O advogado da família defende que o isolamento a que os jovens, de 18 e 24 anos, foram sujeitos teve a ver com o síndrome de sensibilidade eletromagnética de que a mãe sofre e diz que tudo não passa de um mal entendido
O tribunal de Arbúcies, uma vila situada na província de Girona, Espanha, está a investigar o caso de alegados maus tratos a dois jovens de 18 e 24 anos que terão sido mantidos, toda a sua vida, afastados da civilização, sem documentos de identificação, sem escola, sem cartão de saúde. O advogado justifica que o afastamento da família do meio urbano se deve, unicamente, a uma condição de saúde da mãe.
No final de tarde de 24 de fevereiro, Daniela, a irmã mais velha, fugiu de casa e bateu à porta de um vizinho. De acordo com o Punt Avui, depois de lhe admitir que era a primeira pessoa com quem falava, fora familiares, referiu que não queria voltar para um lugar onde a isolaram do mundo, assim como ao seu irmão, Fèlix. Na conversa foi descrevendo as suas condições: sem internet, sem televisão, sem escolarização, sem qualquer contacto com o exterior a não ser as idas às compras com os pais.
Preocupados, os vizinhos alertaram a polícia local, que não conseguiu identificar a jovem porque não tinha nenhum tipo de documento.
A polícia foi até a casa dos pais. Era um local de difícil acesso, com uma grade e um portão trancado a cadeado. Relutante, o casal acabou por concordar em permitir a entrada dos agentes. Dentro da casa, os policiais constataram a presença do rapaz de 18 anos, em frente a um computador sem ligação à internet.
Tentando justificar a reação de Daniela, o pai afirmou que a filha tinha um problema psiquiátrico. Os agentes pediram diagnóstico da doença, mas não existia. O casal explicou que, apesar de terem ido a muitos médicos, ela nunca foi diagnosticada, mas receberam uma lista de remédios que lhe davam. Os agentes pediram identificações e cartões de saúde das crianças, mas disseram-lhes que não os tinham porque nunca precisaram de recorrer ao serviço nacional de saúde, tal como nunca recorreram a pediatra porque a irmã da mãe foi pediatra, apesar de já não praticar a profissão.
Eles explicaram ainda que o pai é web designer e que se mudaram para Les Guilleries porque a mãe, Ana, sofre de "síndrome de hipersensibilidade eletromagnética" e, portanto, não pode estar próxima de antenas.
Depois da visita, a polícia de Arbúcies quis saber mais sobre a situação dos familiares, consultou os arquivos e contactou colegas de Matadepera, onde tinham vivido até há pouco mais de meio ano, antes de comprar a casa atual. A partir daí, descobriram que o pai, Job, de 58 anos, embora negasse ter documentos de identificação, tinha um número de identificação do estrangeiro e uma carta de condução do Reino Unido e passaporte, já caducados. A mulher também tinha a sua carta de condução no mesmo estado e o carro que conduziam estava no nome do pai da mulher. Enquanto viviam em Matadepera, Barcelona, os quatro membros da família foram registados, mas, já nessa altura, nem Daniela nem Fèlix tinham documentação que os identificasse.
No dia 3 de março os pais foram convocados para ir à esquadra e foram interrogados devido a suspeitas de abuso, violência doméstica e abandono familiar. Na companhia do advogado, recusaram-se a depor. O caso colocou o tribunal num dilema difícil de resolver, já que os dois irmãos não eram menores de idade e, portanto, não era viável tirar a guarda dos pais. Além disso, os jovens optaram por não apresentar queixa contra os pais, assumindo que a partir daquele momento, teriam maior liberdade.
Agora, a família defende que tudo não passou de um mal entendido.
"Não é verdade que eles estejam isolados e não tenham contacto com o mundo exterior como se fosse algo demoníaco", disse Pau Simarro, advogado da família 'T Hart-Martínez, à TV3. O advogado garante que as crianças nunca foram sequestradas e que o motivo do isolamento é a condição da mãe que precisa estar longe dos centros urbanos.
Além disso, explica que os jovens têm um telefone fixo e não estão isolados, uma vez que, por fazerem parte da igreja evangélica, onde se reúnem com outros fiéis. Pau Simarro considera ainda normal os pais ainda não terem sido chamados a prestar depoimentos porque "ainda não houve uma situação de urgência e não houve necessidade de proteger ninguém" e recorda ter existido uma greve de advogados que desacelerou a atividade nos tribunais.