O que aconteceria se os extraterrestres nos contactassem? Há um teste a decorrer entre observatórios de todo o mundo – a mensagem é simulada, o desafio é real

CNN , Jacopo Prisco
3 jun 2023, 21:00
O que aconteceria se os extraterrestres nos contactassem? Há um teste a decorrer entre observatórios de todo o mundo – a mensagem é simulada, o desafio é real. Foto: Amir Cohen/Reuters

O evento serve também como um ensaio geral de todos os passos envolvidos na identificação e processamento correto de um sinal de origem extraterrestre e inteligente

A pergunta é antiga e agora tem pelo menos uma resposta parcial, depois de uma transmissão concebida para imitar a correspondência de uma civilização extraterrestre ter chegado à Terra vinda de Marte. 

O momento – organizado pelo SETI, uma organização sem fins lucrativos com a missão de procurar inteligência extraterrestre e explorar a origem da vida no universo – situa-se na fronteira entre o projeto artístico e o ensaio técnico. O objetivo é explorar o processo de descodificação e interpretação de um sinal inteligente do cosmos e o impacto que teria na humanidade. 

A mensagem foi enviada a 24 de Maio a partir da ExoMars Trace Gas Orbiter, uma sonda lançada em 2016 que está atualmente a orbitar Marte para estudar a sua atmosfera. A transmissão viajou pelo espaço durante 16 minutos antes de ser captada com sucesso por três observatórios: o Allen Telescope Array, no norte da Califórnia, o Green Bank Telescope, na Virgínia Ocidental, e a Estação Radioastronómica Medicina, perto de Bolonha, em Itália. 

Uma vez recebidos, os dados brutos que continham a mensagem foram divulgados na internet através do Filecoin, uma grande rede de armazenamento descentralizada, para dar a todos a oportunidade de a descodificar e interpretar o seu significado. Alguns dias depois, o esforço de colaboração ainda está a decorrer e foi criado um canal no Discord para discussão pública. 

"Não posso dizer nada sobre o conteúdo da mensagem e só começaremos a dar algumas pistas se virmos que as pessoas estão a ter dificuldades", diz Daniela de Paulis, membro do SETI, a artista que criou a mensagem, numa entrevista telefónica. "Vai demorar algum tempo, porque exige que pessoas com diferentes especializações colaborem entre si, o que era realmente o objetivo do projeto: uma mensagem extraterrestre pertenceria a toda a humanidade, pelo que todos deveríamos ter a capacidade de contribuir para a sua interpretação." 

Decifrar uma transmissão extraterrestre 

De Paulis, que também é uma operadora de rádio licenciada, começou a trabalhar no projeto, chamado "Um sinal no espaço", em 2021. 

"Estava a trabalhar com astrónomos, antropólogos e outros cientistas, era um grupo muito interdisciplinar, e também tínhamos artistas de diferentes áreas", diz. "Reuníamo-nos mensalmente para debater ideias sobre o que uma possível civilização extraterrestre nos poderia enviar. Depois disso, reduzi o grupo a cinco pessoas e, por fim, a três, porque era muito importante que não houvesse muita gente a conhecer o conteúdo". 

A mensagem, que tem apenas alguns kilobytes, teve de ser separada do resto dos dados brutos recebidos durante a transmissão, que podem ter incluído ruído de fundo, dados de telemetria e informação falsa. Esta primeira etapa do processo, segundo dePaulis, exige conhecimentos técnicos muito específicos. "Mas depois, toda a gente pode participar na interpretação cultural, que para mim é a parte mais emocionante", diz. 

O evento serve também como um ensaio geral de todos os passos envolvidos na identificação e processamento correto de um sinal de origem extraterrestre e inteligente.

"Não é tão trivial como as pessoas pensam", diz de Paulis. "A NASA e a ESA estão sempre a comunicar com as suas naves espaciais, mas têm o seu próprio equipamento específico. Tivemos de estabelecer [a transmissão] completamente a partir do zero... Foi de facto bastante complexo e levou quase dois anos de trabalho." 

De acordo com Wael Farah, um radioastrónomo e analista de dados do Instituto SETI que participou no projeto, é importante divulgar a ideia de que receber uma transmissão extraterrestre não equivale a compreender o seu significado e que, embora um sinal inteligente seja fácil de reconhecer, o processo continua a ser trabalhoso.  

"Há toda uma série de testes rigorosos que podem levar meses", diz. "Não é como no filme Contacto, em que a Jodie Foster tem os auscultadores postos e de repente capta qualquer coisa. Não queremos fazer um teste inconsequente". 

Entre as verificações, está a de garantir que a transmissão não provém de nenhuma nave espacial humana e que pode ser recebida exatamente da mesma forma por diferentes telescópios, razão pela qual o teste envolveu três deles. Mas o evento também simula corretamente o facto de que não caberia ao SETI decifrar a mensagem, apenas assinalar a sua receção. 

"Do ponto de vista de um radioastrónomo, não me interessa o conteúdo do sinal – o que me interessa é captar um sinal que não parece natural", diz Farrah. 

A experiência, que se crê ser a primeira do género, tem uma base natural no SETI, que foi fundado em 1985 e que tem estado à espera de receber uma mensagem do espaço desde então. No entanto, nem o SETI nem qualquer outra organização na Terra ainda captaram qualquer sinal inteligente das estrelas. 

Entre os administradores originais do SETI estava Frank Drake, um astrofísico americano que trouxe o discurso sobre a vida extraterrestre para o dia a dia e co-desenhou as placas que estavam a bordo das sondas Pioneer 10 e Pioneer 11, enviadas para o espaço pela NASA em 1972 e 1973. Estas placas apresentavam uma mensagem pictórica – destinada a extraterrestres – que incluía corpos humanos nus, femininos e masculinos, e um mapa do sistema solar.

O astrofísico Frank Drake esteve na origem do SETI e compôs uma mensagem insterestelar enviada para o espaço em 1974. Foto: Neil Hall/Reuters

Em 1974, Drake também compôs uma mensagem de rádio interestelar que foi enviada a 16 de abril de 1974, em direção a um aglomerado de estrelas conhecido como Messier 13, durante uma cerimónia para assinalar a conclusão das melhorias no Observatório de Arecibo, em Porto Rico. 

A mensagem, que continha apenas 1 679 bits de dados, incluía informações sobre números básicos, compostos químicos, ADN humano e o próprio telescópio de Arecibo, mas pretendia ser mais uma prova de conceito do que uma tentativa real de contacto com extraterrestres, à semelhança do que aconteceu na semana passada. 

Desvendar o significado de dados "extraterrestres" 

Neill Sanders, do grupo britânico de astronomia amadora Go Stargazing, está a participar no esforço global para descodificar a transmissão, e disse que já alcançaram um marco na parte inicial do processo. 

"A mensagem oculta na transmissão foi obtida. No entanto, o desafio agora é garantir que o que foi obtido é exato", diz. 

A tentativa de verificar a exatidão é um cenário realmente interessante, acrescenta, uma vez que o remetente de qualquer mensagem – neste caso, a sonda Trace Gas Orbiter na órbita de Marte – quereria garantir que a mensagem não fosse mal interpretada pelo destinatário, quer por erros durante a transmissão ou o processamento. 

Agora que algumas camadas foram removidas e a mensagem foi descoberta, começa uma parte ainda mais delicada do processo. "Chegámos aos dados muito rapidamente, mas decifrar a mensagem e o seu significado pode demorar muito mais tempo. Acho que eles criaram um desafio a sério".

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