E. Amadora-F.C. Porto, 2-3 (crónica)

21 mai 2001, 23:22

Prozac à solta no baile dos deprimidos

De vez em quando o futebol teima em desmontar-nos as ideias feitas, entregando-se assim, em estado puro, a fazer lembrar as verdadeiras razões para o seu sucesso universal. A vitória do F.C. Porto (3-2) na Reboleira foi tudo aquilo que não se poderia esperar deste jogo, não pelo desfecho, mas pelo empolgamento resultante de um jogo que parecia condenado ao caixote de lixo da história.  

Mandava a mais elementar das lógicas prever um jogo deprimente, entre duas equipas igualmente deprimidas, embora por razões diferentes. O cenário, já se sabe, não sugeria outra coisa: as bancadas semi-desertas do estádio José Gomes não são propriamente uma benção para a vista nem um estímulo para os artistas. 

Mas quando todos aguardavam entre bocejos um triste baile, em jeito de clube dos corações solitários, eis que o futebol ele-mesmo se encarregou de distribuir Prozac a torto a direito pelos intervenientes. E estes, num ápice, descobriram-se a construir 90 minutos de puro e apreciável gozo.  

Postos de lado os rigores excessivos, as pressões da tabela e o medo, o futebol surgiu na forma mais simples e cativante: 22 jogadores com espaço e tempo para tratarem a bola o melhor que soubessem, sem os técnicos a massacrar-lhes os ouvidos a cada movimento. As balizas, não excessivamente tapadas por florestas de pernas e instruções de última hora, eram um alvo mais visível do que em outras ocasiões mais competitivas. E o orgulho, apenas o orgulho, tornou-se a principal alavanca para tudo o que aconteceu depois. 

O entusiasmo como argumento táctico 

Não vale a pena entrar em dissecções tácticas, análises estatísticas e outros expedientes utilizados para preencher jogos sonolentos. Basta apenas dizer que o Estrela, como habitualmente, não se furtou a jogar o jogo pelo jogo, com três homens na frente e um médio alimentador, de bons argumentos (Tiago Lemos). E que o F.C. Porto, condicionado pelos castigos, apresentou um esquema sem ponta-de-lança, que apostava na mobilidade de Capucho e Clayton para compensar a falta de uma referência ofensiva, com Cândido Costa e Folha a fazerem os seus papéis nos flancos.  

Como, felizmente para o espectáculo, não demoraram a aparecer falhas defensivas (Ariomar e Esquerdinha já tinham ganho evidência por esse lado, ao fim de 15 minutos), o jogo não demorou a beneficiar da abundância (excesso, dirão os puristas) de criativos. Semedo, Deco e Capucho deram os primeiros sinais, mas foi Cristóvão a criar as primeiras ameaças, ganhando o duelo com Esquerdinha por falta de comparência do adversário. 

Até ao intervalo, o Estrela esteve sempre mais perigoso e entusiasmado. Uma bola na trave, por Cristóvão, e uma defesa difícil de Ovchinnikov, a remate de Gaúcho, foram os seus pontos altos. O Porto, tratando bem a bola, não conciliava os rendilhados com eficácia ofensiva, perdendo velocidade e peso à medida que se aproximava da área. Mas, fazendo jus à sua condição de equipa simpática, o Estrela continuava a demonstrar uma irritante tendência para desperdiçar ocasiões. Os aplausos do público pareciam chegar-lhe... 

Fernando Santos rectifica o tiro 

Ao intervalo, Fernando Santos decidiu colocar um homem na área (Maric), libertando Capucho e Clayton para as zonas onde rendem mais e colocando Pavlin no surpreendente papel de médio mais avançado, talvez à espera de tirar partido do seu bom remate (já lá vamos...). Do outro lado, Carlos Brito limitava-se a trocar Ariomar por Raúl Oliveira, não por qualquer subtileza táctica mas apenas por aparente bom senso. 

Mas apesar de subir de rendimento, o F.C. Porto foi o primeiro a cair, por vícios anunciados na primeira parte. Esquerdinha, novamente fora do lance, deixou Cristóvão ir à sua sorte, tirar Deco da frente e assinar um golo muito bonito. A equipa que até aí mais se entregara ao jogo colhia uma primeira recompensa, acentuada pela euforia dos adeptos que, à imagem do mesmo gozo infantil com que os jogadores ensaiavam brilharetes, se pôs a brindar a equipa das Antas com olés e olás. 

Erro fatal. Mesmo deprimido, mesmo a viver do Prozac, o F.C. Porto reage mal a essas afrontas. Depois de algumas entradas duras para mostrar que ainda estavam na luta, os portistas começaram a estrangular o adversário, virando o resultado de rajada, em dois minutos, após um erro de Luís Vasco aproveitado por Ricardo Silva (77 m) e uma bomba de Pavlin (79 m) à entrada da área (não vos tinha dito?). 

Alguém ponha um travão nisto, por favor! 

Num jogo normal, tudo teria ficado por aqui. Mas este não era um jogo normal: o baile dos deprimidos já não tinha travões nem lógica. Djalma tenta um remate de posição absurda? Pois seja então premiado pela ousadia (2-2), terá pensado o colaborante Ovchinnikov (81m). Maric viu um golo mal anulado por fora-de-jogo (84m)? Pois venha de lá um derrube na área para equilibrar as coisas (2-3, aos 86m)... 

A expulsão de Raúl Oliveira (lá se foi o bom senso...) e os cartões amarelos que se seguiram foram, apenas notas de rodapé num grande jogo, um jogo que estava destinado a não entrar para a História, mas que, com a força das coisas inevitáveis, conseguiu reservar um espaço nos grandes espectáculos da temporada.  

A vitória do Porto, justa pela reacção final, premeia apenas um dos lados da história. O empate teria sido prémio merecido para o Estrela, e sentença salomónica para um baile de méritos repartidos. Mas também está bem assim: a equipa da Reboleira despede o seu estádio da I Liga com uma boa recordação, deixando a imagem fiel da sua temporada: simpática, com boas intenções, e demasiado ligeira para fazer carreira num meio tão competitivo. 

Lucílio Baptista terá cometido um erro grave, anulando mal um golo a Maric por indicação do seu auxiliar. Face à loucura que foi toda a segunda parte, não é crime demasiado forte: muito teve ele de correr para não errar mais...

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