Tiroteio numa escola no Michigan: todos viram os sinais mas ninguém conseguiu evitar a tragédia

5 dez 2021, 18:16

A arma comprada pelos pais, os vídeos publicados nas redes sociais, os desenhos violentos - os sinais estavam todos lá. No dia do tiroteio, na terça-feira, os conselheiros escolares iam suspender Ethan Crumbley mas não acreditaram que ele fosse capaz de magoar outras pessoas

“Ouvimos dois tiros e, a seguir, o meu professor entrou a correr na sala de aula, trancou-a, barricámo-nos, tapámos as janelas e escondemo-nos”, recordou à CNN Aiden Page, um estudante na Oxford High School que testemunhou o tiroteio ocorrido na terça-feira neste liceu nos arredores de Detroit, no estado do Michigan, EUA. Enquanto ouviam os gritos dos colegas, ligavam para a polícia. “Agarrámos calculadoras e tesouras só para termos algo com que atacar o atirador, caso ele conseguisse entrar na sala de aula”, contou Aiden.

Do outro lado da porta, os jovens fugiam pelos corredores em pânico enquanto um dos alunos, Ethan Crumbley, disparava mais de 30 vezes contra todas as pessoas que encontrava. O ataque acabaria por tirar a vida quatro pessoas, ferindo outras sete, das quais três ainda se encontram internadas.  

Crumbley, de 15 anos, foi detido e está acusado, como um adulto, de duas dúzias de crimes, incluindo homicídio, tentativa de homicídio e terrorismo. Apesar de ter durado escassos minutos, as autoridades acreditam ter provas suficientes para confirmar que o ataque mais mortífero numa escola americana desde 2018 foi premeditado.

"Uma análise preliminar das redes sociais do arguido, do seu telemóvel, bem como de outras provas recuperadas no local mostram que o acusado planeou este tiroteio, ele que trouxe deliberadamente a arma naquele dia com a intenção de matar o maior número de estudantes possível”, afirmou o procurador Marc Keast, durante uma conferência de imprensa.

Arma foi prenda de Natal

James Crumbley comprou a pistola semi-automática Sig Sauer 9 mm usada pelo filho quatro dias antes do tiroteio. Ethan estava com o pai no momento da compra numa loja de armas de fogo local e as autoridades acreditam que esta seria uma prenda de natal antecipada para ele.

Nesse mesmo dia, o jovem publicou uma fotografia da arma no seu Instagram com a seguinte descrição: “Acabei de arranjar esta beleza. SIG SAUER 9mm”. Algumas horas mais tarde, foi a vez da mãe de Crumbley atualizar as redes sociais com uma ida a um campo de tiro na companhia do seu filho, para este “testar o seu novo presente de Natal”.

Sinais preocupantes

Nos dias que antecederam o tiroteio, começaram a aparecer os primeiros sinais de preocupação. Durante uma aula, Crumbley foi visto a pesquisar na internet por munições. O professor notificou de imediato a direção da escola e contactou os pais do jovem por telefone e por email, mas não obteve qualquer resposta.

Segundo a procuradora Karen Macdonald, horas depois, Jennifer Crumbley, a mãe do atirador, enviou uma mensagem ao filho em que dizia “LOL não estou chateada contigo. Tens de aprender a não ser apanhado”.

Na noite da véspera do ataque, o jovem terá filmado dois vídeos, onde fala acerca de disparar e matar estudantes do liceu. Um pensamento semelhante foi encontrado num caderno guardado na sua mochila.

Manhã do tiroteio

O sinal mais alarmante apareceu na manhã do tiroteio, quando uma professora reparou em algo estranho na secretária de Ethan. O que viu era de tal forma preocupante que decidiu tirar fotografias e expulsar o estudante da aula, encaminhando-o para o gabinete do conselheiro escolar.

Era um desenho de uma arma semiautomática que apontava para as palavras “os pensamentos não param, ajudem-me” e uma bala com a inscrição “sangue por todo o lado”. A professora revelou ainda que na imagem podem ler-se as expressões “a minha vida é inútil” e “o mundo está morto”.

"Entre o desenho da arma e a bala observa-se a imagem de uma pessoa que parece ter sido baleada duas vezes e se encontra a sangrar. Abaixo dessa figura, está um emoji a rir", disse McDonald.

A imagem chegou à direção da escola, que decidiu convocar uma reunião com os pais e com o jovem. Ethan explicou que os desenhos eram apenas projetos para um videojogo que ele estava a criar. Apesar desta explicação, os pais foram intimados a arranjar aconselhamento para Ethan num prazo de 48 horas, caso contrário a escola entraria em contacto com os serviços de proteção de menores. 

Durante o encontro, o jovem tinha a arma na sua mochila, mas esta nunca foi revistada.

O diretor pediu aos pais para levarem Ethan para casa nesse dia mas eles "recusaram categoricamente" e disseram que tinha de "voltar ao trabalho". E porque o aluno não tinha ações disciplinares anteriores, os conselheiros escolares permitiram que ele voltasse para a sua aula em vez de o mandarem para casa onde passaria o resto do dia sozinho. 

"Embora entendamos que esta decisão causou raiva, confusão e levou a um questionamento compreensível, os conselheiros fizeram um julgamento com base na sua formação profissional e experiência clínica e não tinham todos os fatos que conhecemos agora", explicou Tim Throne, diretor escolar distrital.

"Com base no seu comportamento e nas respostas que deu, em nenhum momento os conselheiros acreditaram que o aluno pudesse magoar os outros. Ele parecia calmo", disse Throne.

O tiroteio

O procurador responsável pelo caso garantiu que as autoridades estão na posse das imagens que mostram como começou o tiroteio.

Segundo a acusação, após a reunião, Ethan foi enviado de volta para a sala de aula. Momentos depois, o jovem é filmado pelas câmaras de segurança a sair da sala com a mochila às costas e a dirigir-se à casa de banho. Logo a seguir, voltava a sair, mas sem mochila e com a arma do crime na mão.

Eram 12:51. Seguiram-se cinco minutos de terror, em que Crumbley percorreu os corredores da escola “deliberada e metodicamente” a disparar contra todos os estudantes que encontrava. Isto aconteceu no final de um intervalo entre aulas, quando centenas de estudantes se encontravam no corredor, dirigindo-se para as suas salas. 

"O que está retratado naquele vídeo… Não tenho palavras para descrever o quão horrível foi", afirmou o procurador.

Como estavam perto das salas, os alunos entraram rapidamente dentro das salas e barricaram-se. Ethan não conseguiu entrar em nenhuma sala e só isso impediu que houvesse mais vítimas. O número de emergência recebeu mais de uma centena de telefonemas.

Quando a notícia de um atirador na escola se tornou pública, Jennifer Crumbley enviou uma mensagem de texto para seu filho às 13:22: "Ethan, não faças isso." Quinze minutos depois, às 13:37, James Crumbley ligou para o 911 para declarar a falta de uma arma de fogo em casa e dizer que o seu filho podia ser o atirador. A arma deveria estar numa gaveta destrancada no quarto dos pais, disse a procuradora Karen McDonald.

Procuradores apontam o dedo aos pais

Jennifer e James Crumbley foram detidos e são alvo de quatro acusações de homicídio involuntário e, caso sejam condenados, podem enfrentar até 15 anos de prisão. 

Segundo a lei do Estado de Michigan, uma acusação por homicídio involuntário pode acontecer caso os procuradores acreditem que alguém contribuiu fortemente para uma situação que causou ferimentos ou morte.

“Os pais eram as únicas pessoas em posição de saber acerca do [seu] acesso às armas”, tinha referido na quinta-feira a procuradora-geral do condado de Oakland, Karen McDonald. A arma “parece ter estado disponível sem qualquer dificuldade para aquele jovem”, acrescentou.

Os pais raramente são acusados nos Estados Unidos em tiroteios envolvendo os seus filhos, mesmo quando a maioria dos menores tem acesso às armas na sua casa ou de um parente, segundo explicam os especialistas. 

Não existe nenhuma lei no Michigan que exija aos proprietários de armas que as mantenham protegidas do alcance das crianças. No entanto, Karen McDonald destacou que considera haver matéria para abrir um processo de acusação.

“As ações dos pais vão muito além da negligência. Obviamente, estamos a acusar em toda a sua extensão o atirador, mas existem outros indivíduos que devem ser responsabilizados”, salientou a procuradora-geral numa entrevista, na quarta-feira, à rádio WJR-AM. 

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