O “perigo de uma guerra inusitada” na Ucrânia: uma análise à videoconferência Biden/Putin

7 dez 2021, 21:21
Reunião entre Joe Biden e Vladimir Putin (AP)

Falaram durante cerca de duas horas. Biden ameaçou Putin com “grandes sanções económicas” em caso de ataque à Ucrânia. Concluída a reunião virtual, o Presidente dos EUA tomou a iniciativa de contactar vários líderes europeus, nomeadamente Macron, Merkel, Draghi e Boris Johnson

Numa altura em que se verifica um agravamento das tensões na fronteira da Ucrânia com a Rússia, com a concentração de milhares de militares russos na região, o Presidente norte-americano, Joe Biden, e o seu homólogo russo, Vladimir Putin, reuniram-se esta terça-feira, por videoconferência numa tentativa de travar a escalada ofensiva. A situação na Ucrânia é de facto "preocupante" e o "perigo de uma guerra inusitada", como explica à CNN Portugal a investigadora Madalena Meyer Resende, do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa (IPRI-NOVA).

"Esta conversa foi já uma concessão de [Joe] Biden para [Vladimir] Putin. Se a Rússia intensificar a sua guerra com a Ucrânia, é essencial que a reação ocidental às exigências russas seja muito clara, porque isto vai determinar as futuras ações da Rússia noutros Estados na sua linha da frente", analisa Madalena Meyer Resende, referindo-se às linhas vermelhas que têm vindo a ser anunciadas pelo Presidente russo, centradas numa garantia de que a Ucrânia não se irá juntar à NATO.

Para Madalena Meyer Resende, "há aqui um perigo de uma guerra inusitada, que ninguém quer, por mau cálculo dos dois países", uma vez que estamos perante uma "retórica muito agressiva" de ambas as partes, "que se iniciou logo no início de janeiro" quando Joe Biden assumiu a Presidência dos Estados Unidos. "É óbvio que os inimigos dos Estados Unidos estão a testar a nova administração Biden, querem perceber até que ponto [os norte-americanos] seguem as suas palavras e se, quando chegar a hora de defender os seus amigos, o farão", acrescenta, referindo-se às sanções que Joe Biden tem vindo a dirigir à Rússia e China desde que tomou posse. 

"Está a ficar claro para os Estados Unidos não podem deixar que a Rússia passe incólume com esta sua nova atitude claramente agressiva e ofensiva"., prossegue Madalena Meyer Resende. "Há novos indicadores que demonstram que os Estados Unidos e a Europa Ocidental estão preparados para escalar a sua resposta, não só através de reações militares como também ao nível de sanções económicas", que, aliás, já foram colocadas em cima da mesa pelos norte-americanos.

Para o coronel António Almeida Tomé, professor catedrático na Universidade Lusófona e especialista em Geopolítica, Geoestratégia e Relações Internacionais, entre outras áreas, caso a Ucrânia venha a ser atacada pelos militares russos, "o exército ucraniano não terá força para resistir", ao contrário do defendido pelo Presidente ucraniano, e aponta para a necessidade de intervenção da NATO, onde a União Europeia (UE) pode contar com as forças norte-americanas.

"Não auguro nada de bom para a Europa e só espero que realmente os dirigentes europeus tenham consciência da situação e que se preparem", diz o coronel, salientando que "a Rússia vai jogar com as vulnerabilidades da Europa a todo o momento". Também a Madalena Meyer Resende diz não ter dúvidas de que "a resposta terá de ser sempre da NATO, pois a União Europeia, sozinha, não consegue dar uma resposta convincente".

Questionado sobre o que poderá resultar desta conversa entre Joe Biden e Vladimir Putin, o coronel António Almeida Tomé afirma que "gostaria de ter esperança de que uma conversa entre eles se traduzisse num desanuviamento das tensões", mas admite ter dúvidas nesse sentido. Para o antigo militar da Força Aérea, é importante distinguir entre uma eventual tentativa do Presidente russo em "apaziguar o Ocidente" - tal como aconteceu no passado, antes da Segunda Guerra Mundial, quando "o Ocidente foi apaziguado pela Alemanha"- e "o que irá acontecer na realidade".

Biden ameaça Putin com “grandes sanções económicas” em caso de ataque à Ucrânia

Momentos após a reunião entre os dois chefes de Estado, que segundo as agências noticiosas russas durou cerca de duas horas e terminou próximo das 17h de Portugal Continental, a Casa Branca emitiu um comunicado no qual adiantou que o Presidente norte-americano manifestou “grande preocupação” pela concentração de forças russas perto da fronteira ucraniana, garantindo que, em caso de escalada de violência, tanto os Estados Unidos como os seus aliados europeus responderiam de forma “forte”.

“O Presidente Biden reiterou o seu apoio à soberania e integridade territorial ucraniana e pediu o retorno à diplomacia”, pode ler-se em comunicado.

Concluída a reunião virtual, o chefe de Estado norte-americano tomou a iniciativa de contactar vários líderes europeus, nomeadamente o Presidente francês, Emmanuel Macron, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. A Casa Branca lembrou que Biden já tinha falado com estes seus aliados, tendo-lhes prometido que os manteria “em contacto próximo”, a propósito da cimeira telefónica com o Presidente russo.

Perante as declarações de Joe Biden, um conselheiro do Presidente ucraniano Mykhailo Podolyak emitiu um comunicado em nome do executivo a agradecer o apoio dos EUA e apelou à Rússia para utilizar meios diplomáticos de modo a desanuviar as tensões. "Estamos muito gratos ao Presidente Biden por todo o seu apoio à soberania e integridade territorial da Ucrânia", lê-se em comunicado, emitido momentos após a reunião entre os líderes norte-americano e russo.

Na última semana, os serviços de informação norte-americanos alertaram para a crescente concentração de tropas russas junto à fronteira ucraniana, afirmando que o país de Vladimir Putin pode lançar uma ofensiva em grande escala, com cerca de 175 mil militares, “já no início de 2022”. Por outro lado, Moscovo acusou as autoridades de Kiev de colocarem 125 mil efetivos militares na região de Donbass, palco de conflitos armados entre separatistas pró-russos e as forças armadas ucranianas há vários anos.

Em resposta à escalada de tensão, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, assegurou que o exército do país tem capacidade para contrariar “qualquer plano do invasor”. “Durante a sua história mais recente, o exército ucraniano atravessou um difícil caminho até à formação de uma estrutura militar preparada, muito organizada, confiante nas suas próprias forças e capaz de abortar qualquer plano invasor do inimigo”, indicou Zelensky, citado num comunicado da presidência.

E.U.A.

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