Quanto mais altos, melhor: porque os saltos de plataforma voltaram a estar na moda

CNN , Megan C. Hills
31 dez 2021, 17:00
Saltos altos de plataforma

Os saltos altos regressaram em força, com as estrelas na dianteira da tendência pós-confinamento para se usar calçado com saltos muito altos.

Beyoncé usou um par dos sapatos sensação deste ano – uns Versace com salto plataforma de 15 centímetros, em rosa-choque – num evento em agosto, deixando a Internet eufórica com o calçado (os Medusa Aevitas, com PVP de 1090 euros, usados pela cantora, bem como por Ariana Grande e Dua Lipa, foram o segundo artigo mais pesquisado no website de moda Lyst). Celebridades como Olivia Rodrigo e Rosé, dos Blackpink, foram vistas com modelos parecidos na Casa Branca e na Met Gala, respetivamente.

“As pessoas só querem voltar a sentir-se felizes”, disse a estilista das celebridades Nicole Chavez numa videochamada, acrescentado que os sapatos de salto alto, sobretudo os de cores garridas e brilhantes, fazem parte da maior tendência para peças que influenciam o estado de espírito e que se tem visto de forma transversal quer no vestuário, quer em acessórios.

No entanto, dentro da tendência mais generalizada para sapatos de salto alto que sejam uma afirmação, a passagem para os saltos plataforma – ou saltos com solas mais grossas que nos fazem lembrar a moda do ano 2000 – talvez se perceba melhor após um ano dominado pelo loungewear, um vestuário mais descontraído e casual.

“Foi um ano em que andámos sempre de ténis e sapatos confortáveis e passar dos ténis aos saltos-agulha é uma mudança drástica”, disse Chavez. “Penso que a plataforma, como é mais confortável, é uma excelente alternativa.”

“Neste momento, tudo tem plataforma. E quanto mais alta e mais grossa, melhor.”

Mas não são apenas as mulheres que usam sapatos de plataforma. O rapper e cantor Lil Nas X combina frequentemente sapatos de plataforma com os seus visuais extravagantes, enquanto Billy Porter combinou um cintilante vestido Richard Quinn com umas botas de plataforma nos The Fashion Awards. Bowen Yang, estrela do “Saturday Night Live”, tornou um tradicional fato preto mais interessante, nos Prémios Emmy, ao combiná-lo com umas plataformas prateadas da Syro, uma marca sediada em Brooklyn que se apresenta como “uma marca de calçado feminino para todos”.

Shaobo Han, cofundador da Syro, diz que os sapatos se tornaram uma ferramenta para expressarmos as nossas próprias ideias e sentimentos, com cada vez mais pessoas a desafiar os géneros binários.

"Poder exibir essa feminilidade (na rua) sem qualquer sentimento de vergonha é poderoso”, explica Han.

Um sinal dos tempos

A popularidade das plataformas sofreu os seus altos e baixos ao longo da História. Este estilo de calçado já se usava na Antiguidade, no século VI a.C., e foi evoluindo ao longo do tempo, passando pelos modelos de madeira do leste asiático usados pelas mulheres da etnia Manchu durante a dinastia Qing e os modelos geométricos com padrões sumptuosos usados no século XVI, conhecidos como “chopines”.

No sul da Europa, as mulheres da nobreza usavam plataformas com uma altura “vertiginosa”, aumentando o comprimento dos têxteis, segundo Elizabeth Hemmelseck, diretora e curadora sénior do BATA Shoe Museum (em português, Museu do Sapato BATA), em Toronto. Há registos de um par de sapatos com plataformas de 50 centímetros.

Sapatos usados na corte do Imperador Qianlong, no Palácio Imperial, em Pequim.
Créditos: VCG Wilson/Corbis/Getty Images

 

Acredita-se que o salto plataforma – com tacões na sola e no salto – tenha surgido no século XVII, na Pérsia. Este estilo era usado pelos cavaleiros persas, com os seus criadores “a tentar perceber a arquitetura do salto alto”, diz Hemmelseck.

Com o aparecimento dos saltos altos, os saltos plataforma acabaram por cair no esquecimento, voltando a estar na moda nas décadas de 1930 e 1970, finais da década de 1990 e início da década de 2000. O interesse pelos saltos plataforma parece ter aumentado durante períodos de “agitação social e tensão económica”, refere Hemmelseck.

"Porque é que o calçado sofreu uma grande reviravolta durante a Grande Depressão?” pergunta Hemmelseck. "Porque é que voltou a haver uma reviravolta no calçado durante a crise do petróleo e a instabilidade económica dos anos 1970? Haverá aqui algum ponto em comum?"

Sapatos de plataforma numa ilustração de uma cortesã veneziana exposta no Rijksmuseum, pintada entre 1660 e 1670. Créditos: Heritage Images/Hulton Archive/Getty Images

É uma tendência que a gigante da tecnologia IBM investigou em 2011, com um estudo que pretendia descobrir porque os saltos altos tendem a ficar mais altos nestes períodos mais conturbados, bem como em crises posteriores, como a bolha das “dotcom” que rebentou em finais da década de 1990.

"Por norma, quando a economia entra em declínio, os saltos aumentam e permanecem bem altos, com os consumidores a voltarem-se para modas mais exuberantes como uma forma de escape e fantasia”, diz o especialista em bens de consumo Trevor Davis no relatório.

Se alguma vez existiu algum sapato de fantasia, foi aquele da autoria do criador de sapatos italiano Salvatore Ferragamo. Em 1938, durante a Grande Depressão, o criador lançou os “Rainbow” – sapatos de plataforma com a sola em várias cores, dedicados à atriz Judy Garland. Eram feitos de cortiça e couro colorido, um material que escasseava na época.

Uma fotografia dos saltos plataforma "Rainbow" de Salvatore Ferragamo tirada em 2016 na sede da marca na Florença. Créditos: Alessandra Benedetti/Corbis/Getty Images

Para além de serem uma forma de escapismo, as plataformas também voltaram a ganhar popularidade na década de 1930 devido ao seu pragmatismo, especula Hemmelseck. Nesta época, muitas mulheres não tinham dinheiro para comprar um guarda-roupa luxuoso, pelo que investir num salto plataforma mais caro que pudesse ser combinado com vários visuais permitia que elas acompanhassem as tendências da moda com apenas “um único acessório escandaloso”, acrescenta.

"As plataformas ajudavam bastante. Era como dizer: ‘Eu faço parte dos tempos e continuo na moda. Só não olhem para o resto do meu visual’. "

Elton John, fotografado em 1973 com botas de plataforma vermelhas e prateadas. As botas têm uma plataforma de 20 centímetros e as iniciais do cantor, as letras E” e “J”, e são uma criação de Ken Todd de Kensington Market. Créditos: Victor Crawshaw/Mirrorpix/Getty Images

Na década de 1970, o salto plataforma voltou a reaparecer, com nomes como David Bowie e John Travolta a subir aos palcos com modelos com saltos extremamente altos. Quando usados por estrelas como Bowie, Travolta e Elton John, os sapatos suscitavam “questões maiores sobre género binário”, acrescenta Hemmelseck.

Hemmelseck também verificou um reaparecimento dos saltos plataforma masculinos nesta época, devido a fatores como a “Revolução do Pavão” da década de 1960, que reagiu ao então Movimento de Libertação das Mulheres norte-americano, “olhando para outros modelos de masculinidade em todo o mundo”.

Neste período, os homens “diziam tratar-se de um renascimento do monarca francês Luís XIV," famoso pelo seu guarda-roupa autoritário e opulento. "Será que nós, os homens ocidentais, não podemos pôr de lado esta farda autoritária e monótona, o fato e gravata, e começar a conectar-nos à nossa masculinidade natural através da forma como nos vestimos?”

Os saltos plataforma também tiveram diferentes conotações ao longo dos tempos – e, em alguns casos, simbolizavam a prostituição. Segundo Hemmelseck, as "plataformas grossas, com um salto estreito, tornaram-se uma espécie de arquitetura da roupa usada por bailarinas exóticas” já na década de 1930. Com o tempo, evoluíram para as plataformas em acrílico transparente dos anos 1990, usadas por bailarinas exóticas, graças a marcas como a Pleaser, que se tornaram populares na década de 2000 quando as estrelas começaram a adotar o estilo.

Quanto aos saltos plataforma que vimos nos eventos de passadeira vermelha deste ano, Hemmelseck diz que o estilo combina um certo erotismo com uma nostalgia dos anos 1990.

Para além da moda

Em 2021, "moda dopamina" tornou-se um termo bastante usado no meio da moda, sendo uma moda caracterizada por um desejo por visuais mais ousados, garridos e sensuais.

Billy Porter na passadeira vermelha dos The Fashion Awards, num vestido Richard Quinn e botas pretas de salto plataforma. Créditos: Karwai Tang/WireImage/Getty Images

Algumas criações da Syro – como as aparatosas plataformas vermelhas e plataformas prateadas usadas por Yang – coincidiram com esta tendência, tendo esgotado quase imediatamente, para espanto dos cofundadores Han e Henry Bae.

"Não imaginávamos que algo tão exuberante como o sapato prateado que criámos ia ser tão bem recebido, mas a verdade é que só vem comprovar que as pessoas querem coisas amalucadas”, diz Han.

Mas o sapato de plataforma é mais do que uma peça de calçado divertida – é uma forma de expressão de género, acrescenta Han, que usa os pronomes pessoais neutros they/them (em português, eles/deles).

O modelo e estrela do TikTok Wisdom Kaye com umas botas plataforma num episódio de "Project Runway." Créditos: Greg Endries/Bravo/NBCU Photo Ban/Getty Images

Embora os saltos plataforma para homens e para pessoas não-binárias tenham sido recentemente associados ao vestuário “fetiche”, dizem os cofundadores, a Syro foi criada para satisfazer uma necessidade de “plataformas para pessoas não conformistas usarem no dia a dia… objetos que expressem realmente a maneira como nos vemos a nós próprios”. Quando era mais novo, recordou Han, a feminilidade era usada “contra mim”, mas os sapatos agora servem para reivindicar essa feminilidade.

"A possibilidade de caminhar pelas ruas com um par de sapatos de salto alto, a abanar a anca e a bater os saltos deste pináculo da feminilidade é algo inerentemente poderoso.”

"As pessoas querem sentir-se poderosas e ser poderosas. Isso é algo que eu penso que os sapatos de plataforma fazem toda a gente sentir. Assim que os calçamos, ganhamos automaticamente mais 13 centímetros de altura e, de repente, começamos a ver o mundo de outra maneira”, dizem os cofundadores, acrescentando que queriam mostrar às “crianças queer que a alegria queer é real”.

"Viver a nossa vida com autenticidade e alegria é uma forma de protesto contra a repressão que temos sentido."

 

Moda

Mais Moda

Na SELFIE

Mais Lidas

Patrocinados