Biden no Estado da União: “[Putin] não faz ideia do que aí vem”

2 mar 2022, 03:36

Presidente dos EUA aproveitou o discurso mais importante do ano para anunciar o encerramento do espaço aéreo a todos os aviões russos. Biden prometeu “ir atrás” das elites russas e defender o povo ucraniano, cuja resistência elogiou. Porém, advertiu que os EUA não estão na Europa para entrar na guerra da Ucrânia, mas para defender “cada centímetro de território da NATO”. Com a coligação das democracias, o “ditador russo” está “mais isolado do que nunca”

Joe Biden anunciou esta noite, no discurso do Estado da União, perante as duas câmaras do Congresso dos EUA, o encerramento do espaço aéreo norte-americano a todos aviões russos, e prometeu continuar a liderar uma ampla coligação internacional em resposta à invasão da Ucrânia pela Rússia, num confronto apresentado como de democracias contra tirania. 

O alvo de Biden foi Putin, a quem se referiu como o “ditador russo”, mas também toda a elite russa que sustentou e apoiou Putin ao longo dos anos. “Vamos atrás de vocês”, prometeu o presidente norte-americano. “Esta noite, digo aos oligarcas russos e líderes corruptos, que sacaram biliões de dólares graças a este regime violento: acabou!”

No seu primeiro discurso do Estado da União, Biden acabou por se focar no conflito da Ucrânia, fazendo um duríssimo ataque a Vladimir Putin e louvando a capacidade de coordenação de países de várias partes do mundo - América do Norte, Europa, África e Ásia - para impor sanções à Rússia e apoiar a resistência dos militares e do povo ucraniano. “Até a Suíça!”, salientou Biden. Um apoio que, assegurou Biden, irá continuar, pois é essa a lição que o passado ensina.

“Ao longo da História aprendemos esta lição: quando os ditadores não pagam pela sua agressão, causam mais caos. Continuam a avançar. E os custos e ameaças para a América e para o Mundo continuam a crescer”.

Num discurso que foi testemunhado pessoalmente pela embaixadora da Ucrânia em Washington, que estava sentada à direita da primeira-dama, Jill Biden, e que foi alvo de uma ovação de pé de todos os presentes, o presidente norte-americano elogiou a determinação “de ferro” dos ucranianos. “Putin fez um terrível erro de cálculo”, achou que invadiria a Ucrânia e “o mundo rebolaria”. No entanto, deparou com “um muro de força que nunca imaginou que enfrentaria: o povo ucraniano”. “Nós nos EUA estamos do lado do povo ucraniano”, prometeu Biden.

Oksana Markarova, embaixadora da Ucrânia, com Jill Biden
Oksana Markarova, embaixadora da Ucrânia, com Jill Biden

EUA não entram na guerra da Ucrânia

 

Apesar da declaração de apoio aos ucrânmianos (incluindo com dólares e material de guerra), e da determinação em levar ainda mais longe as sanções à Rússia, Biden deixou bem claro que os EUA não entrarão em combates na guerra da Ucrânia. “As nossas forças não estão envolvidas, e não estarão envolvidas em conflito com as forças russas na Ucrânia”, assegurou o presidente americano. 

“As nossas forças não vão para a Europa para combater na Ucrânia, mas para defender os nossos aliados da NATO se Putin decidir continuar a avançar para Oeste”, garantiu Biden. Que elevou o compromisso a uma promessa: “Vamos defender cada centímetro de território da NATO.”

Mas o discurso de Biden deixou antever um agravamento do conflito, com eventuais progressos das forças invasoras de Moscovo. O Pentágono prevê que, perante o fraco desempenho russo na primeira semana de guerra, o Kremlin ordene novos ataques, com mais efetivos e maior violência. Foi esse cenário que perpassou numa frase de Biden: “Putin pode conseguir ganhos no campo de batalha, mas pagará um preço elevado no longo prazo.”

 

“A NATO importa, a diplomacia importa”

 

Biden insistiu na responsabilidade de Putin e na capacidade de resposta dos EUA e das democracias ocidentais: “A guerra de Putin foi premeditada e não provocada. Ele rejeitou os esforços diplomáticos. Pensou que o Ocidente e que a NATO não iriam responder. E pensou que nos conseguiria dividir aqui em casa. Achou que nos podia dividir na Europa. Mas Putin estava errado. Nós estamos preparados. Estamos unidos e continuamos unidos. Preparámo-nos.”

Depois dos anos em que Trump namorava Putin e dinamitava a confiança na NATO e nas tradicionais alianças ocidentais, Biden fez o elogio dessas alianças, salientando o papel dos EUA no mundo, e em particular no âmbito da NATO.

A Nato “importa, a diplomacia americana importa, a determinação americana importa”, afirmou, lembrando os meses que Washington passou a “preparar coligações com outros países que amam a liberdade”. 

 

Putin “mais isolado do que alguma vez esteve”

 

“Combatemos as mentiras russas com a verdade”, e em consequência dessa denúncia e dessas alianças, “Putin está mais isolado do mundo do que alguma vez esteve” - foi um dos momentos em que se ouviu um grande aplauso, com boa parte da audiência em pé.

“Juntamente com os nossos aliados estamos a impor sanções poderosas”, assegurou Biden, com vista a enfraquecer a economia russa, vedar o acesso a tecnologia, e aumentar a fatura do esforço de guerra de Moscovo.

“Ele não faz ideia o que aí vem”, disse Biden, numa aparente referência ao homem que governa o Kremlin. “A economia russa está em ruínas e a responsabilidade é exclusivamente de Putin”.

Preparando desde já a opinião pública para um confronto que poderá ser longo, com revezes, e com consequências alargadas, Biden garantiu que, no final, "vamos ficar bem". Quando esta história desta guerra for escrita, disse Biden, “a guerra de Putin na Ucrânia terá deixado a Rússia mais fraca e o resto do mundo mais forte”. Mas as consequências não se limitarão às fronteiras dos contendores. “Um ditador russo a invadir um país estrangeiro tem custos por todo o mundo.”

 

“Made in America” contra a crise económica

 

No seu primeiro discurso do Estado da União, Biden tencionava focar-se na resposta à pandemia nos EUA, e nos planos do governo para relançar a economia e responder à subida da inflação, mas a invasão russa à Ucrânia acabou por ser o tema central da intervenção. Porém, toda a segunda parte do seu discurso foi virada para a política interna. Olhou em particular para as questões económicas, mas não só: apresentou todas as grandes prioridades da sua agenda política, desde a reforma dos seguros públicos de saúde à reforma das polícias, passando pelo direito das mulheres ao aborto e pela defesa dos direitos cívicos, que estão sob ameaça em estados governados pelos republicanos. 

Mas a economia foi um dos pratos fortes do discurso sobre o estado dos EUA. Mesmo antes da invasão russa da Ucrânia, o crescimento da inflação já era visto como o maior risco para a recuperação económica mundial e dos EUA. Após a invasão, essa escalada tornou-se ainda mais grave, devido ao aumento dos preços da energia, mas também de inúmeras matérias-primas e de comida - desde logo, com os preços do trigo a disparar (a Rússia e a Ucrânia fornecem um terço do trigo vendido no mundo). O conflito militar também está a contribuir para agravar as disrupções na cadeia global de abastecimentos - e tudo junto pressiona ainda mais a subida dos preços de quase tudo. A resposta prometida por Biden é depender menos de importações, substituindo-as por produção americana.

"Temos uma escolha. Uma forma de combater a inflação é baixar os salários e tornar os americanos mais pobres. Tenho uma ideia melhor para combater a inflação: baixar os custos, e não os salários. Fazer mais carros e semicondutores na América, mais infraestrutura e inovação na América. Mais bens a circular mais depressa e mais baratos na América. (...) Em vez de contar com cadeias de abastecimento estrangeiras, vamos fazê-lo na América.” Para além de uma ovação de pé, ouviam-se gritos de “EUA! EUA! EUA”. 

“O meu plano de luta contra a inflação irá baixar os custos e diminuir o défice".

A inflação é uma das razões para as baixas taxas de aprovação de Biden nas sondagens de opinião, e o Estado da União costuma ser um bom momento para os presidentes apresentarem a sua narrativa, com todo o aparato do poder, e relançar a sua imagem. Isso é tanto mais importante para Biden quando há eleições intercalares em novembro, nas quais os democratas correm o risco de deixar de controlar as duas câmaras do congresso. Se perder a maioria mínima que tem no Senado - que só é possível com o voto de qualidade da vice-presidente - o Partido Democrata de Biden ficará de mãos atadas para fazer avançar a agenda presidencial. 

Com Trump ainda a dominar o Partido Republicano, Biden fez o contraste com o seu antecessor. Ao contrário dos cortes de impostos da anterior administração - que segundo Biden só beneficiaram os mais ricos dos mais ricos -, as medidas do atual governo “não deixam ninguém para trás”, prometeu o inquilino da Casa Branca. Lembrou que em 2021 foram criados “mais empregos num ano do que alguma vez antes na história dos EUA”, louvou “o mais forte crescimento em 40 anos”, e apelou aos republicanos para que deixem de bloquear as medidas económicas da Casa Branca. Biden pediu um consenso bipartidário para os planos de infraestruturas, de reindustrialização, com fábricas de nova geração, e de relançamento da economia - mas, nesta parte, os aplausos chegaram apenas do lado democrático, não dos republicanos.

É mais fácil a Biden unir os dois partidos no combate a Putin (e mesmo nessa frente há cada vez mais republicanos a reproduzir os argumentos do Kremlin) do que em medidas para combater a crise económica que está pela frente.

“Esta é a hora”, disse Biden no final do discurso. “Este é o nosso momento de superar os desafios do nosso tempo e vamos fazê-lo, como um povo, uma América”. Uma parte da América representada no Congresso levantou-se para o aplaudir, outra não se levantou nem aplaudiu.

E.U.A.

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