Duas norte-americanas receberam um único órgão do mesmo doador, dividido em duas partes. A conexão foi instantânea para as "irmãs de fígado", que prometem nunca mais se separar
Maria Contreras e Monica Davis têm bastante em comum. Estão na casa dos cinquenta, vivem no Ohio e receberam o mesmo diagnóstico: em 2014, muito antes de se virem a conhecer, foram informadas de que padeciam de cirrose hepática.
Seis anos depois, a jornada das mulheres fundiu-se de forma inesperada. No mesmo dia, e num procedimento que ocorreu lado a lado, as norte-americanas receberam um transplante de fígado do mesmo doador. Mais do que uma experiência de vida semelhante, partilham agora o mesmo órgão, dividido em duas partes.
Os seis anos que separaram o diagnóstico e a cirurgia foram, no entanto, diferentes para ambas. Maria Contreras foi diagnosticada na sequência de uma biópsia, indicada pelos médicos depois de se queixar de comichão intensa nas mãos e nos pés. Foram notícias devastadoras para a residente de Cleveland, mãe de quatro filhos e avó de dois netos, que se sentiu ainda mais "depressiva" quando foi informada de que o tempo de espera para um transplante de fígado poderia superar os dez anos. "Foi a partir desse ponto que deixei de conseguir dormir", assume, em entrevista ao The Washington Post.
Apesar da deceção, Maria mostrou-se resiliente e adicionou o seu nome à lista de espera. Nos anos que se sucederam foi desafiada com novos problemas de saúde - uma condição cardíaca que requereu a implantação de um stent (prótese metálica expansível) e uma reação quase fatal a um medicamento anticoagulante. "O meu corpo não conseguia curar-se", explica Maria. "Entrava e saía constantemente do hospital."
Monica Davis, por sua vez, reagiu ao diagnóstico "potencialmente fatal" com pessimismo. A princípio, admite, "não estava interessada em receber o transplante", apesar de ser o único tratamento disponível para a doença hepática em fase terminal. Afinal, a lista de espera conta com mais de 100 mil americanos e vê uma média de 17 pacientes falecer, diariamente, enquanto aguardam pela sua vez. Perante o desespero e "incredulidade" da família, Monica optou por não adicionar o seu nome a esta lista interminável. O marido era "autossuficiente" e os filhos já adultos - ninguém precisaria de si, pensou.
"Em retrospetiva, sei que não deveria ter pensado assim", reconhece agora, terminadas as provações. Tudo mudou em 2019, com uma "epifania": decidiu que a sua vida tinha demasiado valor para ser desperdiçada e adicionou, finalmente, o nome à lista de possíveis recetores de órgãos. "Devo tudo à minha fé, à minha família e aos meus amigos", afirma.
As vidas de Maria e Monica uniram-se definitivamente no dia 1 de julho de 2020, em plena pandemia de covid-19. Os respetivos médicos telefonaram individualmente a cada uma das pacientes e informaram-nas de que tinham encontrado um doador compatível. Mas alertaram também para os perigos: o fígado seria partilhado com outra paciente, numa operação mais complicada do que um transplante tradicional e que raramente tinha sido bem-sucedida entre dois adultos. Se ambas concordassem, disseram os médicos, a operação ocorreria nesse mesmo dia.
As duas mulheres dispensaram reflexões e aceitaram, de imediato, a oportunidade. Era uma cirurgia "extremamente rara" e que poderia acarretar riscos graves, como explicaram os cirurgiões Koji Hashimoto e Cristiano Quintini, mas as probabilidades de sucesso eram consideráveis. "Nem todos os doadores são apropriados para este transplante, em termos de qualidade", explica o cirurgião Hashimoto. "É também muito importante ter em consideração o quão doente está o paciente, porque um paciente muito doente precisa de um fígado maior."
Tanto o doador como as pacientes pareciam ótimos candidatos às cirurgias. Todos os riscos considerados, o cirurgião sublinha que "o maior risco teria sido esperar" - e as pacientes concordaram. "Não me importava se era metade de um fígado ou um inteiro", diz Maria, que veio a receber 60% do órgão. "Só conseguia pensar numa nova vida." Monica concorda e acrescenta que "duas pessoas receberam uma bênção naquele dia".
A cirurgia veio a ocorrer na tarde de 1 de julho, com três equipas médicas a trabalhar em simultâneo - uma a ocupar-se do doador e outras duas encarregadas do transplante. As perspetivas mais otimistas acabaram por se concretizar. A operação foi um sucesso e, logo no processo de recobro, as duas mulheres já demonstravam interesse em conhecer quem tinha ficado com a outra parte do órgão.
"Perguntava ao meu enfermeiro: 'sabe quem é a minha 'irmã de fígado?'", conta Maria, recorrendo a uma expressão carinhosa que ambas usam em abundância ao longo da entrevista. "Estava tão entusiasmada por vê-la."
As restrições impostas pelo contexto pandémico adiaram esta reunião. Tanto Maria como Monica são imunocomprometidas, e os meses que se seguiram aos transplantes exigiram uma recuperação cuidadosa e maioritariamente confinada ao interior das suas casas. O encontro veio finalmente a acontecer em abril deste ano - mas a conexão foi instantânea, como se se tratassem de velhas conhecidas.
"Quando nos conhecemos, chorei, abracei-a, comecei aos pulos com ela", conta Maria, garantindo ter conseguido "sentir" uma inexplicável conexão. Monica assume não ter palavras para descrever o quão "poderosa" foi esta ligação imediata e expressa gratidão a Deus por muito mais do que o transplante. "Ele deu-me uma nova vida, e Ele deu-me também uma nova irmã."
Os cirurgiões Hashimoto e Quintini também estiveram presentes no encontro, que descreveram como "gratificante".
Uma vez confluídas, as vidas de Maria e Monica prometem não voltar a apartar-se. Falam regularmente ao telefone, já planeiam um segundo encontro e, acima de tudo, são "irmãs de fígado". Partilham um historial médico, uma experiência de vida notável e um único fígado saudável.
"Vamos ser amigas para sempre", emocionou-se Maria. "Ela é parte de mim."