Ex-presidente da Catalunha tinha avisado que queria ir ao Parlamento para a investidura de Salvador Illa. Ficou à porta, falou durante dois minutos e voltou a desaparecer. Autoridades estiveram quase quatro horas à procura dele mas desistiram. Um polícia é suspeito de ter ajudado na fuga
“Apesar dos esforços dos que nos queriam causar muitos danos, hoje vim aqui para lembrar que ainda estamos aqui porque não temos o direito de renunciar”, disse Carles Puigdemont enquanto a multidão gritava "presidente, presidente". “O direito à autodeterminação pertence ao povo, é um direito coletivo. Não nos confundamos, realizar um referendo não é e nunca será crime. 2,3 milhões de pessoas votaram há sete anos.”
Foram estas as palavras do ex-presidente catalão Carles Puigdemont, que reapareceu esta quinta-feira em Barcelona, Espanha, de braços dados com Josep Rull, presidente do Parlamento, perante uma multidão convocada pelo partido Juntos pela Catalunha (JxCat) e reunida às portas do Parlamento da Catalunha. De acordo com a polícia, cerca de 3.500 esperavam para lhe dar as boas-vindas depois de quase sete anos fora de Espanha.
Pouco antes das 09:00 (8:00 em Portugal Continental), Puigdemont apareceu entre a multidão e subiu ao púlpito montado em frente ao Arco do Triunfo. “Não temos interesse em estar num país onde as leis de amnistia não amnistiam”, disse, lamentando o que diz ser a "repressão feroz" do movimento independentista catalão por parte das autoridades espanholas, após a tentativa de autodeterminação de 2017, que protagonizou e na sequência da qual abandonou Espanha, sendo ainda hoje alvo de uma mandado de detenção em território espanhol.
O acesso ao parlamento estava blindado e controlado por uma barreira policial desde a madrugada. Um grupo de cerca de meia centena de apoiantes do Vox com bandeiras espanholas e uma piñata representando Carles Puigdemont como prisioneiro aguardava a algumas centenas de metros do Parlamento, com faixas a dizer “Espanha, nós amamos-te” e aos gritos de “sou espanhol”, enquanto os outros respondiam com “Puigdemont, nosso presidente” e “queremos entrar”.
Puigdemont falou durante apenas dois minutos e encerrou o seu discurso dizendo: “Não sei quando nos veremos novamente, amigos. Mas aconteça o que acontecer, espero que quando nos encontrarmos novamente possamos gritar, juntos e em voz alta 'vida longa à Catalunha livre'”. No final, voltou a desaparecer entre os apoiantes.
Puigdemont tinha dito quarta-feira que pretendia estar esta quinta-feira na sessão parlamentar convocada para votar a investidura de Salvador Illa como presidente da Generalitat (o governo catalão). Num vídeo que divulgou nas redes sociais, admitiu que arriscava ser detido com este regresso a Espanha e considerou que a sua detenção seria "arbitrária e ilegal", por estar já em vigor a lei de amnistia para separatistas da região. Recorde-se que o Tribunal Supremo espanhol recusou, num primeiro parecer, aplicar a amnistia a Puigdemont, que apresentou recurso desta decisão e aguarda uma resposta.
Os Mossos d'Esquadra ativaram uma operação de busca pouco antes das 10:00 locais para localizar um veículo no qual suspeitavamm que Carles Puigdemont tenha fugido. Segundo o El Pais, a polícia catalã planeava prender Puigdemont antes da sessão plenária. A suposta nova fuga de Puigdemont causou espanto na própria força policial. A polícia suspeitava que ele viajasse num carro branco e acredita que estivesse acompanhado por Jordi Turull, do Juntos Pelo Povo.
Nesta que foi apelidada 'operação gábia' (operação jaula), a polícia catalã começou a parar e a revistar todos os veículos que se dirigem à fronteira francesa e instalou controlos de tráfego ao redor do centro de Barcelona.
Já ao final da manhã, os Mossos d'Esquadra prenderam um dos seus agentes por envolvimento na fuga de Carles Puigdemont, informa a imprensa espanhola citando fontes policiais. O detido é proprietário do veículo em que os investigadores acreditam que o ex-presidente fugiu.
Mais tarde foi anunciado que um outro agente das autoridades tinha igualmente sido detido.
Ao fim de três horas e meia, os Mossos d'Esquadra deram por terminada a "operação jaula", sem conseguir deter o líder independentista. Entretanto, a polícia reativou a mesma operação, menos de uma hora depois de ter anunciado a sua suspensão.
Socialista catalão Salvador Illa pede aplicação de amnistia "sem subterfúgios"
Entretanto, no arranque da sessão parlamentar para ser investido no cargo, o candidato a presidente do governo regional da Catalunha, Salvador Illa, pediu "a aplicação ágil, rápida e sem subterfúgios" da lei de amnistia para separatistas da região. "A Catalunha deve olhar para a frente, não pode perder tempo, deve contar com todos", disse Salvador Illa, que venceu as eleições regionais catalãs de 12 de maio e, se for hoje investido presidente da Generalitat, terminará com 14 anos consecutivos de executivos separatistas nesta região espanhola.
No discurso em que apresentou o seu programa de governo aos deputados catalães, Salvador Illa prometeu "trabalhar para fazer possível o restabelecimento integral da totalidade dos direitos políticos de todas as cidadãos e de todos os cidadãos da Catalunha e de todas as formações políticas".
Illa pediu, neste contexto, que a lei de amnistia aprovada pelo parlamento de Espanha e já em vigor seja aplicada pelos juízes. "Com respeito pela divisão de poderes e pelo poder judicial, preço respeito pela esfera de decisão do poder legislativo, que manifestou de forma clara, explícita e inequívoca a sua vontade de normalização plena", afirmou o líder do Partido Socialista da Catalunha (PSC, estrutura regional do Partido Socialista Operário Espanhol, PSOE, do primeiro-ministro Pedro Sánchez).
"É uma vergonha que um delinquente se permita entrar em Espanha sem que ninguém o detenha"
O aliado de Puidgemont, Aleix Sarri, criticou a operação policial em X, dizendo: "Centenas de polícias cercam Barcelona para prender o presidente Puigdemont. Uma caçada paga com dinheiro público para agradar aos poderes de Madrid. Não é isso o que uma democracia faz."
Hundreds of policemen encircle Barcelona to arrest President @KRLS Puigdemont. A hunt paid with public money to please the powers in Madrid. This is not what a democracy does. https://t.co/iOiH8IlYxq
— Aleix Sarri i Camargo (@aleixsarri) August 8, 2024
Por outro lado, Ignacio Garriga, do partido de extrema direita Vox, que se opõe fortemente à independência da Catalunha, disse que o Vox "faria tudo oque fosse necessário para garantir que Puigdemont seria preso". "É uma vergonha que um delinquente, golpista e fugido da justiça se permita entrar em Espanha sem que ninguém o detenha", declarou o partido.
Es una puñetera vergüenza que a un delincuente, golpista y prófugo de la justicia se le permita poder entrar en España sin que nadie lo detenga, pueda subir a un escenario entre vítores a lanzar sus consignas y retransmitirlo en directo por TVE para así humillar, todavía más, a… https://t.co/hlDlolsN1U
— VOX 🇪🇸 (@vox_es) August 8, 2024
O sindicato da Polícia Nacional, Jupol, qualificou de “escândalo” a atuação dos Mossos d’Esquadra no regresso do ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont e considerou que os agentes “permitiram” a sua fuga apesar de terem uma ordem de detenção em vigor. Num comunicado, citado pelo El Pais, o Jupol criticou o que considera um “abandono inaceitável do dever” por parte da polícia catalã, ao permitir-lhe entrar em Espanha sem o prender e ao acompanhá-lo durante o seu discurso esta manhã no Paseo Lluís Companys, em Barcelona.
“É inaceitável que, como aconteceu em 2017, a Polícia Nacional e a Guarda Civil tenham sido deixadas de lado no processo de localização e detenção do fugitivo Puigdemont, provocando mais uma vez uma situação vergonhosa relacionada com o movimento independentista catalão”, sublinha o sindicato. O seu porta-voz, Ibón Domínguez, afirmou que esta situação mostra que para o Ministério do Interior "existe uma força policial de primeira classe como os Mossos d'Esquadra, que nunca estão presentes quando são necessários, e uma força policial de segunda classe, a Polícia Nacional e a Guarda Civil, que estão sempre presentes", apesar de não gozarem de certos direitos que gozam os agentes regionais.