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Um segmento da Estação Espacial Internacional (ISS) controlado pela Rússia tem uma fuga de pressão e ar. A situação atingiu um nível febril à medida que os cosmonautas se esforçam por remendar as áreas problemáticas e os funcionários da agência espacial russa, Roscosmos, e da NASA discordam quanto à gravidade do problema.
O laboratório espacial do tamanho de um campo de futebol tem de permanecer pressurizado e cheio de gases respiráveis para acolher uma tripulação rotativa de astronautas, o que acontece desde 2000 em secções separadas, mas ligadas, da Rússia e dos EUA. As fugas problemáticas foram identificadas pela primeira vez em 2019 num túnel que liga um módulo russo, chamado Zvezda, a um porto de atracagem que acolhe naves espaciais que transportam carga e abastecimentos.
Mas o ritmo a que o módulo está a perder ar atingiu um novo máximo este ano.
De acordo com um relatório recente do Gabinete de Inspeção-Geral da NASA, os responsáveis pela supervisão nos Estados Unidos consideram agora que esta questão é o problema mais premente que a estação espacial envelhecida enfrenta e que pode ameaçar a segurança da tripulação.
A agência espacial norte-americana “expressou preocupações sobre a integridade estrutural do [módulo com fugas] e a possibilidade de uma falha catastrófica”, disse o ex-astronauta da NASA Bob Cabana, presidente do Comité Consultivo da agência para a ISS, durante uma reunião sobre o assunto na quarta-feira.
Mas embora a Roscosmos tenha dado instruções aos seus cosmonautas para procurarem e tratarem das áreas problemáticas - o que reduziu a taxa de fugas - a equipa russa “não acredita que uma desintegração catastrófica (...) seja realista”, referiu Cabana.
“Os russos acreditam que as operações continuadas são seguras - mas não podem provar isso para nossa satisfação”, acrescentou Cabana. “E os EUA acreditam que não é seguro, mas não podemos provar isso para satisfazer os russos”.
As divergências persistem apesar de uma reunião realizada em setembro, que Cabana afirmou ter tido lugar na Rússia.
Agora, os EUA estão a pressionar para que peritos independentes de ambas as partes avaliem a questão e ajudem as duas agências espaciais a chegar a um consenso sobre a causa e a gravidade das fugas.
Os Estados Unidos já tomaram medidas para criar a sua própria equipa de peritos, disse Cabana. A Rússia ainda não cumpriu a recomendação. Ainda assim, Cabana garantiu que a reunião de setembro com a Rússia foi “extremamente bem-sucedida”.
A Roscosmos não respondeu a um pedido de comentário por correio eletrónico.
Entretanto, os astronautas e cosmonautas - o termo russo para astronauta - a bordo da estação espacial foram obrigados a adotar medidas de precaução, tais como manter o segmento com fugas sempre selado, exceto quando tem de ser aberto para desempacotar a carga das naves espaciais que chegam ao porto de acoplamento próximo.
Quando os astronautas têm de abrir esse segmento, fecham a escotilha que separa as partes americana e russa da estação, disse o astronauta da NASA Michael Barratt durante uma conferência de imprensa a 8 de novembro.
“Adotámos uma abordagem muito conservadora”, referiu Barratt. “Não é uma coisa confortável, mas é o melhor acordo entre todas as pessoas inteligentes de ambos os lados - e é algo com que nós, como tripulação, vivemos.”
À medida que o laboratório em órbita envelhece, ambas as agências enfrentam atualmente a necessidade de tomar decisões cruciais sobre como e quando cessar as suas operações e eliminar a estação em segurança. O atual problema das fugas levanta sérias questões sobre a segurança da estação - e a capacidade da NASA e da Roscosmos para chegarem a um consenso.
Identificação de fugas na Estação Espacial Internacional
Há anos que a NASA e a Roscosmos sabiam que o módulo russo estava gradualmente a apresentar fugas.
O problema é exacerbado pelo facto de as fissuras suspeitas serem “muito pequenas, não visíveis a olho nu e terem suportes e condutas perto delas, o que dificulta a entrada de ferramentas de diagnóstico nessas áreas”, explicou a NASA numa declaração à CNN na quinta-feira.
Os esforços para mitigar as fugas têm evitado o problema por enquanto. No entanto, a taxa de fuga ainda “varia de 900 a 1.300 gramas [de ar] por dia acima da linha de base da estação espacial”, de acordo com a NASA. Para contextualizar, a estação espacial tem como objetivo manter-se pressurizada a mais de seis quilos por polegada quadrada absoluta - o que imita a pressão da atmosfera ao nível do mar aqui no nosso planeta natal.
A agência espacial não respondeu a um pedido para comparar a atual taxa de fugas com o pico registado no início deste ano.
Segundo Cabana, as equipas técnicas dos EUA e da Rússia não estão de acordo sobre o que poderá estar a causar o problema.
Os peritos russos acreditam que as vibrações - que podem ser causadas por sistemas mecânicos, como os utilizados para o armazenamento de energia - na estação espacial estão a provocar tensões nas paredes, causando “fadiga de alto ciclo”, ou seja, um fenómeno em que uma força relativamente suave começa a rachar e a desgastar um metal até ao ponto de falha durante longos períodos de tempo.
A NASA, por outro lado, acredita que a situação é mais complicada, envolvendo vários fatores como o stress mecânico, a exposição ambiental e o “stress residual” ou potenciais problemas resultantes do fabrico dos materiais utilizados no módulo de transferência, de acordo com Cabana.
Um relatório publicado em setembro pelo gabinete do inspetor-geral da NASA refere também que, embora a NASA e a Roscosmos concordem que o segmento problemático pode ter de ser permanentemente encerrado se a taxa de fugas atingir um nível “insustentável” - as duas partes não chegaram a acordo sobre a definição exata de “insustentável”.
No entanto, embora as agências espaciais continuem em desacordo quanto à gravidade do problema, Cabana e Barratt - e a gestora do programa ISS da NASA, Dana Weigel, numa declaração - afirmaram que a NASA e a Roscosmos continuam em estreita comunicação sobre a questão.
“Temos uma relação muito aberta e transparente com os nossos compadres cosmonautas russos”, garantiu Barratt, que regressou de uma estadia de 232 dias na Estação Espacial Internacional no final de outubro. “É uma equipa muito integrada”.
A resposta da NASA às fugas e a segurança dos astronautas
Enquanto a NASA e a Roscosmos trabalham para resolver o problema das fugas, a agência espacial americana tomou algumas medidas para garantir a segurança dos astronautas.
Para além de exigir que os astronautas fechem a entrada da secção russa quando o túnel de transferência do Zvezda está aberto, a agência norte-americana está agora a colocar uma “palete” extra a bordo da nave espacial Crew Dragon da SpaceX.
A palete fica no topo de uma área da nave espacial que é normalmente utilizada para armazenar carga e é essencialmente um pedaço de espuma a que um astronauta se pode amarrar se precisar de levar uma cápsula Crew Dragon para casa em caso de emergência.
Especificamente, os lugares das paletes estão reservados para os astronautas da NASA que vão à estação espacial em naves russas Soyuz, como têm feito há anos no âmbito de um acordo de troca de lugares entre os EUA e a Rússia.
O astronauta da NASA Don Pettit, por exemplo, está atualmente na estação espacial depois de ter chegado a bordo da nave Soyuz MS-26 em 11 de setembro. No entanto, se a estação espacial for considerada insegura e Pettit não puder aceder à nave espacial ligada ao módulo russo, a NASA disse que o especialista tem a opção de regressar a casa através do veículo SpaceX Crew-9, numa palete, juntamente com os quatro astronautas afetos a esse veículo - Sunita Williams, Butch Wilmore e Nick Hague da NASA e o cosmonauta da Roscosmos Aleksandr Gorbunov.
Problemas iminentes na estação espacial
A NASA tem contingências em vigor para a segurança da tripulação, mas a agência espacial também se debate com o facto de o módulo russo com fugas poder constituir uma ameaça à segurança e à longevidade da estação espacial.
No seu relatório, o Gabinete de Inspeção-Geral salienta: “Embora seja possível que a ISS funcione se a escotilha [para a área afetada] for fechada permanentemente, isso poderia ter impacto na entrega de carga porque haveria menos um porto de entrega de carga”, afirma o relatório. “Fechar a escotilha permanentemente também exigiria propulsão adicional para manter a altitude e a atitude [ou orientação] da Estação.”
A estação espacial necessita regularmente de naves espaciais ligadas para impulsionar o posto avançado em órbita, a fim de manter a sua trajetória, evitando que a gravidade da Terra a arraste de volta para baixo. Normalmente, esses impulsos são efetuados por naves espaciais russas acopladas. Mas a NASA já está a testar a utilização de naves espaciais americanas para essa tarefa.
O problema das fugas surge numa altura crítica para o laboratório em órbita, que a NASA espera que continue a funcionar com as suas cinco agências parceiras pelo menos até 2030. Para além da Roscosmos, estas agências incluem a Agência Espacial Canadiana, a Agência Espacial Europeia e a Agência de Exploração Aeroespacial do Japão. As autoridades russas, no entanto, não se comprometeram com a estação espacial para além de 2028 e provavelmente não darão respostas firmes sobre o envolvimento da Roscosmos após esse período até pelo menos 2025, de acordo com o relatório daquele gabinete..
O objetivo da NASA é continuar a fazer investigação essencial no laboratório em órbita até que uma estação espacial alternativa esteja operacional. A agência espacial americana tenciona entregar a tarefa de criar e operar esse novo laboratório espacial ao setor privado - e atualmente uma série de empresas comerciais estão a conceber e a desenvolver as suas próprias plataformas. Essas empresas incluem a Blue Origin, financiada por Jeff Bezos, e a Vast, parceira da SpaceX.
A agência espacial pretende lançar contratos lucrativos para o trabalho em 2026.
Ainda assim, não é claro se os destinos comerciais estarão prontos antes de a estação espacial ser forçada a reformar-se.
“A estação não é jovem”, lembra Barratt. “É de esperar que haja mais desgaste em vários outros locais.”