Espanha vai a votos no domingo. Nove perguntas e respostas para perceber o que se joga nas autárquicas e autonómicas

27 mai 2023, 22:00
Eleições em Espanha (Foto: Marcos del Mazo/LightRocket via Getty Images)

PSOE de Pedro Sánchez deverá perder lideranças regionais e muito dependerá de pactos pós-eleitorais. PP poderá ficar dependente da extrema-direita do Vox para conquistar novas autarquias e autonomias, mas, na capital, Isabel Díaz Ayuso, a candidata da direita, está bem posicionada para chegar à maioria absoluta no governo regional

Espanha vai a votos este domingo. O que se decide?

Espanha terá este domingo, 28 de maio, 8.200 eleições num só dia, entre autárquicas e autonómicas. Haverá, em simultâneo, eleições em 12 das 17 regiões autónomas espanholas, em 8.134 municípios, nas três deputações forais do País Basco, nos concelhos insulares das Baleares, nos chamados cabildos das ilhas Canárias e nas cidades autónomas de Ceuta e Melilla.

Estas eleições não têm todas regras iguais e cada uma tem as suas peculiaridades. Se podem ser vistas como uma antecipação do que poderá acontecer no final do ano, nas próximas legislativas espanholas? Naturalmente. Mas já lá iremos. Este domingo, as atenções vão focar-se nas batalhas das grandes cidades, como Barcelona, Valência e Sevilha, onde não existe um claro vencedor, ou na possível maioria de Isabel Díaz Ayuso (PP) na Comunidade de Madrid, com o PP a caminho de conquistar não só a capital como o governo regional. 

Nas 12 comunidades autónomas em que há eleições este domingo, os socialistas do PSOE de Pedro Sánchez lideram os governos regionais de nove: Aragão, Astúrias, Baleares, Canárias, Castilla-La Mancha, Comunidade Valenciana, Extremadura, Navarra e Rioja. O PP lidera os governos regionais de Madrid e Múrcia e, na Cantábria, a liderança é do Partido Regionalista da Cantábria.

"As eleições serão uma espécie de referendo ao governo e, ao mesmo tempo, à capacidade de a oposição ser alternativa. Espera-se que seja uma espécie de rampa de lançamento para as legislativas. Tudo dependerá, sobretudo, dos resultados do PSOE nas regiões que lidera", dizia há semanas, em declarações à CNN Portugal, Pedro Ponte e Sousa, especialista em assuntos internacionais.

O que dizem as sondagens?

Segundo uma sondagem realizada pela agência 40dB para o jornal espanhol El País e para a Cadena Ser, divulgada na segunda-feira passada, a batalha entre a esquerda e a direita em seis grandes cidades espanholas será "feroz", bem como em muitos dos mais de 8.000 municípios que vão a eleições nestas autárquicas.

José Luis Martínez-Almeida, o atual alcaide de Madrid, do PP, cresce, mas não chega à maioria e a esquerda aproxima-se, com a subida do Más Madrid e do PSOE. É possível que Martínez-Almeida mantenha o cargo graças a um eventual apoio do Vox. Em Barcelona, o candidato do PSC (Partit dels Socialistes de Catalunya) está na dianteira e teria de avaliar se prefere o apoio da atual autarca, Ada Colau (Barcelona en Comú) e do ERC (Esquerda Republicana de Catalunya) ou se preferiria uma coligação com o PP. 

Em Valência, a Izquierda de Compromís liderada por Joan Ribó poderá continuar no poder com uma coligação com o PSOE, apesar de as sondagens mostrarem uma subida do PP. E, em Sevilha, por exemplo, o atual autarca Antonio Muñoz (PSOE) deverá vencer por uma margem estreita o candidato do PP, José Luis Sanz. Em Zaragoza, espera-se uma maioria absoluta do PP, que deverá manter a autarquia com a candidata Natalia Chueca. E o PSOE deverá ser a força mais votada na capital galega: a socialista Inés Rey deverá regressar à liderança da autarquia de A Coruña.

No que diz respeito às eleições autonómicas, "as sondagens apontam para que o PP esteja perto da maioria absoluta em Madrid e o PSOE a mantenha em Castilla-La Mancha e a perca na Extremadura. Mais confusos estão os casos de Aragão, Baleares, Canárias, Comunidade Valenciana e La Rioja, onde ou há muitas dúvidas sobre quem poderá vencer ou tudo estará dependente de pactos pós-eleitorais", afirma Pedro Ponte e Sousa.

Como é que Pedro Sánchez tem usado esta campanha para se promover para as legislativas do fim do ano?

"Estas eleições serão determinantes para a vida política espanhola do próximo ano. Os resultados serão um barómetro do apoio ao Governo, e poderão mobilizar a oposição e/ou o Governo para as legislativas", reforça Pedro Ponte e Sousa, em declarações à CNN Portugal. "Ao mesmo tempo, este ano eleitoral vai acelerar a necessidade de resposta e a própria resposta do Governo espanhol aos problemas que a população enfrenta, onde se inclui, talvez como um dos grandes problemas, a crise no acesso a habitação", explica o especialista em assuntos internacionais. "A tentativa de resposta aos principais problemas sociais onde se inclui, para além da habitação, o acordo salarial entre empresários e sindicatos, com a mediação do Governo, é a tentativa de Sánchez de mostrar que é a única alternativa responsável para a governação do país", acrescenta Ponte e Sousa. 

O atual primeiro-ministro espanhol desdobrou-se, nos 15 dias de campanha - e já em pré-campanha - em promessas e anúncios, sobretudo relacionados com o imobiliário: financiamento de construção para habitação acessível, garantir a entrada inicial do crédito à habitação aos menores de 35 anos, controlo de preços no arrendamento. Confrontado com a queda generalizada das intenções de voto no PSOE, que decorre sobretudo dos problemas económicos, desemprego e das dificuldades do governo em responder a estes problemas, o primeiro-ministro espanhol quis visar sobretudo os mais jovens com as novas medidas - até porque as sondagens divulgadas em abril davam conta da transferência de meio milhão de votos dos mais novos, entre os 18 e os 35 anos, do PSOE de Sánchez para o PP de Alberto Núñez Feijóo.

 
O que tem jogado contra - e a favor - do primeiro-ministro espanhol nestas eleições autonómicas e autárquicas?

"Contra Sánchez jogará sempre a necessidade de coligações com os partidos à sua esquerda, vista como inaceitável por grande parte das direitas. Também a constituição das direitas, quer da direita pós-franquista no Vox quer da direita mais clássica com uma liderança forte no PP, depois do fracasso do Ciudadanos, coloca um desafio do ponto de vista eleitoral", assinala Pedro Ponte e Sousa. "Mas os problemas económicos, o desemprego, e as dificuldades que o Governo tem exibido no que toca a responder a estes problemas poderão agravar as dificuldades eleitorais que os partidos no poder têm sempre, em eleições de segunda ordem, como as autárquicas e autonómicas", acrescenta o especialista em assuntos internacionais.

Nos últimos dias, na imprensa espanhola, o primeiro-ministro espanhol tem sido acusado de fazer uma campanha baseada em reciclagem de anúncios, uma estratégia eleitoral que passava por divulgar medidas do Governo a cada comício que fazia pelo país. O próprio Podemos, que faz coligação com o PSOE no Executivo, não escondeu o desconforto com esta opção, que colheu críticas também porque Sánchez terá feito anúncios "reciclados" - medidas que já tinham sido tornadas públicas, mas só agora oficializadas, ou mesmo propostas de outros partidos políticos. Foi o caso, por exemplo, da linha de financiamento estatal para garantir a entrada na aquisição de habitação:  a direita argumentou que a medida apresentada pelo primeiro-ministro - e considerada, naturalmente, eleitoralista - já tinha sido proposta por Alberto Núñez Feijoo no seu programa alternativo ao do Governo para a habitação, e que até já estava a ser implementada em algumas comunidades autónomas lideradas pelo PP, nomeadamente na Galiza. Em resposta, Sánchez disse apenas: "Nós não anunciamos, nós publicamos no BOE", referindo-se ao Boletim Oficial do Estado espanhol, equivalente ao Diário da República português. 

A favor de Sánchez poderá estar, efetivamente, o impacto destas medidas, que o eleitorado poderá encarar como uma tentativa séria de resposta à crise da habitação, e outros benefícios que o chefe de governo decidiu oferecer aos espanhóis, como por exemplo o pagamento de metade do valor de um Interrail a todos os jovens com menos de 30 anos ou sessões de cinema a dois euros para maiores de 65.

Foram desmanteladas duas redes de compra de votos nos últimos dias. A fraude eleitoral pode penalizar os partidos nas urnas?

Na terça-feira passada, uma operação policial no enclave espanhol de Melilla terminou com dez detenções, por suspeita de um alegado esquema de compra de votos por correio: pessoas com dificuldades económicas eram encorajadas a solicitar o boletim de voto por correio, entregando-o depois à rede criminosa em troca de verbas entre os 50 e os 200 euros. Entre os envolvidos estão vários dirigentes do governo da cidade autónoma de Melilla, nomeadamente o vereador Mohamed Ahmed al-Ial, que faz parte da Coligação por Melilla, que está no poder e goza de popularidade junto da comunidade muçulmana. 

Logo no dia seguinte, a Guardia Civil fez mais sete detidos em Mojácar, Almería, entre eles dois candidatos das listas do PSOE, por fraude eleitoral. Fonte próxima da investigação, citada pelo El País, revelou que eram oferecidos contratos de trabalho ou 100 euros em troca do voto a pessoas em situação de precariedade. Além destas duas redes, que não estavam relacionadas entre si, houve denúncias de fraude eleitoral noutros locais, nomeadamente nas regiões de Huelva, Zamora ou Alicante, levando as autoridades a intervir. 

"As operações das autoridades espanholas que desmantelaram redes de compras de votos são muito graves e demonstram uma enorme fragilidade da democracia e dos partidos espanhóis. O facto de existirem atores políticos do centro-esquerda (PSOE) e à direita - Ciudadanos, PP - sinaliza um problema de natureza estrutural", diz Pedro Ponte e Sousa. "Se é verdade que poderá contribuir para a retórica de partidos antidemocráticos e saudosistas de outros regimes políticos, como o Vox, dificilmente isso terá um grande impacto no resultado, nomeadamente em transferência de votos", reflete o especialista.

Ponte e Sousa defende que o facto de não estarem envolvidas nestas fraudes, até ao momento, grandes figuras políticas nacionais, "poderá estancar eventuais perdas" e não afetar o chamado voto útil. "Poderá, contudo, ser um motivador maior para os abstencionistas irem às urnas, tornando as sondagens mais imprevisíveis", assinala.

Pode haver uma hecatombe nas urnas para o PSOE?

"É possível que a recomposição das direitas, com o colapso do Ciudadanos, o reforço do Vox, e um PP reenergizado sejam um problema para as autárquicas para o PSOE", admitia Ponte e Sousa há semanas, em declarações à CNN Portugal. "Ao mesmo tempo, se à esquerda tenderá a haver algum grau de voto útil, as diferentes autonomias regionais dificilmente permitirão ao PSOE manter a liderança focada em votos e lugares das autárquicas de 2019", refere o especialista.  

Pedro Sánchez venceu, em 2019, duas eleições gerais: as primeiras, no final de abril, acabariam por ser repetidas em novembro, porque o PSOE não conseguiu entender-se com o Podemos de Pablo Iglesias para formar governo. As segundas legislativas espanholas no mesmo ano deram nova vitória ao partido de Sánchez, que conseguiu 28% dos votos, mas os grandes vencedores foram os nacionalistas do Vox, que elegeram 52 deputados - em abril do mesmo ano, tinham conseguido 24.

Sánchez viria a assinar com a Unidas Podemos de Iglesias um acordo programático para um executivo de coligação no final desse ano e é improvável que, quatro anos depois, consiga votos para governar com maioria. O próprio primeiro-ministro espanhol já admitiu a continuidade da coligação atualmente no Palácio da Moncloa numa próxima legislatura, esforçando-se por colar a extrema-direita do Vox, liderada por Santiago Abascal, ao PP de Feijóo. 

Numa perspetiva mais ampla, e em resumo, o ato eleitoral para escolher líderes locais e regionais será, sem dúvida, um importante barómetro para aferir da tolerância dos espanhóis ao Executivo liderado pelo secretário-geral do PSOE. Mas, para Ponte e Sousa, é improvável que a esquerda seja esmagada pela direita nas urnas.

Coligações locais à esquerda e à direita, com Unidas Podemos ou Vox, podem garantir lideranças ao PSOE e ao PP?

O partido de extrema-direita Vox apostou num grande aumento de candidatos locais: em comparação com as eleições de 2019, passou de 752 candidatos para 1.936 e aspira agora a ter assentos em assembleias regionais inéditas, como as da Extremadura, Castilla-La Mancha, Navarra ou Canárias. A extrema-direita calcula que o PP precisaria do apoio dos seus deputados para vencer barões socialistas, como Emiliano García-Page de Castella-La Mancha ou Ximo Puig, da Comunidade Valenciana. O próprio Santiago Abascal, líder do partido, já disse publicamente que os votos do Vox não ficarão de graça ao PP se Feijóo quiser governar em novos municípios ou autarquias. E se, para a direção nacional do PP, qualquer coligação regional com o Vox poderia significar um incómodo, pela associação com os extremistas, há um caso que tem sido destacado pela imprensa espanhola, sugerindo que o partido de Feijóo pode ser obrigado a engolir "mais do que um sapo" para desalojar um histórico socialista.

Falamos do caso da Comunidade Valenciana, liderada por Ximo Puig (PSOE) que, segundo as sondagens, pode perder o lugar para a direita - o PP terá entre 33 a 35 assentos e precisaria dos 15 estimados para o Vox para conseguir uma maioria absoluta. O problema: o candidato do Vox à presidência da Generalitat Valenciana é Carlos Flores Juberías, professor catedrático de 58 anos que foi condenado em 2002 por violência de género contra a ex-mulher. Até agora, escreve o El País, citando fontes da direção nacional do PP, não foi estabelecida frontalmente nenhuma linha vermelha que impeça Juberías de se tornar o vice-presidente do governo valenciano, mas Feijóo teria de engolir "mais do que um sapo" se permitisse que o dirigente do Vox chegasse à vice-presidência. Sem mais pormenores, fontes partidárias conservadoras admitem preocupação com esta possibilidade, mas será a condenação de Juberías suficiente para impedir uma coligação da direita com a extrema-direita? Vai ser preciso esperar para ver.

Os acordos com o Vox são considerados um dos grandes riscos para o PP depois das eleições de 28 de maio, até por receio de que a esquerda possa aproveitar essas coligações para conseguir uma vitória a nível nacional - ou que Santiago Abascal, líder dos extremistas, venha exigir uma coligação mais abrangente para assumir funções governativas no final do ano.

"O Vox, para além da consolidação da implantação local e regional, terá um papel fundamental nos pactos com o PP, para viabilizar governos à direita. Essa grande dependência do PP em relação ao Vox para governar várias regiões colocará desafios sobre as políticas públicas a implementar e puxará o PP cada vez mais para a direita", diz Pedro Ponte e Sousa.

"Os pactos também serão importantes à esquerda, PSOE-Podemos, mas como se tem visto pelos últimos anos, quer a nível regional quer a nível nacional, a participação do Podemos não tem puxado o PSOE mais para a esquerda, e será especialmente esse o caso nas autárquicas e autonómicas, onde o peso do PSOE é relativamente maior e o do Podemos é mais limitado", conclui o especialista.

A extrema-direita conseguirá impor-se a nível local e regional?

Pedro Ponte e Sousa defende que o momento eleitoral mais importante para o Vox serão as eleições legislativas no final do ano. "Será aí que irão apostar em força", conclui, admitindo que pode haver reforço no voto à direita, mas que não é expectável uma vitória esmagadora, admitindo alguma incerteza nos resultados do Vox. 

"É provável que, mais do que as vitórias locais produzam consequências políticas mais amplas, sejam uma séria areia na engrenagem da democracia, em que estes candidatos se dedicam mais a desestabilizar procedimentos, a destruir por dentro o sistema, do que propriamente a demonstrar qualquer trabalho sério. À semelhança, aliás, do que temos visto em Portugal", declara o especialista em assuntos internacionais. 

Como sairão Madrid e Barcelona destas eleições?

"Se em Madrid a situação política parece mais fácil, em Barcelona o mais provável é que não apenas sejam necessários pactos como sejam entre três forças políticas e com grande complexidade. Lideram as sondagens Xavier Trias (Junts), Jaume Collboni (PSC) e a atual "alcaldesa", Ada Colau (Barcelona en Comú). Assim, tão ou mais importantes do que os resultados será a política de bastidores para criar alianças que deem maioria parlamentar", refere Pedro Ponte e Sousa. 

Na capital, a atual presidente da Comunidade de Madrid, Isabel Díaz Ayuso (PP), procura a maioria absoluta, mas a subida das intenções de voto na coligação Podemos-Izquierda Unida e Alianza Verde, encabeçada por Alejandra Jacinta, na última semana de campanha, pode gorar o objetivo dos conservadores. Díaz Ayuso, segundo o El País, é mais consensual nas sondagens (com 47% das intenções de voto) do que o candidato do PP a alcalde, José Luis Martínez-Almeida, que procura renovar o mandato e recolhe 41% dos votos dos madrilenos. Mas Almeida pode beneficiar do apoio a Ayuso e consolidar a sua popularidade no próxmo domingo, ainda que provavelmente vá precisar de Javir Ortega-Smith, do Vox, para alcançar maioria. Projeta-se que a maior força de oposição na autarquia da capital seja o Más Madrid, formação de esquerda encabeçada por Rita Maestre, apesar do crescimento do PSOE com Reyes Maroto, ex-ministra da Indústria, Comércio e Turismo, no primeiro lugar da lista.

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