Espanha aprova baixas por menstruações incapacitantes e mudanças de género a partir dos 12 anos, sem parecer médico

Agência Lusa
16 fev 2023, 14:07
Ginecologistas dizem que as dores menstruais incapacitantes não devem ser desvalorizadas

Serão também distribuídos produtos de higiene menstrual em escolas, centros sociais ou prisões

A "lei trans" espanhola, que permite mudar de género no registo civil sem relatórios médicos, foi definitivamente aprovada pelo parlamento de Espanha, nesta quinta-feira. Os deputados aprovaram ainda a lei que institui as baixas por menstruações dolorosas e incapacitantes.

A “lei para a igualdade real e efetiva das pessoas trans” permite mudar de género no registo civil em Espanha, a partir dos 12 anos, sem parecer médico.

Será necessária autorização de um juiz para os casos entre os 12 e os 14 anos e dos pais ou tutores legais entre os 14 e os 16 anos, mas para maiores de 16 anos bastará a própria vontade de quem quiser fazer a alteração de género.

Em todos os casos deixam de ser necessários pareceres médicos e provas de qualquer tratamento hormonal para retirar a carga de patologia à mudança de género.

“As pessoas trans [transexuais] são quem são”, sem precisarem de “pedir autorização ou desculpa a ninguém”, e cabe ao Estado reconhecer-lhes os direitos, afirmou a ministra da Igualdade, Irene Montero, no encerramento do debate parlamentar.

A nova lei institui também uma série de direitos relacionados com "a saúde menstrual", configurando um conjunto de medidas consideradas inéditas na Europa, como o direito das mulheres a baixas médicas, totalmente pagas pela Segurança Social, de até cinco dias, por menstruações "dolorosas e incapacitantes".

Serão também distribuídos produtos de higiene menstrual em escolas, centros sociais ou prisões, para combater "a pobreza menstrual", nas palavras usadas por Irene Montero.

Da mesma forma, o parlamento aprovou a lei que visa garantir o acesso à interrupção voluntária da gravidez (IGV) nos hospitais públicos, ou seja, acabar com os obstáculos que atualmente limitam a prática da IVG em hospitais públicos em Espanha, regulando, entre outras coisas, o exercício da objeção de consciência dos profissionais de saúde.

Uma lei controversa que demorou mais de um ano a ser aprovada

A nova legislação demorou mais de um ano a ser aprovada e pelo caminho dividiu o Partido Socialista (PSOE), que governa Espanha em coligação com a plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos, de que faz parte Irene Montero.

A lei contou com a oposição de associações feministas que, como a ala crítica do PSOE, consideram que pode prejudicar os avanços alcançados pelas mulheres na luta pela igualdade de direitos. Para estes movimentos, ser mulher não é uma identidade subjetiva e o feminismo é a luta contra a discriminação de uma identidade objetiva, baseada no género biológico.

Entre as críticas, que hoje se voltaram a ouvir pela voz de deputados do Partido Popular (PP, direita) e Cidadãos (liberais), estão também alertas de falta de “segurança jurídica” da nova legislação, como aconteceu noutros países, como a Escócia, que agora recuam ou travam leis similares.

Em causa está, por exemplo, o caso hoje referido no parlamento espanhol de um homem condenado por duas violações de mulheres, na Escócia, que mudou de género e assim teve direito de cumprir a pena em alas femininas da prisão.

Mas há também, dizem estas vozes críticas, a possibilidade que se abre para homens participarem nas competições desportivas ao lado de mulheres ou de se apresentarem em concursos que exigem provas físicas para seleção e têm padrões diferentes estabelecidos para candidatos masculinos e femininos.

Os alertas passam ainda por questões na aplicação das leis da violência de género ou das quotas nas leis eleitorais.

A ministra Irene Montero voltou hoje a considerar que “as mulheres trans são mulheres e ponto” e falou em “transfobia” durante o processo de debate.

Os deputados dos vários grupos parlamentares que defenderam hoje a lei no parlamento insistiram em que está em causa um reconhecimento e alargamento de direitos em Espanha e a não discriminação de um grupo de pessoas estigmatizadas através de uma lei que não divide nem é feita “contra ninguém”.

O PP e o Cidadãos sublinharam hoje serem a favor de uma lei que reconheça e proteja os direitos dos transexuais, mas consideraram que não houve no parlamento espanhol um processo legislativo suficientemente tranquilo e duradouro para permitir todos os debates e audições necessários e, por isso, a lei não tem “segurança jurídica”.

O grupo do PP chegou mesmo a apelar às bancadas dos partidos no Governo para retirarem a iniciativa e evitarem a votação final, para poder ser feita “uma boa lei”.

Também a extrema-direita do partido VOX se opôs à nova lei, por considerar estarem em causa “delírios” e um “fomento da homossexualidade e da transexualidade” num momento em que há “um aumento alarmante da homossexualidade e da transexualidade” em Espanha, defendendo que o Estado devia promover a “reconciliação das pessoas com o seu corpo” e não “a mutilação irreversível” através de tratamentos hormonais e cirurgias.

A ministra Irene Montero respondeu que a lei “desvincula precisamente” o reconhecimento da identidade de género de tratamentos médicos e condenou “as mentiras e os boatos” do VOX, que fomentam “o discurso de ódio” contra grupos de pessoas e consideram anormais ou doentes os homossexuais e os transexuais.

A lei hoje aprovada proíbe cirurgias de modificação genital até aos 12 anos em crianças que nasçam com características físicas dos dois géneros (crianças intersexuais ou hermafroditas).

Por outro lado, consagra o direito de lésbicas, bissexuais e transgénero com capacidade reprodutiva acederem às técnicas de reprodução medicamente assistida e permite a filiação dos filhos de mães lésbicas e bissexuais sem necessidade de casamento.

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