A detenção de um norte-americano acabou na sua hospitalização. Agora, corre o risco de nunca mais voltar a andar
A família de Randy Cox recebeu um telefonema inesperado, na noite de 19 de junho: o homem de 36 anos tinha sido detido pela polícia de New Haven, uma cidade costeira no estado norte-americano do Connecticut, por suspeita de posse ilegal de armas.
O telefonema seguinte, horas mais tarde, foi ainda mais desconcertante. Randy tinha sofrido uma aparatosa queda e estava internado no hospital, aguardando uma operação urgente à coluna.
Mas, ao contrário do que as autoridades disseram à família, não se tratou de uma mera queda. Os vídeos do interior da viatura da polícia - requisitados pela família e pelo advogado - ajudaram a contextualizar o incidente e a gerar acusações de negligência por parte dos agentes da polícia.
O que aconteceu?
Depois de o algemarem, os agentes sentaram Randy no banco de trás de um carro-patrulha. Antes de partirem para o centro de detenção, as autoridades requisitaram uma carrinha maior, geralmente usada para transportar suspeitos. Randy era, no entanto, o único passageiro - sozinho no interior da carrinha, com as mãos imobilizadas atrás das costas, sem cintos de segurança que o apoiassem.
Cerca de três minutos após o início da viagem, as câmaras de vigilância capturaram o momento em que a carrinha parou abruptamente e o homem, sentado num dos extremos do banco, foi atirado com violência na direção oposta. A cabeça embate contra as portas e Randy mantém-se na mesma posição, aparentemente incapaz de se mover, implorando por ajuda.
A ajuda acabou por vir, mas só uns minutos mais tarde. Um dos agentes policiais, posteriormente identificado como agente Diaz, anuncia pouco depois que vai "parar e verificar" o estado do passageiro. Randy explica que não consegue mexer o corpo e pede que o ajudem a erguer-se, ao que o agente reage com desconfiança ("estou a ver-te a mexer o braço") e apelando à paciência ("vais ter de te aguentar, vou chamar uma ambulância").
A carrinha retoma a viagem com Randy na mesma posição, enquanto Diaz usa o rádio para chamar reforços e assistência médica. Já no centro de detenção, os agentes da polícia instam o homem a deslocar-se pelos seus próprios meios ("ouçam, se me têm de arrastar, façam o que têm a fazer", suplica o homem) e acabam por puxá-lo e colocá-lo numa cadeira de rodas. Randy permanece imobilizado, sem conseguir erguer a cabeça, o que motiva as autoridades a especular sobre o que teria acontecido. Perguntam-lhe, por diversas vezes, se estava embriagado ou se, para além da arma apreendida, tinha também álcool ou drogas em sua posse. "Ele está perfeitamente bem", desvaloriza um dos agentes, enquanto o arrasta, ainda algemado, e o deita numa cela.
This video is HORRIFIC! Randy Cox was put in a police van without seatbelts and, after an abrupt stop, was thrown into the wall HEAD FIRST. We literally witness his neck break! As he was STILL lying on the van floor, he told the officers that he couldn’t move. What did they do? pic.twitter.com/L9izx7vmDt
— Ben Crump (@AttorneyCrump) June 28, 2022
A gravidade da situação foi atestada já no hospital. O impacto da colisão contra as portas da ambulância fraturou a coluna de Randy e paralisou-o por completo do tronco para baixo. O homem foi submetido a intervenções a várias fraturas na coluna vertebral e encontra-se, até ao momento, hospitalizado e dependente de um ventilador para respirar.
"Ele conseguia falar quando chegou ao hospital, mas o oxigénio e a respiração não estavam bons", explica a irmã, LaToya Boomer, em declarações ao The New York Times. Acrescenta ainda que Randy consegue responder a questões de resposta afirmativa ou negativa, e que demonstrou alguns sinais de movimento no braço esquerdo. O advogado, Jack O'Donnell, adianta que os médicos parecem "esperançosos, mas não otimistas" quanto a uma recuperação total.
Um caso que relembra muitos outros
A família, representada pela irmã mais velha, diz-se "estupefacta" com o sucedido e exige que os agentes envolvidos no incidente sejam responsabilizados - bem como as testemunhas que se limitaram a assistir e não agiram. "Nem sequer consigo pôr isto em palavras", lamenta.
A irmã afirma não ter conseguido ver a totalidade dos seis vídeos que retratam o que aconteceu. "Comecei a ver", admite, "e a forma como o trataram foi uma desgraça". O advogado de Randy, na qualidade de seu representante legal, viu todas as filmagens disponíveis e diz ter ficado movido "até às lágrimas".
O presidente da Câmara de New Haven, Justin Elicker, já garantiu que conduzirá uma investigação célere e transparente deste caso "terrível". Os agentes não terão agido com intenções maliciosas e a travagem repentina da carrinha foi alegadamente necessária para evitar um acidente, explica o governante em comunicado aos residentes da cidade, frisando porém que "o nível de insensibilidade" demonstrado pelos agentes é "profundamente preocupante".
As autoridades apressaram-se a afastar os envolvidos no incidente - um sargento e quatro agentes - em regime de licença remunerada, enquanto decorrem as investigações.
"Este não é um momento de orgulho para mim ou para o Departamento da Polícia", disse o Chefe Adjunto Karl Jacobson, que deverá assumir brevemente o cargo de Chefe do Departamento. "Também quero justiça para o Randy. Vamos trabalhar arduamente por fazer mudanças acontecer".
A revolta coletiva e a exigência de mudanças não são, porém, novidade. O caso de Randy e a subsequente reação por parte das autoridades inserem-se numa discussão mais ampla sobre a violência policial nos Estados Unidos - mais particularmente, contra afro-americanos e indivíduos de raça negra. Nem sequer as circunstâncias deste acidente são inéditas: Freddy Gray, um homem de 25 anos do estado de Baltimore, morreu em 2015 depois de uma viagem atribulada, sem cinto de segurança, num veículo policial semelhante.
Um movimento comunitário de justiça surgiu como forma de protesto contra os repetidos episódios de violência policial ocorridos no país, e tem vindo a ganhar novo ímpeto e visibilidade em anos recentes sob o nome Black Lives Matter. Apesar da crescente mediatização de casos como os de Randy, mudanças concretas e efetivas parecem tardar em acontecer - perante a continuada revolta da população norte-americana.
Dos envolvidos neste acidente, apenas um homem será, por enquanto, levado à justiça. No próximo dia 21 de julho, Randy Cox será julgado em tribunal por posse de armas.