureshi e Zahid Bashir viram como os músculos das suas bebés enfraqueceram progressivamente, retirando-lhes a capacidade de se moverem até que, incapazes de engolir e de respirar, e com o músculo cardíaco tão espesso que seus corações não conseguiam bombear o sangue, morreram.

No início de fevereiro de 2020, Sobia Qureshi estava grávida novamente e um teste pré-natal indicou que aquele feto também tinha grave doença de Pompe. O casal decidiu que, desta vez, queria fazer o tratamento, na esperança de ter havido, entretanto, evolução na investigação médica.

Um tratamento inovador

A ideia do tratamento que salvou Ayla foi de Tippi MacKenzie, cirurgiã pediátrica da Universidade da Califórnia, em São Francisco, EUA. Tippi MacKenzie estava habituada a acompanhar bebés com esta doença desde os anos 1990. "O único conselho que, naquela altura, podíamos dar aos pais era: ‘Esta é uma doença letal. Vá para casa e aproveite o seu bebé.'” Como não suportava esse sentimento de impotência, decidiu investigar. 

Existem condições genéticas raras nas quais a ausência de uma enzima leva a uma acumalação de substâncias tóxicas nas células. Algumas dessas doenças – incluindo a Pompe infantil grave – podem ser tratadas com a infusão da enzima ausente, começando o tratamento imediatamente após o nascimento.

Os primeiros bebés que receberam a infusão de enzimas não sobreviveram porque tinham uma forma mais grave da doença e o sistema imunológico não reconhecia as enzimas e combatia-as. A médica percebeu que, nestes casos, era necessário suprimir o sistema imunitário. Depois de tratar cerca de 70 bebés, ela pode dizer com confiança que encontrou uma maneira de as ajudar. As crianças ainda estão vivas – a mais velha tem cerca de 12 anos – mas muitas vezes têm fraqueza muscular.

O problema era que a doença infantil de Pompe grave manifesta-se ainda durante o desenvolvimento fetal, provocando danos irreversíveis: os músculos destruídos nesse período não podem ser restaurados. O melhor que pode acontecer, dizem os médicos, é que a destruição seja interrompida ou retardada após o nascimento. E para alguns bebés, como Zara, um atraso no diagnóstico pode significar que a doença chegou a um ponto sem retorno. Portanto, perceberam que seria necessário introduzir a enzima em falta ainda durante o desenvolvimento fetal (neste período, o feto ainda não produz anticorpos) e, após o nascimento, iniciar a supressão imunológica.

Foram feitos os primeiro testes em ratos e, em 2020, a médica conseguiu a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) para realizar testes clínicos. Ayla foi o seu primeiro caso de sucesso. 

O tratamento iniciou-se na semana 24 de gestação. Na semana 36, todas as indicações eram de que Ayla estava a desenvolver-se normalmente. A bebé nasceu a 22 de junho de 2021. Ayla é a quinta filha do casal, mas apenas a terceira a sobreviver.

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