Portugal está a recrutar espiões: os métodos, os exames e as missões

2 dez 2021, 07:00
Os candidatos a espiões têm de ter entre 21 e 41 anos

Os serviços de informação estão a preparar a nova geração de agentes nacionais e, para isso, deram início a um processo duro e rigoroso de seleção. Antigo chefe de operacionais explica como tudo se processa no interior da organização

Não gostam de ser chamados de espiões ou agentes secretos, porque consideram que tem uma conotação negativa. A designação correta é “oficiais de informações”. Sabe-se pouco sobre os serviços secretos portugueses, mas nas últimas semanas o Sistema de Informação da República Portuguesa (SIRP) esteve a recrutar espiões, aceitando candidaturas através da sua página oficial na Internet.

O objetivo é contratar novos operacionais no terreno, analistas de informação e elementos para equipas de vigilância e de investigação e desta forma renovar as equipas que integram os mais importantes sistemas de informação nacionais.

Os espiões têm de ter entre 21 e 41 anos, e os principais agentes, (oficiais de informação) têm de ser licenciados.  O recrutamento é para o Serviço de Informações de Segurança (SIS), que trata da informação interna, e para o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), que se dedica à informação externa.

A CNN Portugal falou com Pedro Serradas Duarte, antigo chefe dos operacionais dos Serviços Secretos Militares que ajuda a perceber como se recrutam elementos e quais as características mais importantes. Para este antigo oficial de informações, que integrou o serviço da DINFO, os serviços de informação militares extintos em 1997, que tiveram um papel essencial na defesa do País durante várias décadas, o recrutamento através da internet é hoje um modelo “usado também por outros serviços estrangeiros”. Muito usual, diz é recrutar igualmente nas universidades.

E quais são as qualidades essenciais para se ser hoje espião no terreno? “Tem de ser cinzento”, afirma, querendo com isso dizer que o agente tem de ser discreto. Ou seja, “tem de passar na rua sem se dar por ele”. Quem está no terreno não deve sobressair entre as outras pessoas, mas deve ser atento e perspicaz, acrescenta.

E há mais características essenciais no perfil: “saber ouvir” e ter a capacidade de persuasão, nomeadamente a “habilidade de, por exemplo, convencer o outro a trair o seu país”, nota o ex-oficial.

Apesar de a tecnologia ter, entretanto, mudado o mundo da espionagem, o agente clássico ainda existe e é muito necessário. Atualmente, cerca de 80% da informação recolhida e analisada pelos serviços secretos, vem de “fontes livres” como, por exemplo, “jornais ou internet”, afirma Pedro Serradas Duarte, sublinhando que a tecnologia veio ajudar, mas “não resolve tudo”. Aos serviços, avisa, “falta o lado humano”.

“Hoje uma das funções muito importantes é a dos analistas de informação, que transformam os dados recolhidos em informação credível”, explica, por seu lado, José Manuel Anes que em tempos deu aulas de análise de informação aos SIS. Esta análise passa por, usando uma metodologia específica, valorizar a informação que se conseguiu, especifica, concordando ser ainda fundamental o papel do “espião clássico que ouve, vê e se infiltra”.  

A tecnologia trouxe, porém, algumas ajudas, nomeadamente na recolha de informação e até em missões. Fazer uma vigilância agora é mais fácil. Dantes, recorda o ex-oficial de informações militares, os agentes conseguiam apenas “usar algumas cabines telefónicas”. Decoravam os números de telefone e tinham sempre moedas nos bolsos. Quando “alguém que estava numa missão desaparecia, era preciso esperar que ligasse”.

Rigoroso processo de seleção

Recrutar espiões é um processo rigoroso e lento, garante Pedro Serradas Duarte, contando que passa por muitas fases, incluindo provas e avaliações psicológicas e físicas. O passado é também avaliado e o candidato não pode ter cadastro criminal.

Segundo contou à CNN Portugal um antigo dirigente do SIED, os candidatos a espiões têm de passar por um processo de seleção que pode demorar vários meses e implica um conjunto de difíceis provas. Em cada fase vão sendo eliminadas pessoas. A primeira etapa é uma avaliação do currículo. Depois há uma entrevista individual e mais tarde uma entrevista de grupos com outros dos candidatos. Nesta última, o objetivo é analisar a capacidade de manter uma conversa e de argumentação, a habilidade para convencer os outros ou criar empatia, entre outros aspetos. Quem conseguir ultrapassar estas fases todas é depois sujeito a um vasto conjunto de testes psicotécnicos, em que se avalia a inteligência pura e emocional, o raciocínio, a cultura geral, entre outros.  Segue-se uma entrevista mais intensa com psicólogos que verificam a estabilidade do candidato. Há ainda depois provas físicas e testes médicos detalhados.

Namorar, casar e separar

Arranjar novos elementos através de concurso e pela internet não é a única forma de recrutamento, avisa Pedro Serradas Duarte. Às vezes, há pessoas que devido “a um determinado motivo”, ou por causa de uma “determinada missão”, interessam aos serviços de informação. E é, por isso, que nestes casos são os próprios serviços que procuram aproximar-se dessas pessoas, com o objetivo final do recrutamento.

Nestas situações, há o que este antigo responsável da DINFO descreve como uma relação de “namoro, casamento e divórcio”. Há uma fase “de namoro” onde se tenta descobrir o máximo possível sobre a pessoa em causa, porque antes de se dar o passo o passo seguinte – leia-se casamento - “temos de ter certeza da escolha”. E quando a relação não faz sentido ou deixa de ser útil, “acontece o divórcio”. Estas pessoas, desejadas pelos serviços de informação podem residir no estrangeiro ou dentro do próprio país.

Quantos aos motivos que levam as pessoas a querer ou aceitar ligarem-se aos serviços secretos, o antigo oficial diz que há quatro motivos principais, comuns a todos os serviços secretos no mundo: “Ideologia, espírito de aventura, dinheiro ou chantagem”,

E se o lado ideológico como, por exemplo, a defesa da pátria; o espírito de aventura, para quem gosta de viver emoções ou o dinheiro que podem ganhar são motivos fáceis de perceber, a chantagem é menos percetível. Mas pelo mundo há serviços de informação que recorrem à chantagem. Há situações, que perante a eventual exposição de um segredo, as pessoas aceitam colaborar com um determinado serviço secreto, explica o antigo agente. Pode ser algo temporário ou mais permanente.

Já dentro da organização, “a confiança” é a base de tudo na relação entre o serviço de informação e o oficial. Até porque, quando há missões, não é explicado o motivo, nem o objetivo final. Ao contrário do que se vê nos filmes sobre espionagem, cheios de ação, grande parte das vezes, “o trabalho é lento, às vezes, sem resultados”, garante este ex-responsável da DINFO.

O que fazem e o que não podem fazer

Os serviços de informação não podem deter pessoas, não podem interrogar, nem sequer fazer escutas. A sua ação é bastante limitada. Uma das principais missões é “identificar agentes de ameaça”, seja no campo da “espionagem ou do terrorismo”. A ligação de Portugal à União Europeia e à Nato, limita a capacidade de decisão do Governo a nível internacional. Somos “um país pequeno e com áreas de influência reduzida”, nota o ex-responsável da DINFO. 

Talvez por isso, os serviços de informação não têm a dimensão ou o alcance de outros. No entanto, grande parte das secretas de outros países tem elementos em território nacional.

O antigo responsável da DINFO faz  ainda questão de ressalvar que investigar os grupos terroristas “é muito complicado”, sendo “muito difícil introduzir elementos nestes grupos”. Aqui obrigam “os seus membros a cometerem crimes”, como “forma de os testar e agarrar”. Uma situação que pode colocar várias questões éticas para os “oficiais de informações”.

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