Mulheres ganham menos 17% que os homens

Agência Lusa , PP
13 mar 2022, 10:47
Trabalho

Apesar da diferença, o diferencial remuneratório entre homens e mulheres tem vindo a diminuir ao longo dos anos. Conclusão é de um estudo coordenado pelo ISEG

O diferencial remuneratório entre homens e mulheres tem vindo a diminuir ao longo dos anos, mas persiste uma desigualdade salarial de 17,2%, conclui um estudo coordenado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) da Universidade de Lisboa.

Segundo o projeto “Gender Pay Gap-E”, apresentado esta segunda-feira, a diferença na remuneração base situava-se, em 2019, último ano com dados estatísticos disponíveis, nos 14,1%, enquanto essa discrepância aumenta para os 17,2% se for considerado o salário base mais os prémios e subsídios regulares por trabalho suplementar.

“A este resultado não é alheio o progressivo aumento do salário mínimo nacional, uma vez que este é sobretudo auferido por mulheres”, é referido no relatório.

A escolaridade das mulheres empregadas é superior à dos homens empregados, mas as mulheres estão sobre-representadas nos ramos de atividade económica e nas profissões menos valorizadas e remuneradas, enquanto a situação é a inversa em cargos de gestão de topo.

Se esta “segregação sexual horizontal” fosse eliminada, o diferencial remuneratório seria reduzido em 35%, conclui o estudo coordenado pelo ISEG, em parceria com o Centro de Matemática Aplicada à Previsão Decisão Económica e o Centro de Estudos para a Intervenção Social, elaborado para estimar os benefícios sociais e económicos da igualdade salarial entre mulheres e homens.

Quando são avaliados os ganhos de homens e mulheres com atributos semelhantes em termos de capital humano, fatores como a idade, escolaridade ou antiguidade, o diferencial é mais elevado do que quando esses elementos não são calculados, sobretudo nos casos de trabalhadores a tempo inteiro.

O estudo sublinha que a sobre-escolarização das mulheres relativamente aos homens empregados contribui para a redução dessa diferença em praticamente 20%.

“Se o emprego das mulheres e dos homens se distribuísse equitativamente por ramos de atividade económica, profissões e níveis de qualificação, o diferencial remuneratório diminuiria em 42%”, é acentuado no documento.

Na análise, constata-se que “a parcela não explicada do diferencial remuneratório em desfavor das mulheres sugere a persistência de estereótipos de género que enviesam os processos de avaliação das componentes de funções e do respetivo valor do trabalho”.

De acordo com o estudo, o trabalho a tempo parcial é uma modalidade feminizada, enquanto o trabalho noturno, que confere direito a subsídios específicos, é uma modalidade na qual predominam os homens.

Os estereótipos que associam a mulher ao papel de cuidadora “estão na base de assimetrias”, por serem sobrecarregadas com trabalho não pago e os homens terem maior disponibilidade para estender horários de trabalho e receberem mais prémios de produtividade ou assiduidade.

São também as mulheres as mais atingidas pela precariedade dos vínculos contratuais, pela insegurança de emprego e pelo trabalho a tempo parcial, colocando-as em situação de maior vulnerabilidade.

Igualdade salarial entre homens e mulheres atenuaria a pobreza

Caso a igualdade remuneratória entre homens e mulheres fosse uma realidade, existiria uma maior proteção face à pobreza monetária e potenciaria o crescimento económico, favorecendo a participação feminina na atividade económica, concluiu o projeto.

Segundo o estudo a partir da análise de microdados resultantes do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), a taxa de incidência de pobreza diminuiria entre três a cinco pontos percentuais.

“Com a eliminação do Diferencial Remuneratório entre Homens e Mulheres (DRHM), as remunerações das mulheres seriam superiores em cerca de 35%. Numa situação de igualdade nas prestações mensais de velhice, as mulheres teriam um acréscimo nas suas prestações de aproximadamente 60%”, diz o documento, com base na observação dos dados de 2006, 2012 e 2018, os últimos disponíveis.

Numa situação hipotética de igualdade nas remunerações e nas prestações, o decréscimo na incidência da pobreza teria sido mais acentuado nos agregados constituídos por mulheres que vivem sós, seguindo-se os agregados monoparentais, especialmente aqueles em que o elemento adulto é do sexo feminino.

De acordo com o mesmo estudo, o decréscimo da incidência da pobreza seria ainda notado nos agregados familiares com crianças, em particular no caso das mulheres que integram estes agregados, e diminuiria também no caso dos agregados constituídos por pessoas pensionistas, em particular no que se refere às mulheres, e por pessoas idosas em geral, sobretudo no caso das mulheres idosas.

“Numa perspetiva territorial, em 2018 a Região Autónoma da Madeira seria aquela que registaria o maior decréscimo na pobreza com a eliminação da desigualdade remuneratória entre homens e mulheres”, é salientado no estudo.

No caso das trabalhadoras por conta de outrem, “a quase totalidade (99,7%) das mulheres trabalhadoras” veriam as suas remunerações aumentadas caso o diferencial do valor pago fosse eliminado.

O mesmo documento prevê que “por cada ponto percentual de diminuição no DRHM, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita nacional cresceria 1,4%”.

Considerando o diferencial remuneratório de 2019, 17%, a eliminação dessa assimetria, e num “cenário de igualdade, em que a proporção de mulheres em regime de trabalho a tempo parcial diminui de forma a igualar a dos homens neste mesmo regime, e a taxa de atividade das mulheres aumenta de forma a igualar a dos homens, geraria um crescimento de 4,0% do PIB per capita”.

Esse aumento, relativamente ao PIB, corresponderia “a 7,56 mil milhões de euros, supondo constante o número de habitantes”.

O efeito é explicado com o estímulo à diminuição do número de mulheres que, em idade ativa, estão fora do mercado de trabalho, embora em Portugal a taxa de emprego feminino seja “relativamente elevada”.

A análise feita pelo ISEG, em parceria com o Centro de Matemática Aplicada à Previsão Decisão Económica e o Centro de Estudos para a Intervenção Social, elaborado para estimar os benefícios sociais e económicos da igualdade salarial entre mulheres e homens, reforça que a eliminação do DRHM originaria um incremento da população economicamente ativa e esse capital humano levaria a um “reforço da capacidade produtiva do país”.

Os benefícios da eliminação da barreira do “gender pay gap”, segundo o documento a apresentar segunda-feira, passam pela melhoria da competitividade das organizações, uma vez que as qualificações escolares das mulheres são superiores às dos homens, pelo incremento do poder de compra das mulheres e do rendimento disponível das famílias, pelo reforço dos sistemas fiscal e de segurança social, por via do aumento das contribuições, pela maior proteção às mulheres em relação à violência de género, resultante de uma maior independência financeira, e pela melhoria da qualidade de vida das famílias.

Combate à desigualdade salarial de género exige ações em diferentes áreas

A eliminação do diferencial remuneratório entre homens e mulheres (DRHM) exige a mobilização e ações concretas de atores estratégicos em diferentes áreas, defende o estudo.

Segundo o projeto “Gender Pay Gap-E”, coordenado pela investigadora Sara Casaca, esse papel cabe ao Estado, através de políticas públicas, mas também aos organismos públicos, aos parceiros sociais e da concertação social, às entidades empregadoras e à academia e instituições judiciais.

“O Plano para a Igualdade entre Mulheres e Homens (PIMH) deve ser encarado como um instrumento estratégico de promoção da igualdade de facto entre mulheres e homens nos locais de trabalho”, preconiza o estudo.

De acordo com o documento, Portugal beneficiaria da existência de “um instrumento legislativo integrado que reunisse, de forma articulada e coerente, medidas promotoras da igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho, designadamente da igualdade remuneratória”.

A desconstrução de estereótipos de género é uma das prioridades e o estudo sugere o aumento das licenças “de uso obrigatório, exclusivas, não transferíveis e pagas integralmente” para os homens quando são pais, uma forma de acelerar a “igual participação de mulheres e de homens no trabalho pago e no trabalho não pago de cuidado e doméstico”.

O mesmo documento advoga a definição do conceito de transparência remuneratória e a disponibilização de instrumentos que permitam a sua operacionalização, dando como exemplo a obrigatoriedade de as entidades empregadoras informarem nos anúncios de emprego, ou antes da entrevista de seleção, sobre os respetivos níveis remuneratórios.

É ainda sublinhada a necessidade de “acautelar a precisão técnica, jurídica e procedimental da lei”, para que seja clara e sem margem para diferentes interpretações”, além de se recomendar tornar obrigatório proceder à realização de uma autoavaliação exaustiva das remunerações de mulheres e de homens, de forma a ter mais uma ferramenta para “um diagnóstico organizacional mais abrangente que permita a comparação detalhada das condições laborais e profissionais”, a que se deverá seguir a elaboração do PIMH.

O projeto, que também visa apresentar propostas de intervenção concreta para eliminar o diferencial salarial entre homens e mulheres, aventa a atribuição de uma majoração, em caso de candidaturas a fundos europeus, a entidades empregadoras com mais de 50 trabalhadores que tenham obtido certificação ao abrigo da norma portuguesa “Sistema de Gestão para a Igualdade Remuneratória entre Mulheres e Homens”, com publicação prevista para 2023.

A formação de agentes envolvidos nas negociações coletivas, a partilha de boas práticas e anular designações não inclusivas do ponto de vista do género são outras propostas avançadas no documento que avaliou os benefícios sociais e económicos da igualdade salarial entre mulheres e homens.

É ainda mencionada a necessidade de melhorar as fontes estatísticas, com informação que indique as remunerações base e globais, tanto no setor público como no privado, e sugerida a criação de um Grupo de Trabalho Setorial que monitorize um plano salarial de igualdade, no caso dos parceiros sociais.

A elaboração voluntária de auditorias regulares às remunerações, nas organizações com mais de 25 trabalhadores, é outra das propostas, assim como a organização de toda a informação relevante desagregada por sexo.

Nas instituições de ensino superior, especialmente nas cadeiras de recursos humanos e na área do Direito, é recomendado no documento que a formação tenha em atenção a temática das desigualdades de género.

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