Em 2022, depois de anos a sentirem-se deslocados nos Estados Unidos da América, Laura Hamlin e o marido, Allan Amer, decidiram mudar radicalmente de vida e trocaram o país por Espanha. Hoje comparam a experiência à de deixar uma “relação tóxica”.
Dez anos antes, Laura mudou-se de Nova Jersey para a Florida, mas nunca se sentiu verdadeiramente integrada. O ambiente político "divisivo" fazia com que se sentisse desconfortável e deslocada.
“Estava à espera que a América fosse como era antes, que eu me sentisse como antes. Queria o que tinha no início e simplesmente já não estava lá. As pessoas eram muito opinativas, espalhavam cartazes muito desagradáveis. Não conseguia encontrar um sítio que me fizesse sentir em casa, já não me sentia confortável ali”, confessa Laura à CNN Travel.
Laura e Allan, juntos há 27 anos, decidiram então embarcar numa nova aventura e construir uma vida em Espanha. Escolheram o país porque já o tinham visitado várias vezes e, em cada visita, sentiam o desejo de ficar por “mais e mais tempo”.
“Não sabemos se a política espanhola é louca, porque não falamos a língua suficientemente bem, mas sabemos que os EUA são uma loucura. A Laura queria fugir, eu só queria viajar”, brinca Allan.
Antes de se mudarem definitivamente, o casal decidiu que não queria "viver em lado nenhum durante 12 meses". Venderam as suas três propriedades, compraram uma autocaravana e partiram numa viagem pelos EUA, passando por Minneapolis, Colorado e Idaho.
“A nossa família e os nossos amigos olhavam para nós como se tivéssemos perdido a cabeça”, recorda Laura.
Ao mesmo tempo, iniciaram o processo de candidatura a um visto não lucrativo, que permite a cidadãos estrangeiros viverem em Espanha sem trabalhar, desde que provem que têm dinheiro suficiente para se sustentarem. O processo foi "aborrecido" e moroso, durando três longos meses.
Quando, finalmente, os vistos foram aprovados, em dezembro de 2022, o casal, que na altura se encontrava numa viagem à Alemanha, regressou a casa no “voo mais caro de sempre da Aer Lingus para a Flórida” para finalizar a documentação antes da mudança definitiva para Espanha.
“Depois de andarmos às voltas à espera da aprovação do visto, estávamos prontos para partir. Fomos embora no dia 22 de dezembro, por isso não passámos o Natal com as nossas famílias”, lembra Laura.
Novo começo
O casal, entusiasmado por estar finalmente a viver o seu sonho, habituou-se rapidamente à vida em Espanha.
“Os nossos primeiros meses foram emocionantes. Tinha de me beliscar todos os dias: não conseguia acreditar que tínhamos mesmo conseguido", confessa Laura.
Depois de se instalarem, Laura e Allan aproveitaram para explorar e conhecer o "maior número possível" de cidades espanholas.
“Fazíamos várias viagens: fomos a Granada, fomos a Córdoba, fomos a Toledo… Estivemos em vários castelos. Sendo norte-americanos, somos uma espécie de bebés nisto de ser turistas”, brinca Allan.
Laura é fascinada pela história de Espanha e adora explorar os muitos monumentos históricos do país. O seu espírito viajante vem dos tempos em que esteve no exército durante a juventude. A norte-americana confessa que, desde então, nunca perdeu o “bichinho da viagem”.
“Sou casado com Laura, a exploradora”, diz Allan.
Laura e Allan estavam a viver o melhor momento das suas vidas até que as coisas tomaram um rumo desastroso quando, quatro meses após a chegada, Allan tropeçou numa mercearia. O norte-americano partiu seis costelas e sofreu danos nos rins.
Apesar de terem pago um seguro médico privado espanhol com um ano de antecedência, descobriram que ainda não estavam efetivamente cobertos, de acordo com os requisitos do seu visto.
“Há uma cláusula que estipula que não se pode utilizar o seguro num período de seis ou oito meses após a entrada no país. Recusaram-se a pagar as despesas médicas do Allan. Arrependo-me de não ter lido as letras pequenas”, confessa Laura.
Sem alternativa, o casal viu-se obrigado a gastar uma grande parte das suas poupanças para cobrir os custos do internamento de Allan num hospital espanhol, que durou quatro semanas. Durante esse período, o norte-americano perdeu muito peso e ficou incapaz de andar. Perante este cenário, o casal decidiu que seria melhor voltar para os EUA.
Assim, apenas seis meses depois de se terem mudado para Espanha, Laura e Allan estavam de regresso ao país. Ali, Laura contratou uma enfermeira particular para a ajudar a cuidar do marido doente.
“Alugámos uma casa perto da minha filha em Spring Hill, no centro-norte da Florida, e ele recuperou lá”, conta Laura.
Embora Laura e Allan tencionassem regressar a Espanha o mais rapidamente possível, o regresso foi adiado devido a vários problemas de saúde - nos pés, no pescoço e nas costas - que se seguiram.
“Foram tempos difíceis para a Laura. Ela é o meu anjo”, afirma Allan.
Apesar de quase terem desistido da ideia, o casal regressou a Espanha em novembro de 2023. Desde então, dizem viver "muito felizes" perto de Cartagena, na região de Múrcia, no sudeste de Espanha, e tencionam continuar a viver por lá no futuro.
Laura e Allan confessam ser apaixonados pelo estilo de vida espanhol, especialmente pela possibilidade de viajarem por tantas cidades ricas em cultura e pelo “vinho barato”.
Contudo, apontam algumas diferenças entre os dois países. Desde logo, confessam ter sido "frustrante" quando perceberam que a maior parte das empresas e das lojas espanholas fecham para fazer a sesta. Agora estão habituados e já “não se incomodam com isso”.
“Nos EUA, por volta das três da tarde, eu dormia a sesta depois de ter feito exercício, por isso, a sesta encaixa perfeitamente no meu estilo de vida”, diz Allan, explicando que, quando vivia num condomínio com piscina na Florida, costumava dar um mergulho matinal.
Laura conta que, quando tem alguma coisa para tratar e olha para o relógio à tarde, pensa "esquece, faço amanhã" e também aproveita a hora da sesta.
No entanto, há um aspeto em Espanha com que ainda se continuam a debater: aprender a língua.
Barreira linguística
Laura e Allan frequentam aulas de espanhol online e utilizam aplicações, nomeadamente “a da coruja”, dizem referindo-se à aplicação Duolingo. Contudo, confessam que o seu espanhol ainda deixa muito a desejar e que as suas tentativas de frequentar aulas presenciais não correram muito bem.
“Há aulas de espanhol gratuitas na biblioteca todas as sextas-feiras. Fomos a três, mas tínhamos de pesquisar as coisas no Google porque não percebíamos nada do que se estava a passar. Até que a professora disse: «Vocês não sabem espanhol suficiente para estar aqui. Voltem quando souberem mais espanhol'”, lembra Laura.
A questão do seguro de saúde também se revelou um desafio para o casal no início, especialmente devido aos problemas de saúde de Allan.
“Pagámos demasiado por um seguro privado - porque tínhamos de o ter - e havia muitas limitações, sobretudo para mim. Havia quatro parágrafos sobre o que estava coberto e quatro páginas sobre o que estava excluído", diz Allan.
Agora, o casal já tem direito ao sistema de saúde universal espanhol - conhecido como “Sistema Nacional de Salud” - que está disponível para os residentes do país.
“Quando vou ao meu médico local, ele pega no computador, abre o tradutor e conseguimos ter uma ótima conversa”, acrescenta Allan.
Uma das maiores diferenças que notaram na chegada a Espanha foi o facto de ser tudo mais pequeno, especialmente os supermercados e os seus produtos. Contudo, há um lado positivo nisso: estão a tornar-se pessoas muito mais saudáveis, contam.
“Não há tantas coisas processadas por onde escolher. Não há um corredor inteiro de cereais açucarados, por exemplo”, explica Laura.
Desde que chegaram, o casal já fez vários amigos no país e dizem que a sua vida social é muito melhor agora do que era na Florida.
“A Laura é uma borboleta social”, brinca Allan.
Custo de vida mais baixo
Laura e Allan consideram que Espanha é um país muito mais acessível para viver do que os EUA, salientando que notam sempre o aumento dos preços quando regressam para visitar as suas famílias.
“Agora é um choque quando voltamos a casa e vamos à mercearia. A minha família e os meus amigos estão todos preocupados e a queixar-se do custo de vida neste momento. O custo da habitação aumentou imenso lá. Por isso, estamos contentes por ter uma vida simples e mais acessível aqui”.
Em Espanha pagam 550 euros por mês pelo seu apartamento de três quartos. Além disso, têm uma “extraordinária” vista para as montanhas.
Apesar de as coisas nem sempre terem corrido como planeado desde a sua grande mudança, Laura e Allan tentam ter uma abordagem descontraída, encarando a maior parte dos contratempos com naturalidade.
“Tem sido uma montanha-russa de dor e prazer. Quando viajamos nunca é sem incidentes. Há sempre algo que surge e que temos de resolver: ou é o cartão SIM ou o telemóvel... Compreendemos que haverá altos e baixos, haverá problemas, mas faz parte da experiência e da aprendizagem", diz Allan.
Laura admite que, por vezes, se debate com a “burocracia das coisas” e nota que tende a ficar mais nervosa por não falar a língua.
O casal está atualmente a renovar o seu visto não lucrativo, que lhes permitirá permanecer em Espanha durante mais dois anos. Quando questionada sobre se alguma vez regressaria aos EUA, Laura confessa que não se imagina a voltar à Florida, pois nunca foi feliz lá.
“Poderia ter sido diferente se tivéssemos vivido numa zona ou num Estado diferente”, admite, explicando que gostou de viver em Nova Iorque. Aliás, o casal já discutiu a possibilidade de regressar a esse Estado norte-americano se a saúde de Allan se deteriorar.
“A minha família está nessa zona e ainda tenho lá amigos. Se chegasse a um ponto em que o Allan precisasse de ser tratado, o que não vejo a acontecer porque ele está a fazer exercício e a melhorar muito, mas, por vezes, tem dificuldade em andar longas distâncias e coisas do género. Por isso, se precisasse de cuidados, provavelmente voltaríamos para lá”, explica Laura.
Embora tenha esperança de que isso não seja necessário, Laura mantém a mente aberta.
“Se alguém me tivesse dito que eu estaria a viver em Espanha há seis anos, eu teria dito que essa pessoa era louca. Por isso, nunca se sabe o que a vida nos reserva. Nunca digo nunca”, diz Laura.
Quanto a Allan, é feliz a viver em qualquer lugar, desde que a sua amada esposa esteja ao seu lado.
“Tenho muita sorte em ter a Laura, ela é a chave para eu desfrutar da vida, independentemente do sítio onde estamos”, conclui Allan.