Tribunal Constitucional espanhol impede votação no Senado e abre uma crise "sem precedentes". É "um dia insólito para a democracia"

Agência Lusa , CF
20 dez 2022, 00:55
Madrid

Em causa está uma decisão tomada pelos juízes do Tribunal Constitucional a pedido do Partido Popular e que tem como alvo uma mudança na legislação que regula a eleição de juízes do próprio TC e do Conselho Geral do Poder Judicial

O Tribunal Constitucional (TC) de Espanha decidiu na segunda-feira à noite impedir o debate e votação de uma iniciativa no Senado, numa decisão inédita na democracia espanhola de ingerência na atividade parlamentar.

Está aberta uma "crise institucional sem precedentes" na democracia espanhola, porque "em 44 anos de democracia jamais se havia despojado as Cortes [parlamento] da sua faculdade de legislar", afirmou o presidente do Senado, Ander Gil, após ser conhecida a decisão do TC.

A decisão foi tomada pelos juízes do Tribunal Constitucional a pedido do Partido Popular (PP, direita, na oposição) e tem como alvo uma mudança na legislação que regula a eleição de juízes do próprio TC e do Conselho Geral do Poder Judicial.

O PP pediu, num recurso para o TC, uma medida cautelar e invocou que foram atropelados procedimentos parlamentares, por parte dos partidos no Governo (socialistas e plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos), que recorreram a mecanismos que permitiriam concretizar as mudanças legislativas em poucos dias e sem debate no Congresso e no Senado, as duas câmaras das Cortes espanholas.

Para o PP, os deputados e senadores foram impedidos de exercer os seus direitos e questionou estes procedimentos, que considerou inconstitucionais.

Presidente do Senado vai contestar a decisão do TC

O presidente do Senado, Ander Gil, a presidente do Congresso, Meritxell Batet, e o ministro da Presidência, Félix Bolaños, todos do partido Socialista (PSOE) já disseram que vão acatar a decisão do TC, por respeitarem as instituições do estado de direito, mas anunciaram que a vão contestar e consideraram-na de "gravidade máxima" por haver um condicionamento do poder legislativo e da ação dos representantes mais diretos da soberania popular.

"É um dia insólito para a democracia" espanhola e "um triste ponto de viragem na história recente" de Espanha, afirmou Ander Gil, que lamentou que os juízes do TC tenham tomado esta decisão em tempo recorde e sem ouvir o Senado ou o Congresso.

"Os legítimos representantes da soberania popular foram impedidos de votar, não existe precedente algum comprável", reforçou, antes de sublinhar a gravidade da decisão do TC por se traduzir numa "deterioração do sistema democrático" que coloca em causa o princípio da garantia da inviolabilidade das câmaras [das Cortes]" plasmado na Constituição.

Para Ander Gil, está aberta uma "crise institucional sem precedentes" na democracia espanhola, fazendo eco de palavras de diversos políticos, mas também de constitucionalistas e analistas.

O ministro Félix Bolaños, numa declaração desde a sede do Governo em Madrid, considerou de "gravidade máxima" a decisão do TC de "paralisar uma lei na sede da soberania nacional".

Para Bolaños, uma decisão destas nunca se viu em Espanha ou noutro país europeu "do mesmo contexto" e "afeta a separação de poderes".

O líder do PP, Alberto Nuñez Feijóo, escreveu no Twitter que a democracia espanhola ficou "fortalecida" porque "num estado de direito, todos os poderes estão submetidos à lei".

O recurso do PP para o Tribunal Constitucional teve o apoio dos outros partidos de direita com representação parlamentar, o Cidadãos e o VOX, e o líder deste último, Santiago Abascal, já prometeu avançar com uma moção de censura ao Governo.

As mudanças na eleição dos juízes do TC e do Conselho do Poder Judicial pretendiam diminuir as maiorias necessárias para as escolhas de alguns dos magistrados, depois de quatro anos sem o acordo necessário entre os partidos no Governo e o PP para substituir elementos das duas instituições que têm os mandatos caducados.

O PP recusa fazer acordos com o PSOE por o Governo espanhol fazer pactos e negociar com partidos independentistas catalães e bascos, que querem “romper Espanha” e atentam contra a Constituição.

Perante a falta de acordo, não há no TC ou no Conselho do Poder Judicial, atualmente, juízes indicados na legislatura iniciada em 2019, em que socialistas e Unidas Podemos governam.

No Conselho do Poder Judicial há juízes com mandatos caducados há anos e no TC há dois, incluindo o presidente, com mandatos que terminaram em junho, mantendo-se nas duas instituições uma "maioria conservadora", conectada com o PP e a direita em geral.

Para contornar o bloqueio, PSOE e Unidas Podemos usaram a figura das "emendas" e d "tramitação urgente" previstas no regulamento parlamentar para fazer a alteração legislativa que ia ser votada no Senado na próxima quinta-feira e que já tinha sido aprovada pelo Congresso na semana passada, pela maioria formada pelos dois partidos no Governo e partidos nacionalistas bascos e catalães, entre outras formações.

O ministro Bolãnos disse na segunda-feira à noite que o TC "paralisou a sua própria remodelação", com juízes com mandato caducado a não se coibirem de votar e decidir o seu próprio futuro.

Bolaños criticou também o PP por "querer controlar o parlamento quando é maioria e quando não é".

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